Revisão do Código Penal: para agilizar processos

Em análise no Senado, a revisão do Código Penal Brasileiro tem levantado inúmeros questionamentos sobre temas polêmicos. A ONG Brasil Sem Grades, que conta com o apoio da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, propõe modificações na tramitação dos processos. Entre as mudanças estão a criação de um novo poder ao juiz, para que, caso ele perceba que a defesa esteja buscando atrasar o processo, possa impedí-la; acabar com a figura do crime continuado (quando alguém comete mais de um crime grave e acaba punido por apenas um deles); e o fim da contagem da progressividade da pena. Para o juiz da 2ª Vara Criminal de Bento Gonçalves, Rudolf Carlos Reitz, algumas dessas propostas podem amenizar a demora no andamento dos processos, mas o maior problema está na falta de funcionários. 

Reitz ainda destaca que seria necessária a revisão da penalização de alguns crimes. “Entendo que deveria haver uma revisão no sentido de serem penalizados com mais rigor aqueles fatos de maior gravidade, que atingem a coletividade ou o indivíduo de forma mais grave, a exemplo de crimes contra a integridade física ou contra a vida das pessoas”, pontua. Um exemplo, segundo ele, seria a elevação da pena mínima nos delitos de lesão corporal grave. “Atualmente a pena mínima desse delito autoriza, inclusive, a aplicação da suspensão condicional do processo, quando por vezes temos delitos desta natureza que acarretam grande sofrimento para a vítima”, enfatiza.

O juiz reitera que crimes como corrupção deveriam ser tratados como hediondos. “Em especial nos casos em que essa corrupção implica desvio de dinheiro público, fraudes em licitações ou outras situações nas quais a população é prejudicada. Nesses casos, deveria se impor ao corrupto a pena de reclusão, em regime fechado, sem direito à substituição por penas alternativas. Esse tratamento mais rigoroso poderia desestimular a prática de atos de corrupção, que tanto vem prejudicando o desenvolvimento do país, pois falta dinheiro para arrumar as estradas, construir e melhorar escolas, aumentar o número de leitos em hospitais e melhorar a segurança, entre outros”, explica.

Mas, para o juiz, alguns crimes como furto de objetos de pequeno valor poderiam ter tratamento penal menos severo. “Em vez de se ter todo um processo criminal, movimentando Brigada Militar, Polícia Civil, Ministério Público e Poder Judiciário, talvez poderia haver a possibilidade de ajuste ou a recomposição do dano pelo infrator, evitando assim um processo. Isso faria com que os órgãos de segurança e o Judiciário se ativessem a fatos de maior importância, que atingem a coletividade, dando uma resposta mais rápida nesses casos”, defende. Confira a entrevista:

SERRANOSSA: Criar um novo poder aos juízes, para que, ao notarem que a defesa está tentando atrasar o andamento do processo, possam travar a contagem do tempo seria uma medida que tornaria os trâmites mais rápidos?

Rudolf Carlos Reitz: Entendo que seria uma ferramenta para assegurar o resultado prático do processo e assegurar que a lei penal seja cumprida, evitando a prescrição, quando houver indicativos de atos protelatórios. Contudo, esse dispositivo não pode coibir que a defesa pratique atos que sejam realmente necessários ou mesmo interponha algum recurso, pois, nesse caso, se trata de atuação regular da defesa, que atende aos princípios do direito processual penal.

Outro fator que pode levar à demora no desfecho dos processos é a possibilidade de interposição de muitos recursos, levando a questão ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal. Exemplo disso é a interposição de recurso (agravo de instrumento) contra decisões que não receberam outros recursos (recurso especial ou o extraordinário), quando já existe julgamento do recurso de apelação, havendo ainda possibilidade de interposição de Habeas Corpus para dar efeito suspensivo ao agravo. Isso, se acolhido, leva ao trancamento da ação ou mesmo da execução da pena por expressivo período, até que haja uma apreciação pelos tribunais superiores.

Entendo, contudo, que existem outras maneiras para viabilizar um andamento adequado de um processo: uma delas é dotar os cartórios judiciais de melhores recursos, em especial humanos, a fim de que possam cumprir as várias determinações judiciais em menor tempo, agilizando, assim, o andamento dos processos.

SERRANOSSA: Qual a situação dos cartórios?

Reitz: Atualmente se tem um número pequeno de servidores, que não é proporcional ao número de processos em andamento. Ou seja, aumentam consideravelmente os processos criminais, exigindo muitos deles tramitação preferencial. Porém, não há incremento do número de servidores para trabalhar nesses processos, resultando em um número elevadíssimo de processos por servidor, o que inevitavelmente implica maior demora na prática de atos que impulsionam os processos.

SERRANOSSA: De uma forma geral, quanto tempo leva o julgamento de um processo?

Reitz: Isso é muito relativo e depende da complexidade. Quanto mais complexo o processo, com número significativo de réus, fatos criminosos e testemunhas a serem ouvidas, inevitavelmente será maior o tempo para o processamento da ação, pois vários atos devem ser providenciados pelo juiz e pelo cartório. Os processos com réus presos recebem prioridade na tramitação. Em alguns casos, de menor complexidade, pode haver o julgamento do processo em poucos meses.

SERRANOSSA: Acabar com a figura do crime continuado. O senhor acredita nessa medida?

Reitz: Entendo que não, pois o crime continuado é um instituto que visa evitar a aplicação de uma pena exagerada, que seja desproporcional aos fatos cometidos, quando temos delitos da mesma espécie, cometidos em período curto de tempo, em algumas situações, em mesmo contexto fático ou no mesmo ímpeto criminoso. Entendo que, para evitar que alguns fatos recebam uma pena muito branda, seria melhor definir com mais exatidão o limite de tempo para fins de aplicação da regra do crime continuado. Atualmente os tribunais têm reconhecido esse prazo no limite de 30 dias.

SERRANOSSA: Qual a sua opinião sobre aumentar o tempo máximo de prisão para um criminoso?

Reitz: Penso que somente em relação a determinados delitos seria interessante aumentar o quantitativo de pena, inclusive a pena mínima, diante da tendência dos tribunais de aplicar a pena próxima ao limite mínimo. O que, diga-se, por vezes ocorre em razão da situação deplorável dos presídios. Exemplo da necessidade de aumento da pena mínima é o crime de homicídio simples, que tem mínima de seis anos. Considerando a possibilidade de o agente receber a progressão de regime em tais casos com 1/6 e o livramento condicional em 1/3 da pena, a reprimenda nestes casos acaba se tornando muito branda e não proporcional à gravidade do fato cometido. Já para o caso de homicídio qualificado, temos uma punição bem mais rigorosa e também um tratamento mais severo na execução da pena.

SERRANOSSA: O senhor concorda com a proposta de somar as penas, em casos de mais de um crime, e levar em conta essa soma para estabelecer a progressividade da mesma?

Reitz: Atualmente já ocorre a soma das penas. Se isso não ocorreu no processo criminal, acaba ocorrendo na execução. Somam-se as penas, inclusive aplicando, quando for o caso, a regra do crime continuado, e depois o cálculo dos benefícios na execução se dá com base nessa soma das penas.

Sua opinião

Você também pode opinar sobre o assunto. Basta entrar no site do Senado (www.senado.gov.br) e clicar no link “Reforma no Código Penal”. A sua opinião poderá fazer parte do anteprojeto que pretende unificar toda a legislação. 


Reportagem: Katiane Cardoso

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