Planejamento urbano: a polêmica dos 16 andares

Entre as várias alterações propostas pela revisão do Plano Diretor de Bento Gonçalves, a mudança no número de pavimentos permitidos está no centro das polêmicas. A norma em vigor – datada de 2006 – trazia como limite 14 andares (10 pavimentos, mais compra do solo criado). Pela nova proposta, que ainda tramita na Câmara de Vereadores, em três zonas haveria a possibilidade de erguer até 16 andares – sendo que, quanto mais alta for a edificação, maior deverá ser a distância entre os vizinhos. 

Embora as construções mais altas estejam restritas a apenas três das 15 zonas propostas pela revisão, coloridas no mapa ao lado – Zona Central Principal (ZC1), Zona Central Secundária (ZC2) e Zona de Ocupação Intensiva 1 (ZOI1) –, a área territorial inclui (mesmo que poucas ruas) os  bairros Aparecida, Borgo, Centro, Cidade Alta, Cohab, Humaitá, Imigrante, Juventude da Enologia, Licrosul, Maria Goretti, Ouro Verde, Planalto, Pomarosa, Progresso, Santa Rita, São Bento, São Francisco, São Roque, Universitário, Verona e Vila Nova.

Com direito a plenário lotado, a revisão do Plano Diretor foi tema de audiência pública na semana passada. Dentre as manifestações da comunidade, a preocupação com a qualidade de vida foi o principal argumento. Boa parte dos que ocuparam a tribuna eram moradores do São Bento, que há cerca de 15 dias encamparam uma manifestação contra as mudanças propostas para o bairro, sobretudo a possibilidade de edificações de 16 andares em parte da na rua Parnaíba – atualmente classificada como zona residencial com permissão de construção de apenas dois pavimentos. A preocupação é que a vinda de edifícios descaracterize a área, que, especialmente aos finais de semana, é ponto de encontro para jovens, famílias, turistas e esportistas. Além disso, outro questionamento é a falta de infraestrutura para comportar o aumento do número de moradores ali e nas demais áreas da cidade. 

A ação do grupo tomou corpo com faixas espalhadas em residências do bairro, distribuição de panfletos e campanha nas redes sociais. A iniciativa tem sido alvo de críticas e divide opiniões – há quem acuse o movimento de pensar apenas nos próprios interesses enquanto alguns moradores do local não veem problema na verticalização do espaço e inclusive já demonstram interesse em vender suas residências. 

Muitos dos que ocuparam a tribuna acusaram a especulação imobiliária. O presidente da Associação das Empresas de Construção Civil da Região dos Vinhedos (Ascon Vinhedos), Adriano de Bacco, argumentou. “Todo o negócio tem uma lucratividade, seja ele comércio, indústria ou serviços. Se falarmos em especulação imobiliária, podemos falar então que comércio, indústria e serviços, que geram lucro, são também especuladores. Nós, construtores, não somos especuladores, nós temos um negócio, temos uma empresa e essa empresa faz ter o lucro”, disse, recebendo vaias dos presentes. Ele explicou ainda que, desde 2012, a entidade montou uma comissão para auxiliar na revisão das diretrizes e discorda de modificações pontuais que estão sendo propostas pelos parlamentares – muitas atendendo a anseios da comunidade. “Nós, da Ascon, manifestamos o nosso apoio ao Plano Diretor não mexendo uma vírgula do que está aí, porque essas alterações podem, sim, comprometer todo o Plano Diretor”, afirma.

Conforme explica a secretária-adjunta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb) e presidente do Conselho Municipal de Planejamento (Complan), Melissa Bertoletti Gauer, o estudo apresentado pela Ufrgs, e que norteou os zoneamentos, apontou que o município tem poucas perspectivas de expansão e que a densificação poderia ser mais promissora. Em outras palavras, o objetivo é privilegiar prédios em áreas que já tenham infraestrutura, ao mesmo tempo em que fomenta a implantação de comércios além da área central.

Por conta das mudanças no cálculo de índices, recuos e alturas (que determina o quanto uma construção pode “subir” considerando o local e a metragem do terreno), conforme as simulações feitas, seria inviável a construção de um prédio de 14 pavimentos em um lote de tamanho padrão (o que atualmente é possível). “Para chegar nos 16 andares, em Zona Comercial, é preciso ter aproximadamente quatro terrenos. Não é tão simples assim porque o recuo é muito maior”, exemplifica.  Na área central, por exemplo, onde boa parte das casas ainda existentes pertence ao patrimônio histórico, é difícil que sejam construídos prédios com a altura máxima. 

Além disso, o Plano Diretor também conversa com o Plano de Mobilidade, aprovado em 2015. Nas ruas mais antigas – ainda estreitas – novas edificações devem deixar um espaço maior de recuo, possibilitando um futuro alargamento da via. Melissa também pontua que a proposta da Ufrgs previa 10 pavimentos em todo o bairro São Bento – fazendo um cálculo proporcional com a  largura da rua. Porém, foi entendido que deveriam ser dois pavimentos na maior parte, com exceção da Zona Comercial (motivo da polêmica) e do  chamado Corredor Gastronômico (na avenida Planalto, na rua Herny Hugo Dreher e em parte da rua Parnaíba), onde são permitidas construções de 12 metros com o fator de ajuste ou três pavimentos.