Reajustes nas refinarias refletem mais de 20% de aumento para o consumidor

O ano de 2021 já começou com o litro da gasolina comum sendo vendido a um preço salgado. Em Bento Gonçalves, conforme pesquisa de preço feita pelo Procon, os preços do combustível variavam entre 4,69 e 4,87 na primeira semana de janeiro. Já na quarta semana de março, os valores estavam variando entre R$ 5,75 e R$ 5,85 no município – um aumento de mais de 20% para o consumidor final. O motivo foram os constantes reajustes feitos nas refinarias pela Petrobras, totalizando seis mudanças de preço da gasolina e cinco no do diesel desde o início do ano, aumento de 54% e 46% no acumulado do ano, respectivamente. 

A mudança constante nos valores do combustível tem impactado diretamente o consumidor final, que sofre com o aumento do orçamento e já busca soluções para economizar. O motorista Juliano Santos Correa e sua esposa Lidiane da Rocha Correa viram seus gastos mensais com gasolina saltar de R$ 600 para R$ 800 em apenas três meses. Apesar de atuarem em outros ramos, o casal afirma que aumento tem pesado no orçamento da família. “Antes do aumento a gasolina representava cerca de 40% do faturamento, hoje já está na base dos 60%”, comenta Juliano.


Juliano Santos Correa e esposa Lidiane da Rocha Correa. Foto: arquivo pessoal

O motorista ainda afirma que está precisando rodar mais para manter o lucro que se tinha anteriormente, mesmo assim, está sendo necessário buscar alternativas para evitar prejuízos.  “Hoje evitamos de fazer corridas muito longas. Se estou no Centro e surge uma corrida no [bairro] São Roque, na qual o passageiro quer percorrer apenas 1km, por exemplo, não vamos fazer. Porque não vale a pena fazer uma corrida em que teu deslocamento é maior que o deslocamento do cliente. Tu vai ganhar menos e gastar mais, então acaba pagando para trabalhar”, explica. Outra medida adotada pelo casal é procurar descontos em postos de combustível por meio de aplicativos. “Tem postos que estão vendendo o litro [da gasolina] por R$ 5,49 ou R$ 5,60, abaixo da maioria dos postos”, revela. 

Na semana passada, a Petrobras anunciou redução de R$ 0,11 nos preços do litro da gasolina e do óleo diesel em suas refinarias. Desde a quinta-feira, 25/03, o preço médio do litro da gasolina passou a custar R$ 2,59, uma queda de 4%. Já o litro do diesel teve uma redução de 3,8% e passou a custar, R$ 2,75, segundo informações divulgadas pela empresa. Mesmo assim, o professor de Economia da Universidade de Caxias do Sul (UCS) Mosar Ness avalia que a redução será mais “psicológica do que prática”. “Os preços estão altos. Mesmo que caia R$ 0,05 centavos por litro na bomba, esse desconto irá representar R$ 1,00 em 20 litros. O que digamos é um valor pequeno, quando comparado ao gasto total do consumidor”, exemplifica. 


Foto: Eduarda Bucco/SERRANOSSA
 

Por que tantos aumentos?

Questionado sobre o cenário atípico de aumento constante de valores, o professor explica que reajustes sequenciais já foram registrados em outras ocasiões. Em 2018, por exemplo, as consideráveis altas no governo Temer resultaram na greve dos caminhoneiros, durante o mês de maio. Mas afinal, qual é a base de cálculo para o aumento de preço?

Conforme Ness, o valor do metro cúbico do combustível é estável, girando entre R$ 4.400,00 a R$ 5.500,00. Entretanto, esse montante depende da variação do dólar, tendo em vista que toda estrutura de extração, refino e distribuição é calculada em dólares. “Mesmo a produção sendo doméstica, ela é calculada em moeda estrangeira, pois o capital das petroleiras é avaliado dessa forma. Com isso e com a mudança da política cambial desde o final de 2019, quando ocorreu uma apreciação do câmbio, iniciou um movimento de alta nos preços dos combustíveis”, explica o professor. 


Professor de Economia da Universidade de Caxias do Sul (UCS) Mosar Ness. Foto: arquivo pessoal

Essa mudança da política cambial foi causada pela redução dos juros pelo Banco Central (BC). Até 2019, a taxa de juros no Brasil estava mais alta, com a Selic ultrapassando os 4%. Para baixar essa taxa, o BC colocou mais dinheiro em circulação, provocando a desvalorização da moeda nacional frente ao dólar. “Saímos de $ 3,80 em 2020 para mais de $ 5,00 em 2021”, recorda. “Se por um lado você tem o real valendo menos, por outro lado, com a queda da taxa de juros, o governo precisa pagar menos juros sob o montante da dívida. O lado ruim é que você vai ter aceleração da inflação, índices gerais de preço, principalmente IGPM, mais altos, com aumento do combustível, do arroz… esses são os efeitos indesejados quando se tem mudança de política cambial”, explica o professor. 

No início da pandemia, houve redução nos valores dos combustíveis por conta da queda na demanda global por petróleo. “E também a Rússia decidiu não reduzir sua fatia de produção, com isso os preços despencaram”, pontua. Entretanto, o período foi passageiro. Alguns meses depois, a demanda mundial voltou a subir e o preço do barril de petróleo também. “Some-se a isso a apreciação cambial e o firme propósito da estatal de equilibrar o preço ao custo de produção, temos assim, os componentes necessários para a escalada de preços que estamos experimentando agora”, comenta Ness. 

Reflexo ao consumidor

O professor Mosar Ness faz parte do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais da UCS, acompanhando de perto a evolução da inflação no município de Caxias do Sul. A partir desse grupo, são coletadas informações mensais sobre o preço de 320 itens que compõem o orçamento do caxiense, incluindo a cesta básica – composta por 47 itens – e o transporte. Com base nisso, o professor afirma que o combustível é um dos itens que mais pesa na composição do Índice de Preços ao Consumidor. “As famílias da Serra gastam, em média, 14% da sua renda com transporte. Ao longo de 12 meses o aumento do IPC_UCS foi de 4,71%. O subgrupo de transportes aumentou 1,63%”, informa. Questionado sobre as formas de evitar um impacto tão grande no orçamento das famílias, o professor afirma que a única maneira é “poupar o número de quilômetros a ser rodado mensalmente”. “Tanto a gasolina, quanto o óleo diesel estão na base dos setores de transporte de passageiros ou cargas e são eles que movimentam a economia. Mesmo o álcool, que surgiu como uma alternativa, vem acompanhando os preços dos demais combustíveis”, explica. 

O professor ainda afirma que não há como prever novos aumentos ou reduções dos combustíveis ao longo dos próximos meses, mas acredita que mudanças constantes, como as vivenciadas nos primeiros meses deste ano, não deverão mais ocorrer. “É provável que, com a mudança no comando da estatal, os preços venham a ter uma velocidade de reajuste menor e mais cadenciada, sem tantos sobressaltos, como quer o presidente da República. No entanto, os vetores para os reajustes irão se manter, preço internacional do petróleo em alta e apreciação cambial. Esses fatores deverão manter-se nos próximos meses”, finaliza.