Plano Diretor: sem limite para subir

Enquanto a prefeitura ainda trabalha internamente na revisão do Plano Diretor (PD), os construtores apresentaram nesta semana um pacote de propostas para reestruturação da lei que rege o desenvolvimento urbano de Bento Gonçalves. Das 39 ações sugeridas no documento encaminhado ao governo, é a primeira delas que pauta o que o setor considera essencial ao crescimento sustentável da cidade: a aposta cada vez maior na verticalização dos empreendimentos erguidos no município.

O adensamento proposto pela Associação das Empresas de Construção Civil da Região dos Vinhedos (Ascon Vinhedos) deveria se intensificar já no centro da cidade, prioritariamente no aspecto habitacional, em detrimento ao aumento na oferta de espaços comerciais. O objetivo é otimizar o uso dos serviços já oferecidos, tanto públicos, como infraestrutura viária e redes de água e luz,  quanto privados, como lojas e bancos. 

A partir de então, o modelo se expandiria para os bairros, criando núcleos urbanos praticamente independentes e reduzindo assim, de forma gradativa, as necessidades de grandes deslocamentos dos moradores. A ideia é tornar a cidade “compacta e policêntrica”, com capacidade para liberar mais áreas verdes. “Seria uma forma de beneficiar, inclusive, a mobilidade urbana. Hoje, muita coisa em Bento ainda depende do Centro”, argumenta Cedamir Poletto, coordenador do grupo de trabalho que atuou dez meses na formatação do material.

Sem limitação de altura

Para dar impulso à proposta de verticalização, a Ascon entende que uma medida teria papel fundamental: o fim da limitação de altura nas edificações em todos os zoneamentos. Os prédios mais altos, entretanto, teriam recuos maiores para regular a iluminação e ventilação do entorno. As exceções seriam as Zonas Especiais de Habitação Unifamiliar (ZEHU) de baixa densidade e o entorno da praça Achyles Mincarone, no bairro São Bento, que pertence à Zona Residencial (ZR2). 

Outro ponto que também ganha destaque na revisão é a reclassificação dos empreendimentos a serem implantados em qualquer um dos zoneamentos. Na nova concepção, eles se dividiriam em três grupos: adequados, incentivados e inadequados (detalhes abaixo). O modelo eliminaria proibições, mas traria pesadas restrições para as obras inseridas no último item, como a necessidade de eliminação de impactos e dupla aprovação no Conselho Municipal de Planejamento (Complan). Um complemento à legislação elencaria as inadequações para cada área.

Assessoria técnica

A administração municipal deve contratar ainda em setembro uma assessoria para agilizar a revisão do PD. O andamento do trabalho dessa empresa deverá definir o cronograma de realização das audiências públicas nas comunidades de Bento. Serão, provavelmente, 14 encontros, que agruparão os bairros por similaridades estruturais.

De acordo com o diretor do Instituto de  Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb), João Marcelo Bertani, durante os debates comunitários, várias alternativas de mudanças serão apresentadas pelo departamento à população. “Sem dúvida, teremos muitas alterações, até porque, de 2006 para cá, o Plano acabou perdendo o rumo. Nós vamos indicar possibilidades, mas também pretendemos ouvir os moradores e receber outras sugestões”, garante.

De “proibido” para “inadequado”

Outra indicação da Ascon é a substituição do artigo 123 de Plano Diretor, que hoje determina que “as atividades não mencionadas em cada zona serão de uso proibido”; 

A entidade sugere que sejam adotados três novos modelos de classificação: “adequado”, “incentivado” e “inadequado”;

Adequado: se refere ao empreendimento que se adapta às características de cada local. Não necessita aprovação do Conselho Municipal de Planejamento (Complan), desde que atenda os requisitos da lei;

Incentivado: além de também pertencer à classe anterior, teria condições de propiciar um avanço no desenvolvimento da área urbana onde seria instalado, tanto pela falta de empreendimento semelhante, como pela necessidade de complemento a alguma atividade que não estivesse suprindo adequadamente a demanda. Como exemplo, Cedamir Poletto cita a implantação de um hipermercado em algum bairro com a permissão para uma taxa de ocupação maior do terreno;

Inadequado: seria qualquer empreendimento que não se adapte ao contexto de determinada zona. Neste caso, por não ser mais proibido, ele teria liberação somente com a apresentação de um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e a comprovação de total eliminação dos danos que poderiam ser causados ao local. Outra exigência é a aprovação por pelo menos dois terços dos membros do Complan, em duas reuniões consecutivas.

Patrimônio histórico

A preservação do patrimônio histórico local também entrou em pauta na revisão entregue pela Ascon à prefeitura. Aqui, a indicação dos representantes dos construtores é a realização, por parte da gestão municipal de um seminário para debater o assunto com a comunidade. A abordagem seria, principalmente, com relação ao Inventário do Patrimônio Histórico de Bento Gonçalves: a intenção é apresentar à população a situação de cada edificação elencada no documento e, na sequência, por meio de algum mecanismo de consulta pública, receber sugestões de acréscimos ou retiradas de estruturas da lista de preservação. Também neste aspecto da conservação, na visão da Ascon, a verticalização seria uma garantia de preservação, pois reduziria o uso de novos terrenos e a consequente possibilidade de demolição de algum prédio de valor histórico.

Estádio da Montanha: centro de integração ou arena

Os construtores também apresentaram novas possibilidades de uso para a área do antigo Estádio da Montanha, localizado na Osvaldo Aranha. A principal seria a criação de um Centro de Integração de Modais (CIM) no local. A construção abrigaria, essencialmente, espaços para terminais de ônibus urbanos e de turismo, prédios de estacionamento e uma possível interligação com um futuro sistema ferroviário de transporte de passageiros.

Na mesma área, também poderiam ser instaladas feiras de produtos hortifrutigranjeiros, de artesanato e, inclusive, um centro comercial. Para facilitar o acesso à rua Barão do Rio Branco, a Ascon sugere a implantação de equipamentos como elevadores, funiculares e escadas rolantes. Como forma de financiamento, a entidade aponta dois caminhos: a busca de recursos em programas federais ou parcerias público-privadas.

A manutenção da área para a prática desportiva, como ocorre hoje com os jogos de rugby, também não é descartada, mas é observada no relatório com ressalvas. A mais importante delas seria a transformação do atual estádio em uma arena, dependendo da forma como as duas propostas forem absorvidas pela comunidade bento-gonçalvense. Mesmo assim, ainda que em estrutura menor, a implantação do CIM se manteria como viável, segundo a associação.

Estacionamento

Um dos dilemas ligados ao desenvolvimento de Bento, a falta de vagas de estacionamento, também mereceu atenção especial em um dos tópicos da revisão apresentada pela Ascon. A entidade sugere que o Poder Público conceda incentivos a empreendedores que desejarem construir edifícios-garagem na Zona Comercial Central (ZCC) e no corredor da Osvaldo Aranha. 

O benefício seria a permissão para construir, no mesmo local ou em outro autorizado pelo Plano Diretor, uma área adicional de 20m². Também há a exigência de que a prefeitura, em no máximo 30 dias após a liberação do habite-se, retire das vias públicas do entorno o equivalente a 50% das vagas de estacionamento construídas na nova obra, garantindo maior fluidez do trânsito.

Via expressa Norte-Sul

e, por um lado, há a proposta de incentivo a novos estacionamentos, por outro, a associação ressalta como primordial a criação de uma via expressa ligando as zonas Norte (região do bairro São Roque) e Sul (arredores do Botafogo). Para estabelecer o projeto, é sugerida a remoção dos estacionamentos desde a avenida São Roque até a rua Nelson Carraro, passando pela Guilherme Fasolo, Osvaldo Aranha, 10 de Novembro e Fortaleza. O SERRANOSSA anunciou essa possibilidade em reportagem publicada na edição do dia 17 de fevereiro do ano passado.  A implantação de uma ciclovia e de um corredor de ônibus – que deverá passar pelo Centro de Integração de Modais – também é contemplada na proposta.

Investigação do MP

O Ministério Público (MP) ainda investiga alterações no Plano Diretor à margem da lei, provavelmente realizadas ao longo do ano de 2011. A abertura de inquérito – encaminhada após denúncias da nova administração municipal – foi noticiada pelo SERRANOSSA no dia 12 de julho, quando o promotor Élcio Resmini Meneses esperava por resposta a um pedido de informações feito à prefeitura. De posse dos dados, a promotoria identificou pelo menos 18 modificações nos zoneamentos da cidade que não teriam respaldo em nenhuma legislação. Antes disso, em sua página na internet, o governo já havia removido o mapa redesenhado, retomando o material que vigorava antes das mudanças que seriam irregulares.

Reportagem: Jorge Bronzato Jr.


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