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Prefeitura Bento x Companhia Energética Rio das Antas: dúvidas e explicações

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Entenda os questionamentos feitos pela prefeitura de Bento, que busca saber a influência das barragens na cheia do Rio das Antas, e as explicações feitas pela empresa responsável, a Ceran

Foto: UHE 14 de Julho. Foto: Ceran

Após a cheia impressionante do Rio das Antas e uma enchente que levou cerca de 115 casas e danificou outras 200 na Linha Alcântara, interior de Bento Gonçalves, a prefeitura decidiu dar início a uma investigação do que poderia ter causado tamanha destruição. 

Na quinta-feira, 07/09, via Procuradoria-Geral do Município (PGM), a prefeitura encaminhou ofício à Companhia Energética Rio das Antas (Ceran) com 13 questionamentos sobre a situação das três barragens comandadas pela Companhia na região: UHE 14 de Julho, UHE Castro Alves e UHE Monte Claro. Segundo relatos de moradores da região – e de diversas pessoas nas redes sociais – a abertura de comportas das barragens teria ocasionado a cheia extrema. 

“Estamos buscando as informações necessárias para auxiliar as comunidades envolvidas e para poder prevenir que tenhamos este tipo de desastre novamente, bem como sabermos a real situação do Complexo Energético do Rio das Antas. Acreditamos que é interesse da Companhia estar auxiliando nesse processo”, destacou o Procurador-Geral do Município, Sidgrei A. Machado Spassini. Na terça-feira, 05/09, o prefeito de Bento Gonçalves, Diogo Siqueira (PSDB), realizou uma reunião online com os representantes da empresa. “Precisamos de respostas e não somente ações protocolares. Estamos lidando com a segurança das nossas comunidades“, disse o prefeito.

Ofício para a Agergs

Na sexta-feira, 08/09, a prefeitura encaminhou, por meio da PGM, um ofício para a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) solicitando os relatórios de fiscalização, multas ou sanções aplicadas à Ceran nos últimos cinco anos. Segundo o Executivo, o objetivo é buscar informações após a enchente. Um ofício também foi encaminhado à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

Questionamentos:

01) Havia monitoramento prévio do nível dos rios do Complexo Energético Rio das Antas (Usinas UHE Castro Alves, UHE Monte Claro, UHE 14 de Julho)?;

02) Qual foi o primeiro alerta emitido às populações ribeirinhas?;

03) Qual foi o horário que emitiram o alerta de evacuação destas populações?;

04) Qual era o nível do Rio das Antas nos dias 02, 03, 04 e 05 de setembro?;

05) Houve fechamento e/ou abertura de comportas?;

06) Quais medidas a CERAN adotou para evitar ou atenuar possível sobrecarga no volume de água nas bacias dos Rio das Antas e Rio Taquari?;

07) No momento em que ocorreu a abertura das comportas das barragens houve algum procedimento de evacuação das áreas sob risco?;

08) A CERAN emitiu algum comunicado aos órgãos oficiais dos municípios que integram o Complexo Energético Rio das Antas, bem como aos municípios do Vale do Taquari referente aos riscos de grave inundações?;

09) Há algum plano de contingência e de evacuação da CERAN em casos de desastres como o ocorrido e como se dá essa comunicação aos órgãos oficiais?;

10) Existe encaminhamento de planos de ação e emergência a serem enviados aos órgãos oficiais e prefeituras envolvidas, além de estratégias de comunicação e alerta às comunidades potencialmente afetadas?;

11) Quais as inspeções de segurança são realizadas nas três barragens do Complexo Energético Rio das Antas e quais as suas periodicidades?;

12) Existe algum plano de prestar assistência às vítimas do desastre ocorrido?;

13) Existem inspeções e relatórios de revisão periódica de segurança das barragens das três usinas do Complexo Energético Rio das Antas?

Foto: Ceran

Ceran se manifesta

Também na sexta, a Companhia Energética Rio das Antas se manifestou. Segundo ela, a empresa cumpriu todos os protocolos de segurança durante as enchentes, além de que as três barragens estavam seguras. 

“Na última segunda-feira, 04 de setembro, o Rio das Antas atingiu a vazão mais alta desde a construção das usinas e uma das maiores vazões que se tem registro, tratando-se de um desastre natural de grandes proporções. Infelizmente, as barragens não conseguem reduzir altas afluências e mitigar os impactos no entorno do rio, pois as barragens da Ceran possuem vertedouro do tipo soleira livre e tem a característica ‘a fio d’água’, ou seja, não tem capacidade de armazenamento e nem de regular o fluxo do rio, pois todo o excedente de água passa por cima da barragem”, dizia a nota.

“Durante as cheias, monitoramos, em tempo real, todas as estruturas, que em nenhum momento apresentaram anomalias que indicassem risco de rompimento, o que não levou ao acionamento das sirenes de emergência. Reforçamos que todos os protocolos de segurança de barragem foram cumpridos durante o evento, incluindo as comunicações com as Defesas Civis dos municípios, que atuaram junto à população”, concluiu.

A empresa ainda destacou que segue trabalhando para realizar esclarecimentos ao Poder Público, de forma de dar transparência e tranquilidade de que o serviço correto foi realizado.

Manifestação da Casa Civil do RS

Na sexta, durante a reunião do governador Eduardo Leite (PSDB) com os prefeitos da região – leia mais na página 08 – o secretário- -chefe da Casa Civil do Estado, Artur Lemos, afirmou que o governo estadual, desde 2019, tem feito vistorias em todas as barragens gaúchas, mesmo aquelas que são de responsabilidade do governo federal. No caso das barragens da Ceran, Lemos afirma que não houve “abertura de comportas”, visto que o modelo delas não permite isso. 

“Compreendemos aqueles que mais ou menos conhecem [as barragens], os vertedouros que elas têm nos seus lados, na verdade é importante olhar a estrutura principal delas. Se você olhar, principalmente a Castro Alves, você vai ver que na sua ombreira ela é toda fechada, ela não tem comportas e o extravasamento das águas ela se dá por cima da estrutura da barragem. Tem as laterais que é para diminuir um pouco a pressão, mas quando ultrapassa o limite, ela passa por cima [da barragem]”, disse. O secretário também afirmou que o Estado conversaria com a Ceran e a CPFL Energia (responsável pelo Complexo).

UHE Monte Claro. Foto: Ceran

“Temos que ter compreensão. Foram mais de 20 vezes a quantidade de água prevista para a estrutura da barragem. Reforço: a estrutura é para isso mesmo. Ela não tendo comportas, ela extravasa justamente por cima das suas ombreiras […] As barragens são pontos positivos para a região”, concluiu.

Na última quarta-feira, 13/09, a Ceran divulgou em suas redes sociais uma espécie de ‘manual’ sobre o funcionamento das três barragens. De acordo com a empresa, as barragens não são capazes de ‘amortecer’ uma cheia do rio. “Pois pela pequena dimensão e característica ‘a fio d´água’, todo fluxo que chega na barragem em situações de alta vazão precisa passar pela mesma. Toda água que não vai para as turbinas passa sobre a crista da barragem. Em situações de alta afluência, a vazão de água que passa pela barragem é a mesma que passaria se ela não existisse”, diz o material.

Sobre a abertura de comportas de vertedouro, a Ceran explica que elas atuam como um “pequeno extravasor” e que são abertas apenas quando a água já está passando pela crista da barragem, para não sobrecarregar as estruturas. “Além de não alterar em nada o fluxo de água, pois o mesmo passaria sobre a crista da barragem, a não abertura dessas comportas colocaria em risco as estruturas, e consequentemente a segurança da população”, pontua.

Moradores querem saber

Na última sessão ordinária da Câmara de Vereadores de Bento, realizada em 11 de setembro, diversos moradores/ proprietários de residências na Linha Alcântara se fizeram presentes.

Foto: Câmara Bento

Alexandre Faccin afirmou que a atuação da Ceran é um grande mistério para os moradores. “Hoje, é ela que cuida do Rio das Antas. Eles têm o poder de fechar o rio, gente. Vocês já imaginaram isso? E aí eles não têm responsabilidade sobre nada. De que forma é feito esse monitoramento dos rios? De que forma vem os avisos para a gente? Eu nunca fui convidado para uma reunião com a Ceran. Não sei se vocês foram [apontando para os demais moradores presentes]. Vocês sabem o funcionamento da barragem? Levaram vocês a conhecer como funciona? Não. Nunca. Aí ficam buscando turmas nas escolas porque ‘o Meio Ambiente diz que tem que ser assim’. Nós nunca fomos convidados. Nós não temos um grupo feito pela Ceran para saber como que está funcionando, para onde que vai a energia produzida, para onde vai o dinheiro dessa energia produzida, como é feita a limpeza dos rios, como é feita a abertura ou não de comportas. Elas são uma lâmina d’água, mas na lateral elas têm uma comporta de vazão. Como é feito isso? Nunca foi explicado para ninguém e aí veio a tragédia. E aí quando vem a tragédia, ‘ninguém é pai da criança’, ninguém quer assumir”, disse.

Inquérito do MPF

O Ministério Público Federal (MPF) instaurou inquérito civil para apurar as providências adotadas em relação às enchentes que atingiram a região da Serra Gaúcha e do Vale do Taquari no Rio Grande do Sul. O objetivo é averiguar possíveis responsabilidades quanto a medidas que poderiam ter sido adotadas para mitigar e prevenir os efeitos adversos das inundações, bem como proporcionar ações de comunicação e resposta no auxílio à população atingida. Na apuração inicial, o MPF aponta que as enchentes ocasionaram danos à vida e ao patrimônio de número expressivo de cidadãos residentes nas cidades serranas e dos vales, envolvendo cerca de 30 municípios das microrregiões de Bento Gonçalves, Caxias do Sul e Lajeado.

Foto: Prefeitura Bento

Para ajudar na investigação, a procuradora da República Flávia Rigo Nóbrega, que atua na unidade do MPF de Caxias do Sul e assina a portaria de instauração do inquérito, solicitou ao Procurador-Geral da República autorização especial para que os procuradores Alexandre Schneider, titular do ofício de proteção ao Patrimônio Público, e Fabiano Moraes, procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto, oficiem conjuntamente no inquérito. O MPF também solicitou à Defesa Civil cópias de todas as comunicações recebidas da Ceran sobre o monitoramento do aumento do nível das águas do rio, em decorrência das recentes chuvas.

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