Reféns do medo: a Bento que não nos permite viver

Há dez anos escrevo para este espaço semanalmente e posso dizer que esta tarefa nunca é simples. Definir os limites do coração e da razão é caminhar descalço sobre os cacos da própria experiência. Como, então, fazer com que cada um se identifique? Mais do que isso, como definir o que pode ou não ser escrito aqui identificando omissão e bom senso?

Muito escrevi sobre a sensação de insegurança que vem roubando de Bento Gonçalves seus melhores cidadãos. Começo a notar uma cidade que vem sendo abandonada. Refiro-me ao abandono afetivo, ao desapego quanto a investir e querer aqui permanecer. Alguns dizem: “mas a violência está em todo lugar”. Não. Entre as mais de 20 cidades gaúchas que visitei neste ano, Bento é, de longe, a que apresenta os números mais assustadores.

Começo a recomendar que amigos e pais de família andem armados. Há mais criminosos foragidos em nossa cidade do que atrás das grades. Esse abandono não é de hoje; ele se evidencia com tremendo impacto como resultado das mais de duas décadas de descaso do Poder Público. Onde o Estado não chega, a criminalidade faz morada.

Há alguns anos, escrevi um texto que teve bastante repercussão, no qual eu recomendava a amigos que não fossem para Bento Gonçalves. Fui acusado, na época, de salientar somente as coisas ruins da cidade. Hoje, escrevo não somente aos que pretendem visitá-la, mas aos que aqui moram: se você tiver a oportunidade de ir embora, vá!

Estupradores, assassinos, bandidos das piores espécies transitam livremente pelas ruas. A polícia não tem força e os juízes se escondem em condomínios fechados, enquanto a cidade queima em um ódio sem controle a cada vida que é roubada.

A cidade morre a cada esquina, a cada assalto, na ponta da faca e na bala. Os cidadãos temem sair de casa. Às 20h, a cidade fica deserta, poucos se arriscam a caminhar pelas ruas. Qualquer pessoa que passe, por exemplo, no bairro Cidade Alta, coloca sua vida em risco.

A vítima desta semana foi o incansável Lucas, cara trabalhador, dedicado, um cidadão de bem – como a maioria de nós. Um cara que sempre doou seu sangue representando a cidade junto a um dos poucos orgulhos que aqui hoje temos, o Farrapos. Ele, assim como a maioria de nós, é mais um dos esquecidos em uma cidade que já não pode proteger seu povo. Eu estou cansado de desejar força para as famílias que são esfaceladas pelo descaso das imorais autoridades.

Eu poderia escrever este texto novamente tentando usar a razão, sem exacerbar meu real sentimento. Eu poderia apenas falar de como a educação deveria ser prioridade, classificar tudo como um conjunto de fatos a culminar em desastre. Mas, hoje, vou escrever com o coração, vou me manifestar de forma violenta, como a situação pede. 

Você, pai de família: se arme, se proteja e esteja pronto para reagir e matar. Não há mais quem lhe proteja, o recado é claro. Nós estamos sozinhos.

Temos uma guerra acontecendo aqui, a população está sendo assassinada enquanto o Judiciário apenas assiste. Em 28 anos, essa é, sem dúvida, a pior Bento Gonçalves em que vivi. Isso não é vida.