“Talvez a escola nunca mais seja a mesma”, analisa especialista diante de um ano de ensino remoto

Há um ano, instituições de ensino suspendiam suas aulas e demais atividades presenciais por tempo indeterminado. O que se previa ser uma medida emergencial imediata, acabou perdurando por longos meses. Quase no fim de 2020, a retomada de algumas escolas no formato híbrido – meio presencial e meio on-line – levou esperança a milhares de famílias e professores que vinham enfrentando as mais desafiadoras situações para dar seguimento ao aprendizado. Mas 2021 trouxe novamente a necessidade de fechamento de instituições. E os impactos serão severos. Conforme avaliação da secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia, o fechamento das escolas durante a pandemia poderá ter impacto de cerca de 15 anos. A análise foi publicada no Boletim MacroFiscal, divulgado no dia 17/03.

Mãe de um menino de cinco anos e de uma menina de 13, uma trabalhadora do setor administrativo de Bento Gonçalves precisou pedir as contas e começar a trabalhar em casa. Sua cozinha virou espaço para produção de pães e doces.  “Está sendo muito difícil eles lidarem com o ensino a distância, pois eles recebem um monte de conteúdo e não tem explicação de nada”, revela. Para o menino, a falta de interesse tem sido o principal desafio. Segundo relato da confeiteira, a criança sente falta do ambiente escolar, da professora e dos colegas – motivadores do aprendizado. “Eu tenho muito receio de como vai ser essa “aprendizagem”, pois eles [as escolas] vão, digamos, mandando matéria para cumprir a carga horária, porém sem muita qualidade”, analisa. “Meu maior medo é o pequeno, que está em fase de alfabetização. Estou ensinando em casa as letrinhas os números, mas com certeza não tem a mesma qualidade se estivesse na sala de aula com os professores”, acredita a confeiteira. 

Para uma recepcionista, mãe de um menino de 11 anos, o Google tem sido a principal ferramenta para conseguir prestar suporte ao ensino do filho. “Nós pais teríamos que voltar a estudar para ajudar eles, porque não lembramos muita coisa”, lamenta. Ela e o marido trabalham fora durante todo o dia e afirma não conseguir dar a atenção necessária ao ensino da criança. “Nunca imaginamos que iríamos passar por isso. E o resultado do ano passado foi razoável. Ele não aprendeu muita coisa”, recorda. “Quando soubemos que esse ano seria assim de novo, entramos em pânico. Ainda mais que não são aulas síncronas, são aulas remotas. Os exercícios vêm para casa sem explicações em vídeo. Nos preocupamos muito porque isso pode prejudicar ele mais para a frente”, lamenta. 


Foto: Arquivo pessoal
 

Para a pedagoga Silvia Hauser Farina, especialista em Supervisão e Gestão Escolar e Mestre em Educação, a flexibilidade, a diversificação de estratégias pedagógicas, a personalização e o foco nos alunos conseguiram, na medida do possível, gerar engajamento e aumentar o nível de aprendizagem diante do momento atual. Mesmo assim, ela ressalta que a distância entre os estudantes das redes públicas e privadas com as instituições de ensino se tornou maior. “Penso que talvez a escola nunca mais seja a mesma”, analisa.

Tecnologia humana

Na visão da pedagoga, a pandemia nos fez olhar para dentro de cada um, valorizando aquilo que torna as pessoas agentes de transformação: a própria tecnologia humana. “A crise pandêmica transformou o planeta inteiro em poucos meses. Verdades eternas caíram por terra e todos os profissionais precisaram se adaptar a esse novo mundo. A educação teve que inovar e fazer com que o ensino se deslocasse do prédio da escola, para a casa de cada estudante”, comenta. 

Diante do momento atual, a Unesco elencou duas habilidades básicas: o desenvolvimento do pensamento crítico e a habilidade de resolver problemas tecnológicos e emocionais. “Com o fechamento das escolas, as secretarias estaduais e municipais de educação utilizaram várias estratégias para garantir a continuidade da aprendizagem. Algumas dessas estratégias envolveram o uso de tecnologias digitais, enquanto outras focaram a distribuição de material impresso e a veiculação de programas de televisão e rádio”, recorda. A Mestre em Educação ainda ressalta que grande parte das redes de ensino se apropriou de tecnologias mistas e complementares, dando origem ao ensino híbrido, “um conceito já conhecido por especialistas da área da educação, cujas premissas são ainda pouco compreendidas pela comunidade escolar e ainda precisam ser muito debatidas”. 


Foto: Reprodução/Facebook
 

Papel dos pais

Silvia pontua que, diante do desafio de tornar o processo educacional atrativo, é necessário que as escolas levem em consideração a comunidade e a família onde os alunos estão inseridos. “Estudos de epidemiologia estabelecidos para políticas públicas de saúde entendem que os comportamentos considerados de risco têm relação direta com os valores da comunidade a que um indivíduo pertence. Na educação não é diferente. O que faz um aluno valorizar ou não determinados conteúdos passará, dentre outras coisas, por como ele se relaciona com sua rede de valores e de signos, que por sua vez são cunhados na comunidade a que pertencem e na família de onde vieram”, explica. 

Ainda conforme a pedagoga, a tentativa das famílias em ensinar em casa, mediante orientação dos professores, tem sido um grande desafio porque essa seria uma tarefa da escola, e não dos pais. “Nesse sentido, envolver a família em encontros em que sejam promovidas experiências para que eles vivenciem as práticas de metodologias ativas e compreendam que outras formas de aprendizagem podem ser um diferencial, talvez seja importante”, sugere.

Investimentos

Em um período pós-pandemia, a pedagoga pontua que será necessário retomar investimentos de formação  de professores e de capacitação de habilidades emocionais de estudantes e educadores. “No Brasil, a constituição cidadã de 1988 diz: ‘A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será? promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho’. A declaração, além de caracterizar o lugar da escola como instituição moderna, expõe a compulsoriedade das dinâmicas citadas e da responsabilidade de todos”, afirma. 

Por fim, ela ressalta que o trabalho com educação pede ações que possibilitem a reinvenção diária. “Já estamos vivendo esta realidade em algumas salas de aula.  Entretanto, dada a nossa carga de esperanças e ao fato que somos humanos e estamos vivendo um momento ameaçador, é necessário que façamos o nosso melhor também neste momento. Juntos somos mais fortes”, encerra.