Série especial: vida de padre recém-ordenado

Quando sentiu o chamado ao sacerdócio, o bento-gonçalvense Elton Marcelo Aristides nem imaginava que a promessa que os pais fizeram antes de seu nascimento estava tornando-se realidade. A mãe não podia mais engravidar, mas o pai queria mais um filho e então prometeu a Santo Antônio que lhe daria a criança caso intercedesse pela gravidez. “Fiquei sabendo muito tempo depois, depois que entrei no seminário, inclusive”, revela ele, que foi ordenado padre no dia 13 de novembro, em cerimônia realizada na igreja Santa Catarina, no bairro Licorsul, em Bento Gonçalves, uma comunidade que tem bastante sentido na sua vida. Foi ali, por volta dos cinco anos de idade – a convite do padre Rui Boza – que começou a atuar como coroinha e sentiu pela primeira vez a sua vocação.

Com o passar dos anos, foi se envolvendo ainda mais neste ambiente clerical, tanto que foi apelidado de padre pelos colegas na escola. Aos 12 anos, tornou-se professor de catequese, sendo crismado junto com os próprios alunos. “Aquele contato que eu tinha com os padres e com as pessoas é que me motivou. Percebi que tudo aquilo me realizava, fui confirmando a minha vocação”, conta. No final do Ensino Médio, despertou o desejo de cursar Jornalismo – ele iniciou o curso em 2005, na Universidade de Caxias do Sul (UCS) –, sempre com o objetivo de conciliar a profissão com a vocação. “Algumas pessoas me perguntavam se eu queria ser padre jornalista ou jornalista padre. Em primeiro lugar padre. Eu não me vejo fazendo outra coisa, mesmo como jornalista. Não deixaria de ser padre para ser só jornalista. Dá para fazer as duas coisas e me realizar”, avalia.

Em 2009 ingressou no Seminário Maior São José, em Caxias, quando também iniciou os estudos da Filosofia. Ao longo da vida teve outras experiências profissionais: foi auxiliar de compras em uma empresa durante quatro anos e meio, e trabalhou em um jornal da cidade por dois. “Muitos garotos que entram no seminário ainda adolescentes desistem porque não sabem como é a vida ‘lá fora’. Não tem nada de especial ou muito diferente do que é dentro do seminário. A rotina é muito igual a de quem estuda e trabalha. Lá tem os trabalhos da casa, os estudos, assim como também tem aqui fora. Eu pude fazer essa experiência em vários âmbitos e pude confirmar: quero ser padre”, relata.

Os pais sempre o apoiaram, dando-lhe liberdade para mudar de escolha caso quisesse. Entre os colegas, entretanto, encontrou diferentes realidades, desde aqueles em que a família não aceitava a escolha até os que ingressavam no seminário apenas para atender o desejo dos pais. “A vida do padre é de muita renúncia, mas também tem muita alegria, tem muita coisa que a gente se realiza. Não tenho como prometer mundos e fundos para um jovem que quiser ser padre. Ele tem que conhecer a realidade, ver o dia a dia e depois decidir o que quer. Ele não vai ser padre para ser rico, ter poder, ter status. Muito pelo contrário. Vai ser padre para se doar para uma comunidade, para estar disponível 24 horas. O padre é como um médico: o médico cuida do corpo, e o padre cuida da alma”, compara.

Sua preparação acadêmica antes da ordenação inclui ainda uma pós-graduação em Meios de Comunicação e Cultura, pela PUC de São Paulo, em 2013, e a formação em Teologia pela PUC do Rio Grande do Sul, no ano passado.

A primeira missa

Aos poucos Elton está acostumando-se a esta nova realidade – atualmente ele trabalha na Paróquia Santos Apóstolos, em Caxias do Sul. Sua primeira missa solene foi celebrada na paróquia Santo Antônio, em Bento Gonçalves, no dia 20 de novembro. É uma data que ele guardará com carinho. “Os padres geralmente são ordenados muito cedo, com 24, 25 anos. Fui ordenado com 30, então teve toda essa expectativa na minha vida, de chegar um dia a ser padre. Rezar a primeira missa foi o ápice da concretização do meu sonho. Até então a gente ia para a missa e participava, mas chega o momento que é você que preside a celebração. Na missa – nós católicos acreditamos nisso – o padre faz as vezes de Cristo. É uma coisa tão bonita e tão sagrada. Quando a gente se dá conta daquilo que está celebrando, a gente percebe o quão pequeno é diante desse mistério. De fato é a realização de um sonho e poder fazer isso durante toda a vida, se entregar para essa missão é algo muito significativo”, explica.

Um padre jornalista

Em novembro de 2015, Elton recebeu a missão de auxiliar a Diocese de Caxias do Sul como assessor de imprensa. Seu objetivo é criar a cultura da comunicação nas 74 paróquias que a integram – algumas delas sequer têm e-mail ou computador. “Não tínhamos nenhuma rede social, hoje temos Facebook e canal no Youtube. A comunicação hoje é fundamental. Tem muito a ser feito e quero ajudar nessa área”, acredita. A prática tem lhe mostrado que é possível conciliar o sacerdócio com o jornalismo. “Isso também é pastoral. É possível evangelizar também nos meios de comunicação. Quem é que vai evangelizar para o jovem que está trancado dentro de casa, nas redes sociais? É claro que ele vai escolher ver ou não, mas se não tem quem ofereça, fica difícil”, observa.

Segundo ele, muitos vocacionados chegam até a igreja por meio das redes sociais. “Eu sempre digo para o jovem – para os meninos e meninas que querem seguir por esse caminho –, quando entra no seminário ou no convento, não é obrigado a ficar. É possível fazer uma experiência, ficar um ano para ver se é aquilo que imaginava. Nunca é perda de tempo, a gente sempre ganha alguma coisa: vai conhecer pessoas diferentes novas famílias, comunidades. E se depois a pessoa quiser ir embora, tudo bem. Nós temos hoje grandes lideranças na comunidade, na política, em empresas, que foram seminaristas”, destaca.

Participação dos jovens

Elton acredita que um dos desafios dos padres mais novos é conseguir falar a linguagem dos jovens e aproximá-los da religião. “O jovem, de uma forma ou de outra, busca o sagrado da sua maneira. Às vezes é buscando a igreja; às vezes é trancado dentro do quarto, lendo a Bíblia, lendo algum livro ou buscando alguma coisa na internet. Isso é antropológico,é humano buscar o Sagrado, de alguma maneira cultivar a espiritualidade”, pontua.

Ele cita o caso de Caxias do Sul, onde há vários grupos de jovens que se reúnem não apenas para rezar, mas também para praticar ações sociais. Depois que o Papa Francisco assumiu a Igreja, Elton acredita que tenha havido uma grande mudança e os jovens voltaram a  e aproximar-se das comunidades. “A Igreja Católica tem dado passos importantes ao encontro dos jovens, das suas necessidades, dos seus anseios. Ela tem aos poucos conseguido falar a

linguagem dos jovens. Às vezes com certa dificuldade, tendo que reaprender algumas coisas”, ressalta.

O lado B do padre

O que Elton faz quando não está no altar rezando a missa? “Compartilhando a vida, conhecendo outras realidades, acompanhando um futebol, lendo alguma coisa diferente ou acessando a internet para conhece coisas novas. Também gosto de viajar”, conta. Uma de suas paixões é acompanhar os jogos do Grêmio, seu time do coração. Até mesmo o padre sucumbiu às piadinhas com os colorados na última semana, especialmente entre os colegas de sacerdócio e seminaristas. “A gente brinca muito. É bom, faz bem, é divertido e saudável”, afirma.

Neste ano ele começou também a acompanhar um movimento da igreja que se chama equipe de Nossa Senhora, em Carlos Barbosa. São casais que se reúnem mensalmente para rezar e partilhar a vida, sejam alegrias ou problemas. “Para mim, como padre jovem, esse contato é muito importante. Se eu não tenho esposa e não tenho filhos, de certo modo eu passo a ter acompanhando essas equipes, porque eles partilham o que acontece no dia a dia. A gente tem uma vida normal, mas dedicada a uma família que acaba sendo bem maior”, conclui.

Reflexões de Natal

Para o padre, este período que antecede a chegada do Natal – chamado pela igreja de advento – é muito importante e serve para importantes reflexões. “Quando celebramos o Natal nós recordamos o nascimento de Jesus, mas já com nossos olhos à espera do ressuscitado, da sua segunda vinda. É importante nós, nesse tempo de Natal, tomarmos nossa vida nas mãos. como se tomaria uma criança, e que a gente pudesse olhar para ela e se perguntar ‘como estamos hoje?, ‘como estamos nos preparando para celebrar o Natal’, ‘o que faço da minha vida neste momento da história’, ‘aonde eu quero chegar’”, aconselha. Mesmo diante de catástrofes, brigas, guerras e tragédias, ele  acredita que seja possível ter um olhar de esperança. “Apesar de tudo, é possível, dependendo de cada um de nós, tornar o mundo melhor. Eu não posso esperar no outro a mudança para que o mundo melhore, eu tenho que fazer a minha parte. Mesmo que seja pequena, mesmo que para mim pareça ser insignificante, mas ela é fundamental. O Natal é isso, esse recomeço, o reinício da vida, esse espírito de acolhida e também de ajuda, para que as coisas se tornem melhores”, finaliza

Esta é a sétima reportagem da Série “Vida de…”, uma das ações de comemoração aos 10 anos do SERRANOSSA e que tem como objetivo contar histórias de pessoas comuns, mostrando suas alegrias, dificuldades, desafios e superações e, através de seus relatos, incentivar o respeito.

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