Safra 2019: menos quantidade, mas excelente qualidade

Produzir uva na Serra Gaúcha sempre foi um grande desafio. Isso porque a região não tem um clima definido e a cada ano é uma história diferente. Graças à tecnologia, às pesquisas e técnicas de vitivinicultura, muitas perdas em função de excesso ou da falta de chuva são evitadas tanto em termos de qualidade quanto de quantidade. A safra 2019 novamente foi um grande desafio para o produtor: excesso de chuva na floração e falta dela no período de maturação causaram prejuízos para muitos. O SERRANOSSA conversou com especialistas sobre a expectativa em torno da colheita e há um consenso: a quantidade de quilos de uva será menor neste ano, no entanto a qualidade é considerada “excepcional”.
Para o produtor de Monte Belo do Sul e também sommelier Alan Zanesco, 2019 foi um ano atípico, pois o inverno se apresentou quente e com pouca chuva, enquanto a primavera teve chuvas abundantes com temperaturas amenas e início do verão muito seco. Como nos últimos dois anos houve registro de muita umidade, os vinhedos não estavam “acostumados” com a estiagem que atingiu a planta neste ano. “A falta de chuva afetou mais as uvas comuns do que as viníferas. Percebemos nas primeiras colheitas que algumas variedades maturaram muito bem: Chardonnay, Pinot Noir e Riesling, por exemplo, estão magníficas, embora a acidez esteja menor devido ao alto teor de açúcar. Nossa expectativa é que a qualidade supere a safra de 2012, que foi realmente muito boa. Esperamos agora que o tempo colabore e que possamos colher bons resultados nas tintas”, explica o agricultor.

Hermínio Ficagna, diretor-superintendente da Cooperativa Vinícola Aurora, afirma que os associados tiveram diferentes resultados nas primeiras colheitas dessa safra, já que produzem em 11 municípios da Serra Gaúcha. “Considerando que o volume de chuvas foi diferente entre uma e outra localidade, por óbvio tivemos locais mais atingidos pela seca e outros menos. É evidente que o volume de uva será menor, em face de algumas variedades não conseguirem formar o grão no tamanho ideal. Mas podemos considerar uma safra boa, em que o volume ainda dependerá da existência de mais ou menos precipitação até o final. As últimas chuvas ocorridas nas duas semanas que se passaram deram um alívio ao produtor, com certeza, embora ainda abaixo do volume mínimo necessário”, comenta.


 

Safra excepcional
Leonardo Cury, professor de Viticultura do IFRS Campus Bento Gonçalves, afirma que, apesar dos percalços climáticos, “tudo leva a crer que teremos mais uma safra excepcional”. Ele explica que as variedades mais precoces, como Chardonnay e Pinot Noir, destinadas ao vinho base espumante, eram uma grande incógnita, pois enfrentaram um período de estiagem muito severo, principalmente durante parte do florescimento, desenvolvimento inicial das bagas e maturação das mesmas. “A baixa pluviosidade durante o florescimento e o ‘sofrimento’ dos frutos nas variedades precoces tende a reduzir a quantidade de bagas por cacho, o que resulta em uma redução na produtividade”, explica. 
Outro problema que os especialistas previam – e temiam – era uma maturação desuniforme por ter um aporte de açúcares menor que o normal, somado a uma desidratação das bagas. “Felizmente essa situação prevista não ocorreu e tivemos uma excelente colheita com qualidade extraordinária. Os produtos elaborados devem manter a qualidade já esperada para nossa condição de clima e solo”, garante. Leonardo ressalva, porém, que cada vinhedo se comporta de forma distinta, pois os tipos de solo variam dentro de uma delimitação, como o caso do Vale dos Vinhedos ou Pinto Bandeira. “Cada solo tem uma capacidade específica de armazenamento de água e, mesmo que sob condições de déficit hídrico, não se pode esperar um mesmo comportamento de plantas para todos os vinhedos”, detalha. O professor também aposta em uma excelente safra para as uvas tardias brancas e tintas. “Acredito que se compare a grandes safras como as de 2005 e 2018”, projeta. 


 

Pinot Noir e 
Chardonnay 
“sãs e maduras”
O presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), Daniel Salvador, concorda que as primeiras variedades colhidas estão excelentes, de acordo com o feedback dos vinhateiros. “A informação inicial de vinícolas que só elaboram espumantes é de que nunca se colheu uma Pinot Noir, por exemplo, tão sã e madura, o que certamente resultará em excelentes espumantes. A Chardonnay então, nem se fala. Os produtores estão comemorando a qualidade. A tendência é termos uma safra menor, mas de altíssima qualidade e que pode ficar na história. A graduação de açúcar está muito acima das médias de outros anos. De fato, até o momento estamos caminhando para mais uma safra histórica”, aposta. Embora otimista, Salvador alerta que é ainda prematuro assegurar o desempenho. “Só saberemos de fato ao final da safra”.


 

Quantidade menor de uvas de mesa 
Quanto às uvas de mesa destinadas ao consumo in natura os produtores que não adotam um sistema de irrigação suplementar devem ter uma redução significativa na quantidade produzida. De acordo com o professor do IFRS, eles podem ser prejudicados por não atingirem as quantidades necessárias para manter os custos de produção, já que seu lucro varia de acordo com a quantidade que produzem.