Proteção animal ainda luta por apoio em Bento
Todos os dias, as redes sociais estampam casos de animais resgatados por protetores após serem abandonados ou se tornarem vítimas de maus-tratos por parte dos próprios “donos”. Realidade que também duramente atinge a Bento Gonçalves, essa situação não se resume apenas a retirada de, principalmente, cães e gatos dessas condições de risco. Pelo contrário: o salvamento dos bichos tem aí apenas o seu primeiro passo. Na sequência, as dificuldades encaradas pelos voluntários só aumentam – nem sempre o apoio para cuidados veterinários, a busca de lares temporários, o encaminhamento para adoção ou o suporte para responsabilização dos proprietários negligentes são caminhos fáceis.
Nas últimas semanas, alguns registros graves novamente ganharam destaque na cidade, levantando mais uma vez a discussão sobre a necessidade de auxílio aos defensores, que, na grande maioria das ocorrências, agem às suas próprias custas e amparados apenas por uma pequena rede de parceiros constantes. Em um deles, já destacado pelo SERRANOSSA em sua fanpage no Facebook, um cachorro de uma família no Vale dos Vinhedos estava há vários dias sem água ou comida e com um grande ferimento agravado por uma bicheira. O casal responsável pelo animal viajou, deixando-o aos cuidados da filha, que não soube explicar aos resgatantes o motivo do descaso. Desnutrido, desidratado e bastante machucado, o cão – retirado da casa com o consentimento dos moradores –, batizado de Duque, se recupera em uma clínica veterinária.
Em outra ocorrência, no Vila Nova 2, um cachorro era mantido acorrentado sem coleira, o que acabou provocando um corte fundo em seu pescoço. Segundo relatos dos voluntários, que foram ao local e o recolheram, os donos não teriam visto o ferimento, algo aparentemente difícil de ser tomado como verdade, porque o metal da corrente já estava cravado na pele de Guri, como ele foi chamado. “Esses são os casos que mais revoltam, porque, para chegar ao estado em que chegou, é pura negligência dos donos. Tem muito animal de rua que não chega aqui em estado tão precário. São exemplos muito graves, mas que poderiam ser evitados”, afirma a veterinária Natalia Piva, que atendeu os dois feridos.
Para a profissional, somente a punição aos culpados e reeducação, com ações que iniciem já na escola, podem mudar o quadro atual. “Tem que ter fiscalização e multas com valores altos, porque muita gente só aprende quando sente no bolso. Depois, destinar esse dinheiro para a proteção animal e colocar essas pessoas para fazer trabalho voluntário, para que sintam essa responsabilidade”, opina Natalia.
“Papéis trocados”
Presidente da ONG Patas e Focinhos, Alexandre Faccenda diz que o trabalho de proteção animal em Bento Gonçalves está com os “papéis trocados”, destinando mais atribuições à comunidade do que aos órgãos públicos. “A gente sempre acaba sendo a linha de frente e, eventualmente, temos apoio. Isso está invertido, porque nós, como voluntários, é que deveríamos ajudar as autoridades. Nossa atuação nem sempre é respeitada e, normalmente, somos os primeiros a atender uma denúncia”, lamenta.
O amparo, na maioria das vezes incerto, faz com que os pedidos de socorro recaiam sempre sobre os ombros dos mesmos envolvidos. “Em Bento, temos quatro ou cinco pessoas que realmente fazem alguma coisa. E se não fosse por eles, que muitas vezes têm que tirar do próprio bolso, tudo estaria muito pior”, ressalta. O maior gargalo, contudo, ainda é a carência de lares temporários que possam acolher os bichos retirados de situações de risco. “O que mais precisamos agora são locais e pessoas que possam acolhê-los. Dinheiro a gente arrecada, isso não é problema”, aponta Faccenda.
Por fim, ele defende que, cada vez mais, os protetores se unam, para criar uma rede sólida de combate aos maus-tratos e abandonos. “Se não for assim, nunca vai dar certo. Proteção animal não é uma gincana, que um precisa aparecer mais do que o outro. O animal quer ajuda, não quer saber de uma sigla ou um nome. E nós precisamos de ação, porque discursos não resolvem nossa condição”, desabafa o presidente da ONG.
Responsabilização
A voluntária Luciana Bronzato também cobra mais fiscalização e rigidez nas punições aos responsáveis por maus-tratos. Para ela, esse é um dos lados que deveriam ser abraçados pelo Poder Público. “Como a ajuda para o resgate sempre vai ser mais difícil de vir, seria importante que encaminhassem pelo menos a responsabilização. Essas medidas paliativas até agora não apresentaram nenhum resultado concreto para os protetores”, reclama.
Apesar de os índices de abandono serem elevados, a protetora também acredita que os casos mais sérios ainda são os de proprietários irresponsáveis, que não dão as devidas condições de vida aos animais. “Aquele que é largado na rua, por mais que também sofra muito, ainda pode ter a chance de que alguém o alimente e ajude. Se ele estiver preso a uma corrente de um metro, isso fica mais difícil”, conclui.
Denúncias
O sargento Paulo César Rodrigues dos Santos, comandante do 3º Grupo de Polícia Ambiental, com sede em Bento Gonçalves, reconhece que há muitos casos graves de maus-tratos registrados no município, mas destaca que é preciso cuidado para não generalizar as ocorrências, o que pode prejudicar as denúncias e o trabalho do efetivo. Hoje, o Grupo conta com seis integrantes, para uma área de abrangência que engloba as comarcas de Veranópolis e Guaporé. “Nem todo caso chega a esse extremo. Para termos uma verdadeira situação de maus-tratos, é preciso um contexto que indique isso. Não podemos tratar todos da mesma maneira e, lógico, nem conseguiríamos atender a todos. Por isso, as denúncias que nos chegam tem que ter o máximo de informações e, sempre que possível, a identificação de quem é o responsável. Se for grave, sempre daremos um jeito de ir. O fundamental é identificar a autoria, porque não podemos punir quem não conhecemos”, analisa Santos.
Confirmada a autoria, o envolvido é notificado em uma ocorrência-crime, que já pode impor, por meio de um termo circunstanciado, medidas a curto prazo para melhorar as condições dos bichos. A remoção de animais de locais em que possam estar sendo maltratados é outro ponto abordado pelo comandante. “A Polícia Ambiental não tem como fazer isso, não temos para onde levá-los. Por isso, dependemos dessa ajuda dos voluntários, que hoje fazem um trabalho fundamental. Mas eu entendo que está mais do que na hora de termos um local para onde eles possam levados. Precisamos sentar e discutir isso”, argumenta o sargento. Questionado sobre a possibilidade de um canil – ou similar – estimular ainda mais o descaso, ele é enfático no seu posicionamento: “não é criação de um espaço assim que vai fomentar mais abandonos”.
Prefeitura
Desde outubro as denúncias de maus-tratos contra animais passaram a ser direcionadas para o Fala Cidadão, a ouvidoria 0800 da prefeitura. Cada ligação gera um protocolo, que pode ser acompanhado pelo denunciante. Os casos são encaminhados para o setor de fiscalização, da secretaria municipal do Meio Ambiente. As denúncias não são verificadas assim que recebidas. Para otimizar as fiscalizações, as saídas são realizadas quando há um certo número de ocorrências em uma mesma área. De outubro a janeiro foram recebidas 44 chamadas. O setor conta com seis fiscais, que atuam também em fiscalizações de acúmulo de lixo em terrenos baldios e poluição sonora, por exemplo. Trabalhando diretamente com a causa animal são apenas dois servidores.
De acordo com a fiscal Rovana Dal Savio, na maioria dos casos as denúncias não chegam a ser graves, mas relativas à falta de informações. Em um primeiro momento são passadas orientações para solucionar o problema, como aumentar tamanho da corrente que prende o animal ou fornecer mais água para o bichinho. Em casos mais graves – como quando é possível comprovar que houve abandono – ou após reincidências são aplicadas multas. “Muitas denúncias não chegam para a gente. Casos de crimes ambientais, por exemplo, devem ser tratados diretamente com a polícia, que é quem pode dar encaminhamento na parte criminal”, explica.
Castrações: procedimentos ainda não iniciaram
Embora o valor destinado pela prefeitura para esterilização de cães e gatos tenha aumentado em relação ao ano anterior, os procedimentos ainda não iniciaram. Os donos interessados em castrar seus animais já podem entrar em contato com o setor de Vigilância Ambiental da secretaria municipal de Saúde (SMS) para realizar o cadastramento. Em 2014, foram destinados R$ 130 mil com uma complementação de R$ 30 mil no final do ano. De acordo com a veterinária do setor de Vigilância Ambiental, Analiz Zattera, já estão definidas as clínicas que realizarão o procedimento, entretanto o início das cirurgias depende de etapas burocráticas, como abertura de empenho por parte da secretaria de Finanças.
MP mantém inquérito aberto
Segundo o promotor Élcio Resmini Meneses, que mantém aberto um Inquérito Civil sobre a causa animal em Bento Gonçalves, uma nova reunião com a prefeitura está prevista para o mês de março. No encontro, serão avaliadas as definições tomadas ainda no ano passado, como a determinação que a administração municipal centralizasse as denúncias por meio do atendimento telefônico do “Fala Cidadão”.
Denúncias sobre maus-tratos podem ser feitas através do Fala Cidadão, pelo telefone 0800 979 6866. Ao denunciar, é importante fornecer dados precisos sobre o local onde o animal se encontra, para facilitar a localização por parte dos fiscais.
Reportagem: Jorge Bronzato Jr. e Carina Furlanetto
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