SEC-BG prevê dificuldades durante a Copa

O ano de 2013 foi especial para os empregados no comércio de todo o Brasil. No dia 15 de março, foi aprovado no Congresso Nacional o projeto que reconheceu a categoria comerciária. Apesar do reconhecimento, as entidades que representam os comerciários – confederações, federações, centrais sindicais e sindicatos – ainda lutam por uma regulamentação que garanta em nível nacional um piso salarial, carga horária e condições de trabalho para homens e mulheres que exerçam a função.

Bento Gonçalves e outros 19 municípios da região estão amparados pelo Sindicato dos Empregados no Comércio (SEC-BG), que há 36 anos atua por melhores condições para a categoria comerciária. A presidente do SEC-BG, Orildes Maria Lottici, fala sobre o reconhecimento aos comerciários, as perspectivas para 2014, Comércio x Copa do Mundo, entre outros assuntos. 

Jornal SERRANOSSA – O que significa para os comerciários o reconhecimento como categoria?

Orildes – O reconhecimento significa muito para todos os empregados no comércio. Esta foi uma luta de mais de 20 anos da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC), de suas federações estaduais, bem como dos sindicatos de comerciários de base, como é o caso do SEC-BG. Essa luta também é das centrais sindicais, afinal, todas elas têm sindicatos de comerciários filiados. Porém, é importante destacar que o reconhecimento está muito aquém do que os comerciários esperavam. Não houve regulamentação de carga horária, não houve regulamentação de um piso salarial nacional, como também não houve uma segmentação da profissão dentro da própria categoria, ou seja, ainda não há uma diferenciação para quem trabalha no crediário ou nas vendas, todos são comerciários. Além disso, a lei não exige que o empregador contrate como comerciário. Os trabalhadores no comércio ainda são contratados como vendedores, auxiliares de crediário, entre outras funções, e não como comerciários. Ou seja, conquistamos o reconhecimento de uma luta de algumas décadas, porém, a lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada com alguns vetos pela presidente Dilma Rousseff ainda não garante o pleno reconhecimento profissional para a categoria comerciária. A luta continua neste caminho.


SERRANOSSA –
Isso quer dizer que não mudou nada?

Orildes – Mudou, mudou sim, porque temos o reconhecimento em si. O que falta é justamente a regulamentação. Isto quer dizer que o primeiro passo foi dado, mesmo tendo demorado 20 anos, mas foi muito importante. E agora vamos continuar trabalhando com a Federação dos Empregados no Comércio de Bens e Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecosul), a CNTC e a União Geral dos Trabalhadores (UGT), central a qual o SEC-BG é filiado, pela regulamentação. 

SERRANOSSA – O que o Sindicato está planejando para 2014 no que diz respeito a melhorias e conquistas para a categoria comerciária da base territorial abrangida pela entidade?

Orildes – Em termos de Convenção Coletiva, por exemplo, o que nós buscamos mais especificamente para as cidades de Bento Gonçalves, Garibaldi e Carlos Barbosa é a garantia, na Convenção Coletiva de Trabalho, de um auxílio-creche para o comércio varejista. Todas as demais convenções que negociamos com os sindicatos patronais de nossa base territorial contam com essa cláusula. Em Bento Gonçalves nós não temos, e é uma luta antiga. Outra questão que vamos continuar insistindo é o vale-refeição para os comerciários, muito embora estejamos trabalhando com o Serviço Social do Comércio (SESC) para a instalação do Restaurante dos Comerciários em Bento Gonçalves, um restaurante do SESC que vai atender à categoria comerciária, com um valor reduzido. Porém, ainda não temos o restaurante e também não conseguimos alcançar na Convenção Coletiva um auxílio-alimentação para os comerciários da base territorial. Continuamos anualmente tendo inovação em cláusulas, como por exemplo, um seguro de vida, porque temos muitos comerciários que morrem por acidente de trabalho e recebem tão somente o auxílio-funeral. Além de tudo isso nossa principal meta é mais salário e menos jornada de trabalho. Não adianta termos inúmeros benefícios se não tivermos um bom salário e uma jornada decente de trabalho. Não adianta termos uma creche centralizada se não tivermos um transporte decente, em horário condizente. Nós gostaríamos muito que este fosse um investimento do Poder Público, que ofereça creches e vagas para comerciários nos bairros, e não que seja construída uma creche específica para a categoria. Nem sempre o comerciário consegue uma vaga em creche pública, muito embora saibamos que esta vaga possa ser buscada junto Ministério Público. Muitos comerciários, assim como outros trabalhadores, precisam pagar uma pessoa para ficar com seu filho porque faltam vagas nas creches, não tem creche no bairro onde residem, enfim, por inúmeros motivos. Temos buscado também junto ao Poder Público que os bairros onde residem os comerciários sejam atendidos por transporte coletivo digno, ou seja, com qualidade nos veículos e horários que atendam às necessidades dos trabalhadores. Isso sem contar que o transporte coletivo em nossa cidade é caríssimo, pois paga-se o mesmo para andar um ou sete quilômetros de ônibus urbano. 

SERRANOSSA – Nos últimos anos percebeu-se uma mudança de cultura e o comércio passou a ser um dos setores que mais trabalha durante o ano. Como está sendo encarada essa mudança?

Orildes – Nós temos um problema sério de mão de obra. O comércio de gêneros alimentícios foi o que mais sentiu essas alterações. Antigamente não se via mercado aberto aos domingos e feriados. Hoje nós temos acordado em Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), a liberação do trabalho aos domingos e apenas cinco feriados em que estes estabelecimentos são obrigados a fechar, que são a Confraternização Universal (1º de janeiro), a Sexta-Feira Santa, Dia do Trabalhador (1º de maio), Dia de Finados (2 de novembro) e Natal (25 de dezembro). A abertura nos demais feriados é de livre escolha do empresário. Claro que se abrir e utilizar a mão de obra, regramos em CCT também uma bonificação financeira e uma folga na semana seguinte ao dia trabalhado, tanto no caso de domingos quanto no caso de feriados, mas é importante destacar que os valores hoje de R$ 27 para domingos e R$ 39 para feriados não motivam os trabalhadores desta área.  Também no comércio varejista, onde os valores são de R$ 37 para o domingo e R$ 50 para o feriado, enxergamos resistência à extensa carga horária. O maior índice de rescisão e rotatividade hoje é percebido nos estabelecimentos instalados nos shoppings, justamente por força da jornada de trabalho; e isto a próxima Convenção Coletiva vai trabalhar. 

SERRANOSSA – Mesmo assim, pelo que se sabe, existiram épocas piores…

Orildes – Sim! Eu mesma sou da época em que se trabalhava até as 23h na véspera de Natal. Mas o mundo mudou. Todos amadureceram. Comerciantes, comerciários e o próprio consumidor. Hoje o empresário respeita. O SEC-BG fez uma vistoria técnica, tanto no dia 24 quanto no dia 31 e, no horário em que passamos pelas ruas, pelos shoppings, conforme previsto, tudo estava fechado. E isso não ocorre porque o empresário quer dar um bônus para o seu empregado. Acontece porque está regrado na Convenção Coletiva e o não cumprimento é passível de multa e outras penalidades por parte do Ministério do Trabalho. Atualmente, no dia 31 de dezembro, o comércio de rua trabalha até as 12h e o de shoppings até as 16h. Nós já fechamos 20h, 18h, 16h o comércio de rua. Ou seja, conseguimos reduzir consideravelmente a jornada no dia 31 de dezembro. É uma imposição convencionada e funciona porque tem penalidades. Hoje vemos campanhas do Sindilojas e da CDL para o respeito dos horários convencionados, o que é bom, porque qualifica e profissionaliza a atividade comercial e, ao mesmo tempo, permite tanto ao dono do negócio quanto aos seus funcionários se programarem para suas atividades sociais. Creio que todo comerciante hoje saiba que caso os horários não sejam respeitados, o Sindicato vai agir e ingressar com ações nos órgãos competentes. E isto entendemos como  uma consolidação da relação institucional do SEC-BG com o Sindilojas,  que representa cada um e todos os comerciantes. 

SERRANOSSA – Quando o Sindicato pretende apresentar uma proposta de melhorias tanto salariais quanto de condições de trabalho para o sindicato patronal, a fim de dar início às negociações para este ano?

Orildes – Já estamos montando a proposta, que deverá ser protocolada ainda em janeiro. Conforme fomos autorizados pela categoria comerciária na 36ª Assembleia-Geral, vamos manter as proposições de cláusulas sociais e socioeconômicas da atual CCT e buscar reajuste salarial que contemple as perdas inflacionárias, o crescimento do PIB gaúcho e o da Região, bem como cláusulas que abriguem aos trabalhadores, a remuneração adequada e motivadora para o exercício da mão de obra em domingos e feriados, as condições de descanso, alimentação e cuidados de filhos quando houver. Para isso contamos com estudos técnicos do Dieese que nos ajudam a entender e defender as propostas a serem apresentadas à classe patronal.


SERRANOSSA –
Durante a Assembleia-Geral, realizada em 28 de novembro passado, o SEC-BG anunciou também a abertura de mais dois escritórios regionais. A partir de quando os comerciários poderão contar com este serviço?

Orildes – Além de Veranópolis e Garibaldi, cidades em que temos nossos escritórios regionais há muitos anos, iremos reabrir o escritório de Nova Prata e abrir um em Carlos Barbosa. Ambos deverão estar funcionando uma vez por semana ainda em janeiro. Queremos nos aproximar cada vez mais da categoria e atender da melhor forma as suas necessidades.

SERRANOSSA – O SEC-BG é filiado e atuante junto à UGT, uma das centrais sindicais existentes no Brasil. Inclusive tu fazes parte da diretoria desta Central. Como é o trabalho realizado através desta parceria UGT/SEC-BG?

Orildes – Realmente procuramos ser atuantes junto à UGT, mas pretendemos neste ano ampliar nossa participação, tanto em nível estadual quanto nacional. Queremos contribuir mais e cobrar mais. Estas organizações dispõem de um valor razoável em seus orçamentos, podendo nos auxiliar em projetos que beneficiem o coletivo, principalmente no que diz respeito à formação da categoria profissional.

SERRANOSSA – Neste ano teremos Copa do Mundo no Brasil. Nosso comércio, especificamente, está preparado?

Orildes – Infelizmente, não. Mas ainda dá tempo. A Copa do Mundo vai nos afetar positivamente no sentido de exigir dos empresários uma maior capacidade de empreender, de garantir a tempo o preparo de seus funcionários, adquirir tecnologias para trabalhar com moedas internacionais (dólar e euro, particularmente). Temos um problema sério que não vai dar para resolver no todo, mas com certeza é possível amenizar, que é o problema da comunicação em outro idioma. Por exemplo, se cada seleção mundial de futebol que jogar em Porto Alegre trouxer meia dúzia de torcedores, só seis, com dinheiro para lazer e turismo, que quiserem viajar em 12 cidades gaúchas perto de Porto Alegre e fora da Região Metropolitana, eles virão para a Serra. Talvez só um venha para Bento, e nós teremos que estar preparados para dirimir possíveis problemas. E pense que não vão ser apenas seis, poderão ser seiscentos, sejam russos, franceses ou ingleses. A experiência da Fifa diz que os estrangeiros costumam assistir a apenas um jogo. O resto do tempo eles ficam passeando. Eles vão estar transitando, fazendo qualquer coisa… O Sindicato está se preparando para isso. Vamos promover em fevereiro, março e abril (e talvez até em maio) pequenos cursos que vão oportunizar aos comerciários um preparo para receber estas pessoas. Não será um curso formal de inglês, mas um curso que garanta ao trabalhador um entendimento mínimo de como se diz “calçado”, como se diz “roupa”, como se diz “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”, como se diz “você pode pagar aqui”. O comerciário precisa entender o turista caso ele pergunte “como posso pagar?”, “onde posso comer?”. Outro problema sério, acredito, é que o nosso comércio não venha a aceitar dólares ou euros. Se aceitarem, deverá ser feita uma cotação diária, além de um treinamento para conversão. Percebemos claramente em inúmeras reuniões que, apesar do esforço do Poder Público local, mais especificamente da secretaria de Turismo, ainda não existe uma acreditação, um convencimento e um entendimento por parte dos empresários do nosso comércio – e também dos serviços – de que receberemos turistas aqui. 

SERRANOSSA – Realmente o comércio ainda enfrenta muitos problemas…

Orildes – Sim. E os expostos são os menores, porque atipicamente iremos sediar uma Copa do Mundo. Isso não acontece todos os anos. O que é problema típico no comércio ainda é a discriminação, tanto com relação à cor quanto com relação à deficiência física. Mulheres trabalhadoras no comércio também sofrem discriminação e falta de respeito. Ela tem que ser bonita, inteligente, preferencialmente branca. É uma discriminação que passa despercebida para muitos, mas existe. Pouquíssimas lojas adotam o uniforme. Nestas, os homens andam mais ou menos bem vestidos. As mulheres têm que estar acima do padrão, ou perdem o emprego. Nós lutamos pela adoção do uniforme, inclusive na CCT, mas ainda necessitamos avançar, porque não é obrigatório. As empresas alegam, com certa razão, que o custo é alto e a rotatividade é grande, mas nós do SEC-BG, entendemos que todo o setor ganharia se tivéssemos uniformes nas lojas. Já imaginou no comércio local, cada empresa com seu uniforme? Isso por si só seria um diferencial e uma referência do setor na região. 

SERRANOSSA – Em 2013 o SEC-BG promoveu um Café Sensorial, visando debater a inclusão do deficiente no mercado de trabalho “comércio”. Surtiu algum efeito?

Orildes – Hoje a acessibilidade é um tema de debate no Sindicato. O município cresceu, nosso comércio se desenvolveu e somos uma opção de compras para vários municípios ao nosso redor. Mas se observarmos com atenção vamos nos deparar com total ausência de acessibilidade nos prédios comerciais, que possibilitem o ingresso adequado de consumidores deficientes. Imagine então a dificuldade que teria um funcionário deficiente. Está no calendário de ações a realização de um segundo Café Sensorial, porque não é só o comércio, mas a cidade como um todo que não está preparada. Precisamos sensibilizar a sociedade, os empreendedores e a municipalidade com relação à importância da acessibilidade em nossa cidade. O município tem que oferecer acessibilidade, mas particularmente o setor do comércio precisa se esforçar para garantir que o cidadão, seja na condição de trabalhador, empreendedor ou consumidor, tenha acesso tranquilo e seguro aos estabelecimentos. 

SERRANOSSA – Ainda existe o descumprimento a regras da Convenção Coletiva, pelo que conversamos não no que diz respeito a horários, mas a períodos de descanso, locais apropriados para tal, enfim, os empregados sofrem com isso?

Orildes – Certamente. Porém, não temos como estar em todos os lugares e a fiscalização do Ministério do Trabalho, responsável por isso, é deficitária. Falamos tanto em Normas Regulamentadoras (NRs) que estabelecem os limites de insalubridade, saúde do trabalhador, CIPA, EPI, Ergonomia, entre outros, mas a fiscalização é precária. Com isso ainda existem estabelecimentos que se prevalecem. Mas nós estamos aqui para auxiliar e atuar em favor dos empregados. As denúncias podem ser feitas pessoalmente ou de forma anônima, porque é o Sindicato que vai ajuizar esta denúncia junto ao Ministério do Trabalho, e não o trabalhador. O nome dele não vai aparecer em momento algum. Ainda há muito receio por parte dos empregados, por isso existem as irregularidades por parte de alguns empresários.

Reportagem: Mônica Rachele Lovera (especial para o SN)

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