Série especial: vida de religiosa

Irmã Maria Renata do Bom Pastor foi o nome que a bento-gonçalvense Êrica Pompermayer, de 48 anos, adotou ao entrar para a vida religiosa. Durante duas décadas, ela viveu enclausurada no Mosteiro Nazaré, em Lages (SC), da Ordem de Santa Clara. Há cinco anos, por problemas de saúde, não vive mais a vida conventual e retornou a Bento Gonçalves para ficar próximo da família.

Ela aprendeu a cultivar a fé com os pais, o engenheiro civil João Carlos Pompermayer, já falecido, e a artista plástica Adda Pompermayer, e muito cedo descobriu sua vocação. “Desde que eu me conheço por gente as influências foram entrando. Eu me sentia amada por Jesus e queria ser dele, desde pequenininha”, lembra. O lado religioso aflorou ainda mais quando estudou no Colégio Sagrado Coração de Jesus. “As freiras tiveram um papel muito positivo na minha vida quando eu era pequena. Recebi amor e aquilo me cativou”, conta. 

Ela aprendeu a ler sozinha aos quatro anos de idade – seu primeiro livro foi Vila Sésamo e gostava de viajar pelas outras culturas por meio das enciclopédias enquanto ouvia música clássica. A Bíblia era uma de suas leituras preferidas. “Na minha vida sempre tive a experiência muito forte de um Deus presente, um Deus que vive a nossa vida, que gosta de estar com a gente, come o nosso o pão, bebe a nossa bebida, alegra-se com a gente. Um Deus próximo, não um Deus que fica vigiando, um Deus que vive”, resume.

A escolha pela Ordem de Santa Clara se deu pela identificação com a vida de São Francisco. “Sou muito próxima à minha natureza. Encontrei na espiritualidade franciscana esse amor profundo ao próximo, independentemente de qualquer coisa, e o amor à natureza”, explica. 

Durante os 20 anos em que morou no mosteiro, vinha a Bento Gonçalves apenas para os tratamentos de saúde – ela teve um tumor na hipófise, problemas no útero e no ovário e também desgaste ósseo. As visitas de familiares eram permitidas (exceto durante a Quaresma e o Advento), mas os encontros eram divididos por grades – a separação serve para as irmãs estarem mais concentradas na oração. Mensalmente, Êrica também podia fazer contato telefônico. “A vida de clausura é uma vida comum, só que a gente divide o trabalho com a oração, para que cada hora do dia seja santificada. Os que estão na clausura dão luz e força para os que estão do lado de fora batalhando”, detalha. 

Ela conta que o segredo era focar-se no momento presente, ensinamento que ainda utiliza. “A rotina não é chata. Tu podes sempre viver aquilo, mas o tempo é outro, os acontecimentos são outros. O tempo não se repete nunca”, pontua.  O dia a dia incluía sete horas diárias de oração, os afazeres da casa e o atendimento às pessoas, o chamado Ministério da Escuta. “As pessoas sentem muito a necessidade de falar e às vezes em casa não têm espaço. Eu vejo isso agora que estou fora também. Quantas vezes eu paro na rua para ouvir”, comenta.

Com a necessidade cada vez mais frequente ausentar-se para as consultas médicas, há cinco anos ela optou por sair do convento para não prejudicar o cotidiano das demais irmãs. Antes da dispensa, ela também conseguiu uma transferência para um mosteiro em Colatina (ES) – o clima gelado da cidade catarinense agravava seus problemas de saúde – para onde irá caso volte para a vida conventual.

Hoje ela mora sozinha no bairro Cidade Alta, onde passou a infância, próximo de onde residem a mãe e irmã, com quem costuma conversar diariamente. Dois gatos fazem companhia a ela. Nas noites de insônia, a religiosa ocupa o tempo rezando. Durante o dia, dedica-se ao cuidado da casa e costuma visitar pessoas que estejam precisando de um conforto, além de ajudar na liturgia das missas. Quando está sozinha em casa, procura ficar mais à vontade, mas, ao sair, faz questão de seguir usando o hábito. “Primeiro para lembrar quem eu sou, a quem eu pertenço. E segundo, eu vejo que faz bem para as pessoas, é um sinal. É como ver a torre de uma igreja e saber que Jesus está ali”, destaca.

Êrica recebendo a visita da família no Mosteiro Nazaré, em Lages (SC)

Juventude 

As religiões, segundo ela, são um reflexo da busca do ser humano pelo criador. Neste sentido, ela vê os jovens bastante sedentos e com grande potencial, mas que nem sempre dispõem de um referencial. “O jovem se sente perdido. A gente não poder tirar aquilo que é deles e não dar uma opção. Como pessoa, eu tento passar esse Deus que ama e que quer o bem. Ele não é contra a alegria, ele só quer uma alegria verdadeira. Ele não é contra a festa, ele só quer que a gente se preserve, se ame. Se ele diz alguns nãos, é para um bem maior”, acrescenta. 

Modernidade 

Um dos desafios atuais é congregar os avanços tecnológicos, conseguindo acompanhar as rápidas mudanças que ocorrem no mundo – diferente de antigamente, quando havia mais tempo para assimilação. A internet, para ela, é uma fonte infinita para a sua ânsia pelo conhecimento e uma importante ferramenta para o contato entre as pessoas. Entretanto, ela alerta, é preciso cuidado para que ela seja um acréscimo e não uma substituição, retirando a vida social.  “As pessoas estão sempre em busca de novidade, mas se não têm o olhar encantado, vão pular de novidade em novidade e estar sempre entediadas. Às vezes eu saio na rua e me dou conta de como nosso mundo é colorido”, conta ela, que nas horas vagas gosta de fotografar e escrever poesias. 

Para manter-se informada, ela costuma acompanhar o canal Globo News pelo tablet – “sou uma freirinha tecnológica”, brinca. A televisão é usada quase que exclusivamente para assistir filmes – Êrica é uma cinéfila assumida e está começando uma coleção de obras antigas. “Gosto de tudo o que é bonito, só não gosto de filme de guerra”, conta, revelando-se apaixonada pela capacidade humana de criar e, portanto, uma admiradora das mais diferentes artes. 

Foto tirada em 1994, quando era noviça, antes de fazer os votos

Esperança

Como religiosa, ela se inspira no Papa Francisco para pregar o amor e o respeito entre os seres humanos, independentemente de suas diferentes “cascas” e opiniões. “Ele coloca o amor antes da lei. Ele acolhe com amor e abre a Igreja para entender isso. Como seguidores de Jesus, a gente tem que amar e é amando que nós vamos ajudar a pessoa a fazer um caminho de volta para Deus”, observa. 

Para ela, o mundo é uma família e o valor de cada um é imenso. Um de seus questionamentos, é saber o que fazer com as suas capacidades. “Eu não posso mudar os outros, só a mim mesma, mas será que eu estou deixando crescer essa consciência?”, questiona. Ao fazer o bem, acrescenta, esse se irradia, tal qual uma pedra atirada em um rio, que produz ondas ao seu redor. “O problema do mal é que é mais visível; o bem é invisível. A nossa humanidade não está tão ruim assim. Na verdade as coisas ruins dão Ibope. Tem muita gente que está construindo em silêncio. A gente não deve nunca perder a esperança, por mais negra que seja a situação, a gente está caminhando”, finaliza.  

Esta é a 35ª reportagem da Série “Vida de…”, uma das ações de comemoração aos 10 anos do SERRANOSSA e que tem como objetivo contar histórias de pessoas comuns, mostrando suas alegrias, dificuldades, desafios e superações e, através de seus relatos, incentivar o respeito. 

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