Projeto em penitenciária feminina do RS busca remição da pena através da leitura

A iniciativa prevê uso de estratégias específicas no relatório de leitura de pessoas em fase de alfabetização

Fotos: Jurgen Mayrhofer/Ascom SSPS

Buscar a ressocialização e incluir mulheres privadas de liberdade não alfabetizadas na remição da pena por meio da leitura são os principais objetivos do Projeto Entrelinhas. Desenvolvido de forma experimental no ano passado, na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba (PEFG), a iniciativa retomou os trabalhos na última quinta-feira, 25/01, com um grupo de cinco apenadas. A ação foi pensada pela direção e pelo setor técnico da unidade prisional e é executada em parceria com o Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos (Neeja).

A primeira leitura do ano, sobre folclore brasileiro, retoma a parceria com o Banco de Livros da Fundação Gaúcha dos Bancos Sociais, entidade que realiza doações de obras para bibliotecas de casas prisionais, e doou uma coleção de obras inclusivas, que também são adaptadas para pessoas com deficiência visual e baixa visão. A formação inicial do projeto-piloto contemplou dez apenadas em 2023, que, acompanhadas por membros da Comissão Permanente de Fomento à Leitura do Neeja da unidade, escolheram com a equipe técnica e as professoras a obra lida na oficina.

Ana*, de 41 anos, participou do encontro no ano passado e considera o Entrelinhas uma oportunidade para praticar a leitura, a escrita e a interpretação. “Eu, normalmente, gosto de ler, mas eu tenho muita dificuldade. E aí eu leio os livros e gibis, os mais fáceis de ler. A Bíblia já é uma leitura bem difícil, quando eu chego na metade, eu já esqueci toda história”, conta. Como não concluiu o ensino fundamental, Ana se enquadra no perfil do projeto. E, apesar de não frequentar as aulas na unidade, ela busca se manter ativa participando de outros cursos de formação e trabalhando na manutenção do estabelecimento prisional.

Após a leitura, que é realizada pela equipe técnica, as apenadas discutem o texto e a partir da interpretação própria, expressam o que foi aprendido na linguagem em que se sentem mais confortáveis, como o desenho ou a colagem de imagens e palavras.

Uma ordem de serviço da Polícia Penal, publicada em 2021, prevê o emprego de estratégias específicas no relatório de pessoas em fase de alfabetização como, a leitura entre pares, de audiobooks, oral e o registro do conteúdo lido por meio de outras formas de expressão. Assim como Ana, que utilizou a expressão artística do desenho para dar voz a sua interpretação da obra no relatório de leitura. Para este ano, ela sugere a inclusão de mais atividades lúdicas que mantenham a atenção das participantes, como vídeos, que possam ser usados na prática da escrita.

Diminuição da pena por meio da leitura

Conforme a técnica superior penitenciária (TSP) psicóloga Carla Castro, uma das responsáveis pelo Entrelinhas, não estar inscrita nas aulas do Neeja não é um excludente ou impeditivo para a participação das detentas no projeto, que incentivou algumas das participantes a buscar maior conexão com a leitura e retomar a alfabetização formal. Além disso, as professoras selecionam e identificam o perfil de apenada, que poderia funcionar bem no projeto ou que começou a fazer a alfabetização, mas desistiu, e poderia ter interesse na remição pela leitura.

“O momento da remição é também o da socialização. O momento em que está todo mundo junto e que elas têm mais interação com a equipe técnica, porque a gente está dentro da galeria e das salas de aula. E isso faz com que elas se sintam mais vistas, porque têm um contato direto com quem está do lado de fora. Então, é bem interessante, no sentido de proporcionar que elas consigam sair daqueles quatro muros”, salienta Carla.

Pela legislação vigente, após a leitura, que deve ser realizada em até 30 dias, as apenadas fazem um relatório do livro, que será avaliado pela Comissão de Validação de cada unidade. Cada obra lida, depois do reconhecimento da Justiça, representa a redução de quatro dias da pena, considerando o limite de 12 livros lidos por ano, resultando em 48 dias remidos, como teto anual para essa modalidade de remição.

Atualmente, conforme a Polícia Penal, 77 unidades prisionais contam com projetos ou programas de remição pela leitura, que beneficiam 2.433 pessoas privadas de liberdade. A diretora da PEFG, Isadora Minozzo, explica que a leitura como forma de remição vem sendo acessada por mais apenadas, apesar da oscilação no número de participantes. Em média, 57 apenadas participam do projeto de remição por mês. “Antes, a escrita da resenha era em horário de aula. Agora, elas vão até a sala de aula num horário que não é de aula e todas que leram seus livros fazem a sua resenha na frente das servidoras.”

Analfabetismo no sistema prisional

Lançado em 2023, o Censo Nacional de Práticas de Leitura no Sistema Prisional apontou que 53% das pessoas privadas de liberdade no país fazem parte do grupo de pessoas analfabetas e que possuem o ensino fundamental incompleto. O levantamento foi realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com a Universidade Católica de Pelotas (UCPel), a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) e o programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, para acelerar transformações no campo da privação de liberdade. A pesquisa ouviu 1.347 unidades prisionais do país, em 2022.

No Rio Grande do Sul, segundo dados da Polícia Penal, de setembro de 2023, das cerca de 41 mil pessoas privadas de liberdade, 665 são analfabetas, enquanto 460 estão em processo de alfabetização

O espaço de leitura da penitenciária é mantido por agentes penitenciárias, e os livros podem ser retirados por apenadas promotoras de educação. As promotoras possuem uma lista do acervo da biblioteca da unidade prisional, que pode ser repassada às apenadas interessadas em realizar a remição pela leitura ou que buscam retirar um livro para ler. Manter o espaço organizado e fazer a retirada e devolução dos livros é uma das funções das promotoras.

Os gêneros escolhidos costumam se entrelaçar com as vivências das detentas, como livros espíritas e religiosos, romances, histórias escritas por egressos e apenados sobre o sistema penal, além de literatura infantil e infantojuvenil.

Fonte: SUSEPE

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