Redução de fisioterapias e atraso em serviços do SUS preocupam mães de pacientes com deficiência

Desde a metade do mês de março, diversos serviços foram paralisados em todo o Brasil devido à pandemia do novo Coronavírus. Em Bento Gonçalves, mães de crianças e adolescentes com deficiência têm enfrentado dificuldades com a falta das fisioterapias pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A atividade havia sido suspensa no município logo no início das restrições, mas foi novamente permitida a partir do decreto municipal 10.488, do dia 03/04. Entretanto, de acordo com a prefeitura, alguns dos profissionais que atendiam pelo SUS no município precisaram ser realocados em atendimentos de pós- -operatório e no auxílio de ações contra a COVID-19. Dessa forma, conforme o secretário de Saúde, Diogo Siqueira, o município está enfrentando uma demanda reprimida de fisioterapia, com número reduzido de atendimentos.

Na Associação de Deficientes Físicos de Bento Gonçalves (Adef), onde eram direcionadas as demandas por fisioterapia neurofuncional dos pacientes do SUS, as atividades foram suspensas devido à pandemia. Até o início das restrições, a associação estava atendendo cerca de 150 pessoas nesse serviço.

Um desses pacientes é o adolescente Henrique Almeida, de 18 anos. Aos 9 meses, um grave acidente provocou a paralisação do lado esquerdo de seu corpo. Já em 2019, um tumor na cabeça comprometeu os movimentos de sua face. Desde pequeno, Henrique vinha fazendo fisioterapia na Adef, o que possibilitou melhora significativa em suas funções motoras. “A gente está tentando fazer exercícios em casa. Os profissionais da Adef me ensinaram alguns e eu tento fazer. Mas ele fazia eletroestimulação na associação desde o primeiro aninho, agora parou tudo. Ele está mais duro, o rosto também. Antes ele fazia tudo com mais facilidade, agora ele não responde mais como antes, desde a mão até a perna”, lamenta a mãe de Henrique, Lucivane Ferrari Almeida.

O mesmo tem acontecido com Kauã Souza Duarte, de 12 anos, que tem paralisia cerebral e faz fisioterapia desde os 2. “O serviço é muito importante pra ele, pois só com isso ele consegue estimular a parte física e não ficar com rigidez nos tendões”, relata sua mãe, Ana Laudiceia Pereira de Souza.


Os exercícios auxiliavam Kauã a ser um pouco mais independente e a falta dele nos últimos meses tem prejudicado sua condição física. “Sem fisioterapia acaba piorando as condições de movimentos e eu tenho dificuldade em ajudá-lo [com exercícios em casa], porque ele tem cirurgia no quadril e requer cuidados”, desabafa.

Para a adolescente Maria Eduarda Viecilli Mazetto, de 16 anos, um dos efeitos da falta de fisioterapia tem sido o aumento de peso e da ansiedade. “A Duda faz fisioterapia na Adef desde que tinha 4 anos. Ela paralisou o lado direito quando tinha 7 meses e começou a caminhar com 4. Até agora ela já fez duas cirurgias cardíacas, duas na cabeça, uma no intestino e uma na perna”, relata a mãe, Marilene Viecilli.


 

No ano passado, a adolescente teve uma fratura no tornozelo e as fisioterapias passaram a auxiliar também na recuperação dessa lesão. “Agora, sem as sessões, ela está sentindo muita dor, o tornozelo fica inchado. Também ganhou peso, mesmo se cuidando. Eu faço alguns exercícios com ela, mas não são o suficiente”, lamenta.

Outra questão que envolve a família é o adiamento de consultas médicas. No ano passado, em consulta a um cardiologista, foi constatado que o ventrículo direito de Maria Eduarda está em um ritmo mais lento do que o habitual. “A consulta com o cardiologista foi adiada duas vezes, a segunda por conta da COVID-19. Ela tinha exames para entregar que o médico do posto pediu. Coletamos o material durante 24h e quando fomos levar ao laboratório, fechou tudo. Aí tivemos que encaminhar de novo no posto e até agora não veio nada. Não sei o que fazer”, desabafa Marilene.

O filho de outra moradora de Bento Gonçalves, que pediu para não ser identificada, fazia fisioterapia duas vezes por semana em Caxias do Sul e uma na Adef, em Bento. Ele é cadeirante e tem problema em um dos joelhos, o que prejudica sua postura. “Sem fisioterapia, o meu medo é que ele volte a atrofiar. Graças a Deus ele está se ajudando, aos pouquinhos, mas em casa não tem o suporte que precisa”, relata.

Além da suspensão das sessões de fisioterapia, a mãe tem enfrentado outro problema devido à pandemia. Há dias ela aguarda o agendamento de uma avaliação médica. “Eu tinha marcado essa consulta ainda no começo do ano, mas foi desmarcada. Eu preciso que a médica me diga se vai ser preciso fazer um procedimento no joelho dele ou não. Lá em Caxias [na Universidade de Caxias do Sul (UCS), onde ele faz as fisioterapias] eles precisam saber isso para renovar as sessões por mais seis meses, porque aí, depois do procedimento, ele volta para as sessões para se recuperar”, explica. Caso a avaliação do adolescente não seja entregue na UCS, a vaga será perdida. “Seu eu perder, vai demorar um ano para conseguir de novo”, afirma. Agora, a mãe aguarda o retorno da secretaria de Saúde, com os novos horários da médica, para ser encaminhada à consulta antes do dia 09/06, quando deverá dar um retorno à UCS. 

ADEF PREPARA RETORNO SEGURO 
As fisioterapias na Adef são voltadas a pacientes do SUS com sequelas resultantes de danos no Sistema Nervoso, bem como àqueles com doenças neuromusculares (do neurônio motor, da placa motora e do músculo propriamente dito – miopatias). “As patologias de maior demanda são paralisia cerebral, má formação, Acidente Vascular Cerebral (AVC), sequelas em decorrência de acidentes e doença degenerativa, entre outras”, explica a coordenadora da associação, Andressa Ben. 

Por atender a demanda da Central de Fisioterapia da secretaria municipal de Saúde, a Adef conta com profissionais cedidos pelo município. A parceria entre a associação e a prefeitura existe há mais de 20 anos. “Além dos profissionais de fisioterapia cedidos pelo município, todos os anos os alunos de Fisioterapia da Faculdade Cenecista realizam um dos estágios obrigatórios do curso na associação, possibilitando a absorção de uma demanda maior de atendimentos”, comenta. 

Entretanto, devido à pandemia, a fisioterapia e os demais serviços realizados no local foram suspensos. Agora, o retorno deverá ser lento e gradual, a fim de garantir a segurança tanto de pacientes quanto de funcionários. “Os pacientes atendidos pela Adef, em sua maioria, são de alto risco para a COVID. Diante disso, estamos realizando um planejamento para retomar esses atendimentos sem colocar a vida deles em risco. Alguns não poderão voltar por serem considerados de extremo risco”, afirma Andressa. Para esses, a associação deverá repassar orientações sobre os exercícios e as práticas que podem ser adotadas em casa. 

Nos últimos dias, a associação tem realizado encontros virtuais com a diretoria e a coordenação, a fim de elaborar mecanismos que garantam um retorno seguro. Uma das primeiras necessidades diz respeito à higienização. “A profissional cedida pela prefeitura foi direcionada em virtude da grande demanda na área da saúde do município. Para que os atendimentos sejam retomados, precisamos de um colaborador em tempo integral na associação, porque todos os materiais precisam ser higienizados a cada novo paciente. Já com relação ao transporte, atualmente os motoristas buscam os pacientes conforme o zoneamento e alguns têm necessidade de acompanhante. Como não pode haver aglomerações, teremos que reorganizar isso também”, complementa. 

CENTRAL DE FISIOTERAPIA 
Em relação à Central de Fisioterapia do município, a prefeitura afirma que os serviços deverão ser normalizados nas próximas semanas. O setor atende a demanda restante pelo serviço no SUS, o que inclui atendimento no Centro Materno Infantil, no Cenecista, nas unidades de saúde ou diretamente de casa (pelo programa Melhor Em Casa).