Práticas restaurativas têm papel fundamental na redução da violência e de conflitos em Bento

Somente neste ano, cerca de 170 círculos de diálogo já foram realizados, englobando 2.110 estudantes de escolas municipais e pessoas da comunidade em geral de Bento

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Casos de desentendimento familiar, de problemas de relacionamento nas escolas e de conflitos diversos chegam aos órgãos de assistência social do município, ao Conselho Tutelar, à polícia, ao Ministério Público e à Justiça de Bento diariamente. São situações em que somente a conversa entre os envolvidos no conflito já não se faz suficiente. Mas nem sempre o envolvimento de profissionais ou órgãos externos, principalmente em processos judiciais, é a solução efetiva para restaurar a harmonia das relações. Foi pensando nisso que surgiram, no Brasil, as práticas restaurativas – um conjunto articulado de estratégias inspiradas nos princípios da Justiça Restaurativa, envolvendo atividades que promovam a cultura de paz e do diálogo. Em Bento Gonçalves, a Central de Práticas Restaurativas foi instituída em 2015, por meio da Lei Municipal nº 5.997. Desde então, milhares de pessoas já foram beneficiadas com os encontros mediados por profissionais formados para atuar nas práticas restaurativas. Somente em 2021, 168 círculos de diálogo já foram realizados, englobando 2.110 pessoas.

Atualmente, a Central de Práticas Restaurativas em Bento é mantida pelo trabalho das servidoras do município Marlisete Alessi da Silva e Vanise Marconi, além da colaboradora do Ministério Público Vanda Meneses. A central de Bento, conforme explicam as servidoras, é uma das únicas do país a ter pessoas designadas exclusivamente para execução das práticas restaurativas – que consistem na realização de círculos entre as partes envolvidas, com a introdução de uma “abordagem metodológica dialogal, empática, não persecutória, responsabilizante sem culpabilização, capaz de assegurar espaços seguros e protegidos que permitam o enfrentamento de questões difíceis”, conforme descrito na lei municipal.

O trabalho em Bento é dividido em duas frentes principais: os círculos mais complexos e os menos complexos. Os últimos são realizados diretamente nas escolas municipais, onde são promovidos encontros com os estudantes e com a equipe da instituição, a fim de resolver situações de relacionamento e comportamento que estejam dificultando a convivência. “Nas escolas trabalhamos mais com a questão do fortalecimento de vínculos, de diálogo. A duração dos círculos é de mais ou menos uma hora. Também participamos e promovemos reuniões pedagógicas junto aos professores. É uma questão de prevenção”, explicam as servidoras.

Mas além das demandas relativas à comunidade escolar, a Central de Práticas Restaurativas de Bento recebe situações mais complexas vindas do Conselho Tutelar, do próprio Ministério Público ou mesmo da Justiça. Nesses casos, os círculos são realizados em uma sala no prédio do MP de Bento, normalmente no vespertino ou à noite. Apesar das metodologias utilizadas serem basicamente as mesmas, nos casos mais complexos são realizados relatórios para serem encaminhados aos órgãos que solicitaram os serviços da central. “Os círculos mais complexos são bastante desafiadores , porque vêm mágoas do passado, difíceis de serem resolvidas, mas praticamente em todos os casos conseguimos ao menos amenizar essa dor”, relatam as servidoras.

Todos os círculos são sigilosos e voluntários e têm conquistado a confiança das escolas e de toda a comunidade em geral. “São conversas restaurativas, onde se tem muito respeito pelo outro. Ouvimos sem julgar. O olhar, o cuidado e o diálogo podem minimizar os desafios de relacionamento e as situações de violência”, ressaltam.

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Resultados animadores

A cada círculo realizado, a equipe da Central de Práticas Restaurativas comemora os resultados animadores, por mais singelos que eles aparentem ser. Questionadas sobre casos que marcaram esses anos de conversas restaurativas, as servidoras do município Marlisete e Vanise citam uma família que, por situações diversas do dia a dia, havia perdido o vínculo entre os membros. “O casal e o filho tinham perdido o respeito um pelo outro. Então recebemos essa família com muita mágoa, tristeza e solidão e iniciamos com os pré-círculos, que são os círculos individuais. Quando se sentiram fortalecidos, começamos os círculos em família. Depois os encaminhamos para a rede de apoio do município, para dar sequência a esse trabalho de fortalecimento”, relatam. Hoje, elas afirmam que mantêm o contato com a família e garantem que a convivência teve uma melhora significativa.

Outra história que marcou a equipe é a de um pai haitiano e sua filha adolescente. Diante das dificuldades de relacionamento, o pai havia optado por se distanciar da filha, mas mudou de opinião ao ser acolhido pelas práticas restaurativas. “Eles acabaram se reconciliando e hoje o pai está acompanhando de perto o desenvolvimento da menina na escola. Após a realização dos nossos círculos, o trabalho continuou na instituição onde ela estuda. A orientadora faz um trabalho diário para ela se sentir pertencente em sua turma. Agora ela já tem amigas e demonstra mais suas emoções”, contam Marlisete e Vanise.

Mas além dos relatos singulares, no geral os números também têm apresentado resultados satisfatórios. De acordo com as servidoras, houve uma redução significativa nos casos de violência nas escolas e nas residências. “Estamos vendo nossos pequenos frutos sendo colhidos e isso nos deixa muito felizes. É como diz o nosso lema: 50% por amor e 50% com amor” finalizam.