Série especial: vida de professora de Matemática que incentiva o gosto pelo saber

O acaso transformou Tânia Morelatto, de 44 anos, em professora, mas sua paixão pela Matemática e o gosto por ensinar a fizeram persistir na profissão. São 24 anos dedicados à sala de aula, com a missão de não apenas levar aos alunos o gosto pela disciplina, mas pelos estudos. Nos dois locais que leciona atualmente – na Escola Municipal de Ensino Fundamental Madre Felicidade, de Garibaldi, e na Universidade de Caxias do Sul (UCS), no Campus Universitário da Região dos Vinhedos (Carvi) –, ela foi responsável por implantar um método que incentiva os estudantes com mais facilidade de aprendizado a auxiliarem os colegas no contraturno.

Pensando em cursar Administração ou Economia, ela fez o Ensino Médio Técnico em Contabilidade. Ao prestar vestibular, sua classificação possibilitou matricular-se em Matemática – ela não lembra quais os outros cursos escolhidos, tampouco se esta era de fato a sua primeira opção. Já que a concorrência era menor, decidiu cursar as disciplinas básicas para não perder tempo até ingressar em outro curso. Porém, entusiasmou-se e acabou dando andamento à faculdade. Ela tinha 20 anos quando surgiu o primeiro convite para lecionar Matemática Financeira para o Ensino Médio – uma das áreas de que mais gosta. Mesmo sendo apenas quatro anos mais velha que a maioria dos alunos, aceitou o desafio. “Eu senti que estava realizando, de certa forma, um sonho, por lecionar um conteúdo de que gostava”, conta.  Depois da primeira experiência em sala de aula, não parou mais e investiu em qualificação – atualmente cursa doutorado na área da Educação. “Não pensava que seria professora e hoje eu não me vejo fazendo outra coisa”, comenta.

Ao longo da carreira, já passou por diversas escolas na rede pública e privada em Garibaldi e Caxias de Sul até chegar a ser professora de graduação. A maturidade é para ela a principal diferença entre os alunos do Ensino Fundamental e os da faculdade. “Quem está no curso de Engenharia está porque quer. Você não precisa chamar pai, não precisa chamar mãe, não precisa cobrar tema. Eles querem aprender, eles não saem da sala de aula”, pontua.

Foi inspirada em uma iniciativa que já existia na UCS em Caxias do Sul que Tânia, há mais de 10 anos, articulou a implantação do Núcleo de Apoio ao Ensino de Matemática (Naem), no campus de Bento, onde bolsistas auxiliam os acadêmicos com dificuldades na disciplina. “A Matemática que a gente aplica aqui é a básica. São alunos de graduação que não lembram mais do conteúdo. Alguns até acham que a Matemática é aquela trabalhada em sala de aula e não é, é a básica”, salienta. A experiência traz relatos positivos não apenas de quem tirou suas dúvidas, mas de quem ajudou os colegas. Tânia conta casos de alunos que eram tímidos e se tornaram mais desinibidos, ajudando até na apresentação dos trabalhos da faculdade. No Carvi, Tânia também é uma das responsáveis pela realização do Rally Científico e da Competição Regional de Foguetes, atividades que envolvem a participação de escolas do Ensino Médio.

Com base nos bons resultados obtidos com o Naem, há três anos a professora levou o mesmo conceito para a escola que leciona em Garibaldi, implantando o projeto Alunos Monitores de Matemática. Os voluntários são organizados em trios, com atividades no turno contrário, geralmente ensinando o conteúdo de séries anteriores – entre colegas a amizade prejudica o foco. O trabalho tem demonstrado resultados positivos no desenvolvimento de todos os envolvidos. Prova disso é que uma das alunas, Vanessa Helen Soppelsa, que neste ano irá para o 8º ano, conquistou por dois anos seguidos a medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. “O diferencial não é ela ser boa nesta disciplina, mas o querer estudar. É isso que falta para a maioria das crianças. Enquanto que alguns estão preocupados com a marca do tênis, com o celular, e piadinhas, ela usa a internet a seu favor, para pesquisar”, argumenta.

Disciplina temida

Nem todos os estudantes têm afinidade com a Matemática – aliás, é uma das disciplinas mais temidas por alguns. As maiores dificuldades surgem no 8º ano, quando, segundo a professora, há uma mudança brusca de conteúdo. É quando os alunos aprendem álgebra, com equações e cálculos com variáveis e incógnitas. “É um divisor de águas. É o ano que os alunos normalmente acabam não gostando de Matemática”, destaca.

Na sua época de escola, Tânia conta que não era tão boa na disciplina, era uma aluna considerada mediana. Entretanto, o que lhe ajudou foi o gosto pela leitura. Por isso, ela defende a importância de fortalecer o ensino como um todo desde a Educação Infantil.  “O aluno que chega fraco no 5º ano, vai ter dificuldade não só em Matemática, mas de forma geral no aprendizado. A dificuldade em Matemática não vem sozinha, muitas vezes o estudante tem dificuldade também em Português. O que eu vejo é que muitos querem apenas resolver, não leem, não interpretam”, observa. Para reverter a situação, ela reforça a importância de os pais estarem atentos ao desempenho dos filhos, aproveitando o suporte que as próprias escolas costumam oferecer.

Quebra-cuca valendo cuca

Tânia se define como uma “profe de carteirinha”, já que não leciona apenas como um “bico” para complementar a renda. Contrária ao ensino da matéria apenas na base da repetição de exercícios, sempre que possível ela tenta tornar o aprendizado mais divertido, com jogos ou outras dinâmicas. E para isso lança mão desde idas ao laboratório de informática até o “quebra-cuca valendo cuca”. Trata-se de uma série de desafios matemáticos, na qual o vencedor ganha uma cuca – isso mesmo, aquela espécie de bolo tipicamente alemão. “É uma coisa simples, que parecia uma bobagem no começo, mas que deu certo. Hoje entro na sala de aula e eles querem o quebra-cuca. Eles precisam de uma motivação”, resume. Ela também gosta de criar um ambiente descontraído, permitindo que os alunos levem xícara e café de casa – ela fornece água quente – e até usem pantufas. “E não dá bagunça”, garante.

Novo projeto

Para este ano, Tânia projeta dar início ao UCS Mat, a exemplo do que já existe nas áreas de química e física. São oficinas gratuitas voltadas para as escolas de Ensino Fundamental e Médio com o objetivo de despertar o interesse pela Matemática e uma vocação científica. Ainda em fase de desenvolvimento, o projeto está previsto para iniciar ainda no primeiro semestre. Um dos destaques será uma aula de Educação Financeira que ela mesma ministrará, especificamente para alunos do 3º ano do Ensino Médio. “Essa gurizada, que hoje está com 16, 17 anos, tem que ter noção de produtos bancários. As pessoas se iludem com o pagamento mínimo do cartão de crédito. A minha intenção é mostrar como funcionam esses produtos e mostrar para eles que uma coisa é necessidade e outra coisa é desejo”, exemplifica. 

 

Esta é a 14ª reportagem da Série "Vida de…", uma das ações de comemoração aos 10 anos do SERRANOSSA e que tem como objetivo contar histórias de pessoas comuns, mostrando suas alegrias, dificuldades, desafios e superações e, através dos seus relatos, incentivar o respeito.