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Salário baixo e bastante trabalho: a rotina de uma recenseadora do Censo 2022

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Natural de Bento Gonçalves, jovem conta sua experiência durante a maior pesquisa demográfica do país

Foto Agência Brasil

Em um país de dimensões continentais como o Brasil, para conhecer a população e suas demandas, é necessário contar com uma iniciativa que vá de residência em residência. No Brasil, ela existe: é o Censo Demográfico que está sendo realizado em 2022. Desde agosto, com previsão de término em dezembro, milhares de recenseadores têm visitado os mais de cinco mil municípios do país para coletar dados de quem são os brasileiros e como vivem, a fim de identificar suas necessidades e o que os governantes podem fazer partir disso.

O recenseador, inclusive, é chave importante para a realização do Censo, que acontece a cada 10 anos (está edição deveria ter sido realizada em 2020, mas foi impedida pela pandemia de COVID-19). É ele ou ela que adentra as residências durante dias úteis, fins de semana ou feriados para coletar os dados que serão analisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Uma dessas profissionais é a jovem bento-gonçalvense Gabriele Rebelatto, que atualmente reside em Venâncio Aires. Ela conta que estava desempregada e viu no Censo 2022 uma oportunidade para trabalhar com uma escala própria de atividades, horários flexíveis e um pagamento justo. Contudo, ela se diz decepcionada. “Tendo a experiência que tive não acho que tenha valido a pena, deu muito trabalho pra pouco retorno”, afirma.

Segundo ela, existem pontos positivos, como organizar os próprios horários, mas isso também é um problema. “Os dias que mais rendiam, quando encontrava as pessoas em casa eram nos finais de semana e feriados, a gente acaba perdendo esses dias. E durante a semana os melhores horários são depois das 18h, que é quando a maioria das pessoas voltou do trabalho, isso é ruim por questões de segurança, principalmente levando em consideração recenseadoras mulheres. É um horário que já começava a escurecer, ter menos gente nas ruas, os próprios moradores ficavam com receio de atender a porta à noite”, pontua Gabriele.

A recepção do público, segundo a jovem, foi tranquila na maioria dos casos. Alguns moradores ficam desconfiados, pois acreditam que a pesquisa tomaria muito tempo. Quando viam que levava menos de cinco minutos, ficavam surpresos. “Um fato curioso é que encontrei algumas pessoas que não faziam a menor ideia do que era o Censo, pra que servia, mas que só me perguntavam depois de responder ao questionário.” Houve também reclamações sobre atendimentos nos fins de semana por parte dos moradores, mas cabia a ela explicar que aquele momento era o que mais encontrava pessoas em casa.

Preparo e salário

Após ser selecionada, Gabriele passou por um longo treinamento. Foram quatro dias seguidos de aulas, das 8h às 17h, com troca de informações de como fazer a coleta, de como atender as pessoas, as recusas, a usar o aparelho de coleta fornecido pelo IBGE. Ao final do treinamento, uma prova foi realizada. Os mais bem colocados poderiam escolher quais setores da cidade iriam trabalhar. “Eu escolhi um setor perto da minha casa, pra facilitar meu deslocamento. Cada setor tem uma pessoa responsável, que vai ser teu supervisor ou supervisora. O trabalho é relativamente simples, exige mais fisicamente por conta do deslocamento”, diz Gabriele. Ela ainda destaca que levou dois meses para concluir seu setor e que durante esse período recebeu apenas uma ajuda de R$ 50,00 para alimentação e transporte. “Não sei se outros recenseadores receberam mais, ou se receberam mais de uma vez, meu caso foi esse. Terminei meu setor bem insatisfeita com a falta de informações e suporte do IBGE.”

Os salários dos recenseadores estão entre R$ 1,7 mil e R$ 2,1 mil, porém, esse valor varia de acordo com o número de entrevistas realizadas. Em caso da não visita e preenchimento dos dados, o dinheiro não é pago. Gabriele tinha cerca de 300 residências e encerrou seu trabalho faltando sete, pois eram pessoas que não conseguiu encontrar em nenhum momento de visita. Quando foi receber seu pagamento, teve uma surpresa. “A moça do IBGE disse que eu ia receber um mais ou menos em 5 dias, mas demorou mais que isso. Mandei mensagem perguntando sobre, querendo saber quanto e quando iria receber. Ela respondeu que no primeiro momento eu iria receber só metade do pagamento, por faltarem aquelas sete casas, que algum outro recenseador ou minha supervisora iriam tentar fazer as entrevistas e quando conseguissem eu iria receber a outra metade. Demorei dois meses pra fazer meu setor  e recebi metade do pagamento, R$ 1.035,00. Não tenho previsão de quando vou receber o resto”, afirma.

A jovem diz ter noção da importância do Censo, visto que a partir de perguntas sobre saneamento básico, renda familiar, acesso à internet e número populacional, políticas públicas poderão ser criadas visando à melhoria do dia a dia de todos. Porém, ela faz duras críticas à organização por não incluir na pesquisa perguntas como qual a orientação sexual da população. “Por exemplo, uma das perguntas é sobre o gênero da pessoa, as únicas opções são masculino e feminino. No treinamento, fomos informados que no caso de pessoas trans deveríamos pegar o nome e gênero biológico da pessoa, isso é um absurdo de muitas maneiras, revoltante”, diz Gabriele.

Em 24 de junho de 2022, antes de o Censo começar a ser aplicado no país, o desembargador José Amilcar Machado, presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), suspendeu a decisão que obrigava o IBGE a incluir perguntas de orientação sexual e de identidade de gênero. Para a ex-recenseadora, isso é uma forma de excluir essas populações de políticas públicas. “O Censo precisa avançar muito na coleta de dados, são informações muito importantes, os dados coletados pelo IBGE são usados pra melhorar para a população, mas está deixando muita gente de fora.”

A reportagem enviou questionamentos ao IBGE de Bento Gonçalves em busca de informações sobre o Censo na cidade, porém, até a publicação desta edição, as respostas não haviam sido encaminhadas.

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