Por que Bento tem registrado tantas mortes de pacientes com a COVID-19?
Oito novos óbitos de pacientes com Coronavírus foram registrados em Bento Gonçalves ao longo desta semana. Somente na terça-feira, 21/07, foram 5 óbitos confirmados, elevando o total para 58. O dado se destaca entre os municípios gaúchos, sendo o quarto com maior número de mortes no Estado e o primeiro na região da Serra Gaúcha.
Para o coordenador médico da secretaria municipal de saúde, Marco Antônio Ebert, é necessário fazer uma análise de diversos pontos para entender esse número. Um dos mais relevantes diz respeito ao grande público de idosos enfermos residentes no município. “Bento é referência no tratamento oncológico. Com o nosso atendimento conseguimos aumentar a sobrevida desses pacientes com câncer, o que acaba nos trazendo uma clientela de pacientes suscetíveis a qualquer coisa. O tratamento oncológico debilita muita a pessoa, então qualquer gripe ou infecção a mais pode ser letal”, explica. Dos 58 óbitos registrados de pacientes com a COVID-19 no município, segundo Ebert, todos tinham alguma doença pré-existente – muitas delas câncer. “Fato semelhante acontece com a hemodiálise, somos referência para 9 municípios. E esse tratamento também faz com que os pacientes fiquem muito sensíveis. Em resumo, temos uma população alta de pessoas idosas e doentes”, analisa.
Outro fator, segundo o coordenador, está ligado à ampla testagem no município. “Todos os pacientes são submetidos a exames em Bento, o que nem sempre acontece em outros lugares do país”, afirma. Sem a testagem em massa dos pacientes, muitos óbitos acabam sendo enquadrados como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), não entrando para as estatísticas do novo Coronavírus.
A terceira questão diz respeito às diferentes ondas de contágio pelo novo vírus. “Essa pandemia não pega toda região de maneira uniforme. Então ela acaba acometendo ora os centros urbanos, depois vai se distribuindo nas periferias. No começo [em Bento] ela acometeu uma classe social mais alta, pessoas com histórico de viagens. Agora estamos tendo essa distribuição nos bairros. Então estamos sentindo um aumento na região Norte, em bairros como São Roque, Aparecida e Zatt”, revela.
Morreu pela COVID-19 ou com a COVID-19?
“Nossa equipe sempre se questiona sobre isso. Um paciente já com sequelas de câncer, com comprometimento renal, insuficiência cardíaca… e também com o novo Coronavírus. Esse paciente foi a óbito com o vírus ou pelo vírus?”, questiona Ebert.
De acordo com o protocolo do Ministério da Saúde, devem ser enquadradas como COVID-19 as situações em que a doença provocou ou contribuiu com a morte. “No atestado de óbito existe a manifestação de várias situações que estiveram acompanhando essa doença. Mas há uma determinação que seguimos que diz ser necessário que se coloque a causa como COVID, muitas vezes em pacientes que tiveram outras doenças. Porque não podemos contabilizar duas doenças. Ou é câncer ou COVID-19, por exemplo”, explica.
De acordo com o coordenador, a secretaria já entrou com recursos para rever alguns óbitos enquadrados como COVID-19, por acreditarem que a causa da morte esteve relacionada às demais doenças existentes. “Tivemos duas situações em que já havia a presença de anticorpos na pessoa. Então isso nos dá uma ideia de que realmente o paciente teve contato com a COVID, mas já havia superado esse processo”, revela Ebert. Dessa forma, o município poderá ter que fazer uma nova recontagem do número de óbitos pela doença, após uma extensa análise dos casos apontados.
Estabilidade em relação a 2019
De acordo com dados do registro civil de Bento Gonçalves, o número de mortes registradas no município no primeiro semestre deste ano foi praticamente igual ao do ano passado: foram 362 óbitos até o dia 30/06, ante 363 no mesmo período de 2019. “Importante referir que esses são os óbitos registrados [apenas] neste Cartório e que nem todos os registros são de óbitos ocorridos em Bento Gonçalves”, ressalta o registrador civil, Gerson Tadeu Astolfi Vivan.
Para o coordenador médico Marco Antônio Ebert, não é possível dar uma explicação clara sobre essa estabilidade – tendo em vista os registros de óbito pela COVID-19. “Podemos citar a redução no número de infartos. Foram 17 no ano passado e 6 neste ano [no primeiro semestre]”, analisa. O profissional ainda acredita que a estabilidade pode estar relacionada ao aumento na capacidade de atendimento e à melhoria da estrutura hospitalar do município. “Antes tínhamos apenas 13 leitos de UTI SUS, agora temos 23. Também não tínhamos estrutura de internação da UPA 24h, e com a mobilização de toda comunidade conseguimos construir os 40 leitos”, recorda.
Em relação ao cenário da pandemia hoje, Ebert acredita que o município esteja conseguindo controlar o avanço do contágio, mas ainda afirma ser necessária a manutenção de todos os cuidados. "Tem gente que ainda não entendeu que essa questão não é pessoal. Temos que nos importar mais com os outros do que conosco. Mas avalio que a velocidade de contágio em Bento está dentro daquilo que é esperado”, afirma.
O profissional ainda afirma que a prefeitura está empenhada em auxiliar as famílias das vítimas da COVID-19, oferecendo apoio emocional. “Devido aos protocolos da pandemia, as famílias não conseguem elaborar um luto como antigamente. Então esse momento de despedida representa um obstáculo a mais. Nós lamentamos todas as perdas que tivemos até o momento e montamos uma equipe psicológica para oferecer suporte a todas essas famílias que tiveram que se despedir de uma forma muito traumática”, finaliza.
Foto: Greice Scotton Locatelli