Profissionais relatam perdas e falam de expectativa de retomada do setor de eventos

Desde o dia 13 de março, Bento Gonçalves não promove nenhum evento na cidade. Profundamente afetados pela pandemia, profissionais do segmento e de toda a cadeia em torno deles – como rede hoteleira e gastronomia – sentem os reflexos que impactam drasticamente seus negócios. Um levantamento feito pelo Sebrae Brasil aponta que a pandemia do coronavírus afetou 98% do setor. Sem a crise do vírus, Bento possivelmente encerraria o ano, segundo o Bento Convention Bureau, com a realização de mais de 1.500 eventos – entre feiras, congressos, casamentos, festas.

Só neste ano, importantes feiras que movimentariam decoradores, cerimonialistas, profissionais da sonorização, floriculturas, transportes e prestadores de serviços em geral foram canceladas ou adiadas na cidade, como a Movelsul e Wine South América. Além disso, casamentos e eventos sociais também estão sendo postergados. Para tentar amenizar os efeitos da crise, empresários tentam negociar prazos, remarcar datas e, ainda, encontrar soluções para a realização de seus planos em tempo de coronavírus.


Foto: Eduardo Fin

Agendas canceladas
Kelly Stefenon, que é designer e atua há 10 anos na área de decoração e cenografia de eventos, relata que o faturamento da empresa caiu 95%. “Tínhamos um fluxo de trabalho muito intenso, chegando a realizar cinco eventos por final de semana. Entramos em janeiro com a agenda praticamente lotada até maio. A gente tinha certeza de que seria um ano incrível para todos do setor de eventos, mas infelizmente o vírus chegou e pegou todos de surpresa”, comenta. “O impacto foi violento e nossa agenda do primeiro semestre foi totalmente riscada. Estamos torcendo para uma retomada no final do ano com as decorações de Natal”, aposta.


 

Uegli Poletto, da Petit Wedding, que atua desde 2009 na área de casamentos, destaca que em um evento que envolve afeto, carinho, comemoração é difícil exigir protocolos de segurança como uso de máscaras, distanciamento. “Os casais têm preferido adiar a realizar o seu sonho em meio a estas condições”, confessa. “Eu já adiei praticamente todos os eventos, inclusive para aqueles que casam até fevereiro. Apenas um topou casar em meio aos protocolos, visto que são do estado do Acre e a maioria dos convidados já comprou passagem e programou suas férias. Neste caso, se o governo liberar e os noivos mantiverem esta decisão, faremos a organização seguindo todas as medidas de segurança”, conta.
A cerimonialista e organizadora de evento Andreia Pilão afirma que o setor de eventos está tentando se reinventar. “Pequenas celebrações em casa, festa na caixa, festa on-line, lives, mini casamentos para apenas o casal e o celebrante (elopement wedding) ou somente para os pais estão sendo realizado. Mas o setor é calor humano, é abraço, é aperto. E hoje é a incerteza que rege. Sem dúvida, o vírus mudou a maneira como a gente interage, a maneira como a gente consome, o mercado já não é mais o mesmo. Mas não podemos tratar este momento como o novo normal, o que vivemos não é normal, é anormal”, desabafa.

Ricardo Piccoli Carvalho, conhecido como Keko, da DWR, atua com serviços de som, luz, imagem e produção de eventos e teve todos os eventos sociais, corporativos, shows, projetos culturais e esportivos cancelados desde o dia 16 de março e, segundo eles, ainda não há previsão de retorno. “A empresa vem realizando diversas lives com artistas, mas a maioria delas sem remuneração financeira para empresa, somente com repasse do cachê para equipe técnica”, conta ele, que reitera que 95% das transmissões ao vivo são solidárias e visam arrecadar alimentos. “Até o momento já arrecadamos mais de 30 toneladas que foram distribuídas para diversas entidades sociais”. 

Keko conta que teve uma queda de 95% no faturamento da empresa e que existem poucas alternativas para essa retomada. “Hoje, com este cenário, fica difícil prever este retorno, mas temos fé que antes do final do ano possamos retornar às atividades. Infelizmente nosso setor está sendo o mais atingido e praticamente passando despercebido sem nenhum plano de retomada como as demais áreas. Embora o governo esteja disponibilizando algumas alternativas para as pequenas empresas, essas acabam não chegando a quem realmente precisa”

Sonho adiado

Há 11 anos juntos, Carolina Rosa e Willian Segatto decidiram que estava na hora de finalmente oficializar a união. A data escolhida foi o primeiro sábado de lua cheia de 2021: 27 de fevereiro. “A gente sempre acabava priorizando outras coisas e no início de março deste ano finalmente resolvemos investir no nosso casamento. Contatamos a Uegli Poletto, escolhemos a data, definimos que seria um mini Wedding e já começamos a contatar os fornecedores”, conta.


 

Os noivos já tinham escolhido o local e negociado com buffet, fotógrafo, músicos para a igreja, filmagem, salão de beleza e, claro, o vestido da noiva. Estava tudo certo. Mas com o crescimento do número de casos no país, o casal se assustou. “No final de julho, começamos a ver notícias de cancelamento do Réveillon nas grandes capitais e do Carnaval do Rio de Janeiro e da Bahia e começamos a nos dar conta de que fazia total sentido. Não adianta achar que as coisas vão voltar ao normal com a redução dos casos de Coronavírus. Hoje estamos vivendo uma situação de platô e não tem uma previsão de vacina. E um casamento é uma celebração muito afetiva, muito amorosa, onde as pessoas querem se abraçar, dançar, conversar de perto. Não dá para fazer uma festa com distanciamento, máscara e álcool gel”, comenta.
Foi então que o casal se deu conta que o tão sonhado casamento só seria possível acontecer quando todos estivessem imunizados. “Escolhemos uma nova data: 23 de outubro de 2021, porque esperamos que até lá tenha vacina. Não tivemos nenhum problema com a troca e os nossos fornecedores entenderam nossa escolha”, afirma. “Esperamos, de coração, que a gente consiga casar nessa data, com segurança, imunizados e bem”, finaliza.

Setor prepara protocolo de segurança e evento teste

De acordo com um estudo de dimensionamento econômico da indústria de eventos no Brasil, realizado em 2013 pela Associação Brasileira de Empresas de Eventos (ABEOC), Sebrae e Universidade Federal Fluminense, o setor de eventos impacta mais de 70 setores da economia e movimenta, anualmente, mais de R$ 209,2 bilhões de faturamento, gerando R$ 48 bilhões em impostos. O setor representa 4,32% do PIB, conta com 60 mil empresas em toda a cadeia de serviços e gera mais de 1,893 milhão de empregos diretos e terceirizados.

Apesar de não existir estudo mais recente, estima-se que o setor de eventos tem crescido em média 6,5 % ao ano, no período de 2013 a 2019. No Rio Grande do Sul, a estimativaé que esse mercado movimente anualmente R$ 2 bilhões e gere 500 mil empregos diretos e indiretos. Mesmo com todos estes números, não existe uma estimativa para a retomada deste segmento na região e no Estado.

Pensando nisso, diversas entidades se uniram e estão criando um protocolo de segurança específico para o setor para a retomada dos eventos. De acordo com Andréia Pilão, que integra o comitê organizador como diretora do Bento Convention Bureau, está sendo redigido um relatório de segurança sanitária para ser aplicado nos eventos, que foi apresentado aos organizadores e locais de eventos da cidade. “Em maio fomos convidados a fazer parte de um grande grupo que está pleiteando junto ao governo a retomada segura dos eventos. Esse grupo apresentou ao Estado um estudo que aponta que as atividades poderão ser exercidas, de forma gradual, de acordo com a metodologia das cores adotada pelo governo, permitindo a realização de eventos nas bandeiras amarela e laranja. O protocolo é muito parecido com o de turismo, seguindo as regras do distanciamento social”, explica. Em breve, o grupo, formado por entidades multissetoriais ligadas diretamente ao setor de eventos e que envolve a cadeia produtiva do setor, pretende simular um evento com todos os protocolos. 

De acordo com o conselheiro fiscal do Bento Convention Bureau, Gilberto Durante, o grupo aposta na retomada segura, pois os eventos, além de movimentarem um grande número de profissionais e empresas, também mantêm o equilíbrio na ocupação hoteleira e movimenta o setor turístico. “Grande parte dos congressos e convenções ocorriam durante a semana, o que mantinha os hotéis ocupados nos períodos de sazonalidade. Sem os eventos, a situação está bem preocupante”, comenta.

Entre as sugestões incluídas no protocolo de segurança estão: distanciamento mínimo de 1m entre as pessoas, mediante uso obrigatório de máscara e de 2m² por pessoa, demarcação no chão para organização de filas, respeitando o distanciamento, implementação de corredores de sentido único para coordenar os fluxos de entrada e de saída e contagem de pessoas; higienização rígida de todos artigos e equipamentos que possam ser de uso compartilhado e/ou coletivo); disponibilização, em locais estratégicos de circulação, de lixeira com tampa com dispositivo que permita a abertura o fechamento sem o uso das mãos e limpeza frequente dos filtros de ar-condicionado dos locais de eventos.  O protocolo ainda inclui incentivo aos ingressos on-line e adoção de pagamentos eletrônicos, demarcação de assentos, entrada com tapetes de higienização para os pés, entre outras medidas.

O protocolo têm o apoio da secretaria de Turismo, e, segundo o líder da pasta, Rodrigo Parisotto, “estamos trabalhando para brevemente termos a retomada e estamos ao lado dos organizadores de evento para uma construção coletiva”, afirmou.