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“Quanto mais debates amplos e honestos, mais evoluímos como sociedade”

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Nascida na então pequena Bento Gonçalves, a escritora Natália Borges Polesso ganhou seu tão merecido espaço na literatura brasileira nos últimos 10 anos, com obras sensíveis e inspiradoras que têm instigado o debate em diversos locais do país e até mesmo fora dele. Neste ano, Natália foi convidada para retornar ao município como patrona da 36ª Feira do Livro, que ocorre de 6 a 17 de outubro.

Natália é dona de títulos reconhecidos como “Recortes para álbum de fotografia sem gente”, que ganhou o Prêmio Açorianos de Literatura e “Amora”, que venceu o Prêmio Jabuti em duas categorias e ainda foi utilizado como referência no ENEM 2018. O livro também foi apontado como uma revolução no cenário da literatura no Estados Unidos, tendo, ainda, traduções em outros países como Argentina e Espanha. 

Em suas obras, Natália busca explorar assuntos que fogem das questões tidas como “normais na sociedade”, dando vida a personagens LGBTQIA+ com histórias singulares e inspiradoras. “A partir do Amora, tomei a decisão de colocar personagens lésbicas ou bissexuais nas histórias, mas não falar sobre sexualidade”, comenta. “No meu livro ‘Controle’, de 2019, falo dessa menina que está se descobrindo e recebe o diagnóstico de epilepsia. É um despertar conturbado, com outro ritmo, fora das questões do que se diz ‘normalidade’”, explica a escritora. 

Em sua obra mais recente, “Extinção das abelhas”, publicada neste ano, o tema central é o colapso ambiental e social que o ser humano vive atualmente. “Trato sobre como o mundo vem respondendo ao modo como temos consumido as coisas. Essa é uma questão que me atrai e que tem feito parte das minhas obras”, relata.


Foto: arquivo pessoal
 

E o amor por compartilhar e criar histórias surgiu quando ainda pequena. Apesar de ter nascido em Bento, Natália passou sua infância na casa dos avós em Caxias do Sul e, depois, com os pais em Campo Bom. Em um período longe dos pais, sua avó costumava contar histórias dos tempos antigos para entretê-la à noite. “Eu ficava muito encantada. Então me tornei uma criança que adorava estar perto das pessoas para contar histórias”, recorda.

Na escola, Natália começou a dar vida aos seus primeiros rabiscos de poesia e histórias e decidiu cursar Letras na faculdade. Mas foi há cerca de dez anos que ela percebeu que poderia fazer da sua escrita, uma profissão. “Eu não tinha ideia que poderia ser escritora, até porque na escola e faculdade a gente estudava escritores antigos. Era difícil estudar escritores contemporâneos, parecia que eles não tinham valor”, reflete.

No fim da faculdade, Natália ganhou concursos locais de literatura e começou a escrever esporadicamente para sites e jornais. Após, decidiu entrar na área da pesquisa, seguindo a temática da teoria da literatura. Seu primeiro livro, “Recortes para álbum de fotografias sem gente” foi publicado em 2013, durante seu doutorado. A obra reúne contos escritos desde sua juventude e foi o “ponta pé” para o surgimento das demais sete obras já publicadas pela autora. “Hoje eu vivo da literatura, dou oficinas, faço pesquisas, traduzo, escrevo…”, revela. 

Na tradução, Natália já trouxe aos leitores brasileiros mais de seis obras, do inglês e do francês para o português. Dentre os títulos traduzidos, estão “Tituba, bruxa negra de Salem” (2019), de Maryse Condé, “Nós e Eles” (2019), de BahiyyihNakhjavani, “A casa na Rua Mango” (2020), de Sandra Cisneros, “Fiebre Tropical”, de Juli Delgado Lopera, entre outros títulos de autoras como Agatha Christie. “É um trabalho muito interessante e divertido, que exige preparação, prática e sensibilidade para tentar imprimir o ritmo que o autor quis dar para o seu livro. Te faz olhar para a obra com mais atenção.”, comenta.


Foto: arquivo pessoal
 

Vida de pesquisadora

Na área da pesquisa, Natália decidiu estudar questões de geografia, a partir de obras literárias. “Na minha pesquisa de mestrado estudei a escritora Tania Faillace e seus contos produzidos durante a ditadura. A ideia era entender como as mulheres se locomoviam durante esse período”, conta. “Já no doutorado estudei Porto Alegre, a partir de romances que se passavam na capital desde 1890 até 2013. São obras que trazem Porto Alegre como uma personagem. Tentei verificar quais eram os lugares mencionados, quais não eram mencionados e por que”, continua. 

Durante o doutorado, Natália esteve na França, junto a escritores locais, estudando sobre geografia literária. As reflexões se fizeram acerca dos espaços que apareciam nas obras e como os autores descreviam esses espaços de modo distinto. “Cada narrativa contava uma história diferente, mesmo sendo a mesma cidade”, conta.

De volta a Caxias do Sul, Natália ingressou no pós-doutorado da UCS com a pesquisa “Geografias Homoafetivas”. “Juntei um pouco de tudo que já tinha estudado para fazer um mapeamento de autores LGBTQIA+. Levantei 580 autoras, sendo 280 brasileiras e contemporâneas. Tabelei esses dados e escrevi alguns artigos, também falando sobre os entraves da pesquisa”, revela.


Foto: Bruno Krieger
 

O convite para ser patrona

De mudança para Minas Gerais com sua esposa Daniela, Natália revela ter se sentido honrada em ser escolhida para ser patrona da 36ª Feira do Livro da cidade onde nasceu. “É um reconhecimento muito bonito e é quase como um presente. Ainda mais estando acompanhada da Sabrina Dalbelo [escritora homenageada], que eu sempre leio e que movimenta muito a cena cultural no país. É uma dobradinha de mulheres atuantes na literatura”, comenta. 

Para a escritora, feiras que promovem a leitura e a escrita como a de Bento Gonçalves têm fundamental importância no Brasil. “Temos visto um ataque às artes e às humanidades nos últimos anos. Quanto mais participamos, quanto mais nos fizermos presentes e incentivarmos o debate amplo, aberto e honesto, mais as pessoas terão a cabeça ampla, aberta e honesta para a gente evoluir como sociedade”, reflete.

Em sua opinião, muitos debates importantes estão “sendo soterrados” por receios “esquisitos”. “As pessoas não querem falar sobre sexualidade. E isso precisa ser falado para que as pessoas se sintam mais livres e para que haja respeito. O Brasil ainda é um país muito violento em relação às pessoas LGBTQIA+. Somos o país que mais mata pessoas trans no mundo, que não respeita as mulheres e que tem índices altíssimos de violência contra a mulher”, comenta Natália. Para a autora, os debates de sexualidade e gênero entram no âmbito do respeito e da representatividade. “De ter voz e lugar, não somente de fala, mas de existência digna. Qualquer debate que envolva o pensar e a literatura está dentro disso e as feiras são os lugares onde isso acontece. E também onde conseguimos estar perto do nosso público”, finaliza. 


Foto: arquivo pessoal
 

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