Talian é reconhecido como referência cultural

Defendido por historiadores e pesquisadores da cultura local por décadas desde a imigração, o talian agora é língua. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu oficialmente na última terça-feira, dia 18, o idioma como Referência Cultural Brasileira, com direito a certificado de registro. A referência simboliza o reconhecimento de que o talian deve ser preservado.

Esta é a maior conquista dos descendentes da imigração italiana de todos os tempos, na avaliação do pesquisador cultural Ademir Bacca. “Representa o reconhecimento do governo ao trabalho e à história do legado deixado. O dialeto integra o conjunto de valores da tradição”, define. 

Na época da imigração italiana, no final do século 19, a Itália ainda não tinha definido um idioma oficial, por isso o uso de dialetos era comum. Ao chegar ao Brasil, os imigrantes seguiram falando seus dialetos de origem, principalmente o vêneto e o trentino. “O talian foi reconhecido como a união de todos os dialetos da imigração italiana falados no Brasil”, explica Bacca.

O caminho para a aceitação oficial foi longo. O talian foi declarado integrante do patrimônio histórico e cultural gaúcho em 2009, em lei sancionada pela então governadora Yeda Crusius. No ano seguinte, o presidente Lula assinou o decreto nº 7.387, instituindo o Inventário das Diversidades Linguísticas como instrumento de identificação, documentação, reconhecimento e valorização das línguas portadoras de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, sob a gestão do Ministério da Cultura. Hoje, o talian está entre as três do Brasil consideradas oficialmente como referência cultural, sendo as outras duas de origem indígena.


Enfraquecimento

Questões políticas foram as que mais contribuíram para o declínio do talian ao longo das décadas, segundo historiadores. Na Era Vargas, a partir de 1930, o uso oral e escrito do dialeto era proibido, considerado ofensivo pela “falta de patriotismo”. “A ditadura colocou na cabeça das pessoas que era ignorância falar o talian, quem falava era menosprezado”, explica o pesquisador Darcy Loss Luzzatto (foto).

Foi nessa época que ser colono passou a ser considerado pejorativo. “Havia muita discriminação nas cidades, pelo jeito de se vestir e falar. Os próprios pais não queriam que os filhos falassem o dialeto, tinham receio”, lembra Bacca. Ele ainda cita o êxodo rural como outro fator para o enfraquecimento da língua. 

Luzzatto, que tem publicados dois dicionários e dá aulas do idioma, estima que cerca de 4 milhões de pessoas falem o talian no Brasil – 1 milhão delas, gaúchas –, do Rio Grande do Sul a Roraima, pelo lado oeste do país. A língua é a segunda mais falada no país.


Para o futuro

A expectativa é que o reconhecimento ajude a diminuir o preconceito social. “Hoje é chique fazer turismo rural. Gente que antes tinha vergonha agora vai querer ser colono de carteirinha”, aposta Bacca. Luzzatto também prevê uma reviravolta. “Antes as pessoas tinham vergonha, agora têm que fazer o contrário”, afirma o pesquisador. Ele ainda defende o incremento de ações educativas em torno do talian para o futuro, como a inclusão do idioma na primeira série do Ensino Fundamental. “Na Europa, as crianças são alfabetizadas primeiro no dialeto, para que nunca se esqueçam da língua materna, e depois aprendem a gramática oficial”, ele compara. 

Bacca, que participa de fóruns de talian em Serafina Corrêa, município que tem a língua como co-oficial, espera trazer o evento para Bento Gonçalves no início de 2015. “Espero que passe a ter cursos na cidade também. E que, com essa conquista, as pessoas voltem a valorizar. Sem a imigração italiana, a região estaria muito distante do progresso. Finalmente temos uma língua”, conclui Bacca.


Talian vira tema de documentário

Com o objetivo de resgatar e registrar o idioma, o talian é tema de documentário da Associação Caminhos de Pedra. Financiado pelo Fundo de Apoio à Cultura do Estado, o projeto está em fase de produção, pela Alba Arte, e tem cenas gravadas em São Pedro, Tuiuty e Pinto Bandeira. “Percebemos que esta cultura estava se perdendo e recebendo pouco incentivo”, explica a pesquisadora cultural Josirene Crestani. Ela comemora o reconhecimento do idioma pelo Iphan. “Temos poucos registros da cultura italiana oficializados, ao contrário das etnias negra e indígena. É um marco para nossa comunidade e vem justamente de encontro com o documentário”, afirma a produtora, que cita a autoestima dos moradores do interior como um dos  principais resultados do trabalho, que tem lançamento previsto para março de 2015. “Sem a cultura não haveria turismo, que é só consequência”, complementa.

O filme retratará o dia a dia da família tradicional de descendentes de italianos, como a confecção do pão, o almoço em família e a religiosidade. Além do documentário, que deve ter cerca de 35 minutos, a ideia é criar um site onde os internautas possam dividir suas experiências, criando uma rede de preservação da língua, conforme Josirene define.

Reportagem: Priscila Pilletti


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