Tertúlia Mestre: emoção, histórias de Bento, do Rio Grande do Sul e a celebração da cultura gaúcha
Mais de 700 alunos, espalhados em 25 turmas, colocaram em prática não apenas danças criativas e belos cenários, mas também deram espaço para contar a história de um povo diverso
Há exata uma semana, na noite de 16 de setembro, educação e cultura gaúcha se uniram em um dos principais eventos dos Festejos Farroupilhas 2022 de Bento Gonçalves. Entre olhares curiosos e corações acelerados, mais de 700 estudantes da Escola Estadual de Ensino Médio Mestre Santa Bárbara colocaram os melhores trajes e contaram histórias tipicamente gaúchas na 12ª edição da Tertúlia Mestre.
Esta edição do projeto, que já é mais do que tradição na cidade, contou com apoio do Fundo Municipal de Cultura e levou para o Ginásio Municipal de Esportes 25 turmas, professores e milhares de familiares e amigos que acompanharam todo o processo até o grande dia. Entre os temas trabalhados pelos estudantes estiveram a formação do Estado, do município de Bento, da escravidão no Sul do país e a imagem e representação do gaúcho, sua literatura, costumes e outros temas que facilmente fazem parte do dia a dia de todos.
Contudo, se engana quem acha que o espetáculo da Tertúlia acontece apenas em uma noite. O processo é longo e necessita da colaboração de todos os estudantes. Segundo a estudante do terceiro ano Karine Pierozan Roman, tudo começa com a escolha de um corégrafo, parte para a decisão do tema e como ele será abordado. Depois, há uma longa pesquisa para a realização do trabalho teórico – no qual os estudantes organizam e apresentam as informações sobre seu tema e a relação com a cultura gaúcha. Este trabalho é levado em conta para a avaliação final.
“Não podemos negar que é um processo um tanto quanto cansativo e muitas vezes estressante, pois precisamos nos dedicar por inteiros nesse projeto […]. A construção do tema, da coreografia, do cenário e figurino faz com que crie uma união entre a turma e um espírito de querer dar nosso melhor”, disse a estudante, que teve ajuda dos colegas para a construção das respostas. A 32M, turma da Karine, foi a grande vencedora da edição e levou para o palco uma réplica da Maria Fumaça de Bento, que era foco da apresentação. “Nossa intenção era mostrar a importância dessa locomotiva para o desenvolvimento de Bento Gonçalves e cada fase que a Maria Fumaça viveu até ser o que conhecemos hoje.” Entrevistas com funcionários, ex-maquinistas e até um passeio de trem fizeram parte do processo para ajudar a enriquecer a compreensão da turma sobre aquele tema e para melhor representá-lo.
Para a estudante Larissa Jorge, da turma 31M, a construção do projeto também passa por momentos estressantes e cansativos, mas a jovem confessa que passaria por tudo mais uma vez. A turma dela trabalhou com o nome da grande heroína Anita Garibaldi, além de reforçar a força e garra das mulheres gaúchas. Além disso, a Tertúlia fez com que todos os estudantes fossem a fundo na questão histórica. “Com certeza este projeto faz com que exploremos a história e cultura do nosso estado, fazendo com que tenhamos mais interesse e conhecimento sobre toda trajetória do Rio Grande do Sul”, disse.
Também estudante do terceiro ano, o jovem Marco Antonio Gemmer Majolo destacou que desde o início a Tertúlia exigiu dedicação de todos, com uso de diversos momentos fora da escola para dar andamento aos ensaios, construção de cenários, figurinos e qualquer outro detalhe necessário. O tema trabalhado pela turma do Marco, a 34M, apresentou uma história triste do Estado: o Massacre de Porongos, quando os lanceiros negros, escravos que lutaram ao lado do RS na Guerra dos Farrapos (1835-1845), foram assassinados de forma brutal após darem a vida na guerra.
“Foi um acontecimento muito triste na história do Rio Grande do Sul, é uma das maiores manchas na história do Estado e a gente quis retratar essa história porque é uma coisa que não se fala, que eles deixam escondido da história. Até porque foi uma mancha, só que tem que ser falado porque senão a gente sempre vai dar espaço para o racismo e discriminações. Por isso resolvemos falar sobre esse tema e também mostrar para o público o que foi esse acontecimento, quem eram esses escravos, esses lanceiros negros”, afirma Marco.
De forma consciente, o estudante destaca que o povo gaúcho é formado por muito mais que imigrantes europeus. “O gaúcho é uma mistura de diversas etnias. É o alemão, é o italiano, é o polaco, é o indígena, é o uruguaio, é o argentino e também é o negro africano. Todas essas etnias participaram muito aqui no Rio Grande do Sul, as culturas dessas etnias se misturaram para formar esse gaúcho.”
Para a diretora do Mestre, Margarida Mendes Protto, a 12ª Tertúlia trouxe um sentimento de novidade e de boas energias para os estudantes. “A Tertúlia é não apenas manter viva a cultura do Estado, trazer ela para o ambiente escolar, mas também fazer uma discussão teórica e acadêmica sobre os temas e sua relação com as áreas de conhecimento e escolares e ligadas ao Rio Grande do Sul”, disse em nota divulgada pela prefeitura.
A estudante Karine complementa a fala de Margarida. “A cultura gaúcha é linda e cheia de personalidade, esse evento faz com que os jovens da nossa idade e os mais novos que participam e assistem tenham conhecimento dessa tradição e aprendam sobre ela levando adiante essa cultura tão especial e importante para nossa região.”
De acordo com o Marco, que participou de sua primeira e última Tertúlia – vale lembrar que o evento não era realizado desde 2019 em virtude da pandemia da COVID-19 –, o momento ajudou a abrir os olhos e mostrar o quanto a cultura do Estado é rica e diversa. “Ela [Tertúlia] traz muitas histórias do Rio Grande do Sul, o que formou todo o Estado e sobre a cidade de Bento Gonçalves também. É muito conteúdo que a pessoa consegue absorver. Claro que o tema que a tua turma escolher tu vai aprender mais, mas com as outras turmas a gente também consegue aprender muita coisa.”
Além da competição entre turmas, o que é normal, desde que feita de forma saudável, o evento promove uma grande união dentro de cada turma, afinal, os mais de 20 alunos, todos diversos e com suas características próprias, se juntam para um bem comum. “A Tertúlia trabalha muito com a união de pensamentos, mesmo algumas vezes a turma se desentendendo entre si, porque sabemos que queremos que tudo flua com perfeição, acabamos percebendo que o projeto auxilia demais na união da turma e explora a compreensão e paciência dos alunos”, pontua a estudante Larissa.
“Acredito que nossa turma [32M] construiu essa união no decorrer do processo. No início não foi fácil, existiam alguns grupo fechados e receios de expressar opinião e pensamento […] com o desenrolar do nosso trabalho criamos uma maturidade, começamos nos sentir bem com a turma, ouvir e analisar as opiniões e procurar atender todas as necessidades de forma conjunta, fazendo com que a união entre nós aumentasse cada vez mais”, destaca Karine, dos maquinistas e campeões. Ainda segundo ela, com o apoio da conselheira, a professora Marisete Vitter Possamai, a turma conseguiu se organizar de forma satisfatória.
Em pleno mês do gaúcho, o Marco, a Larissa, a Karine e os demais estudantes do Ensino Médio do Mestre conseguiram colocar em prática não apenas danças criativas e temas relevantes de debate, mas o direito de exercer uma cultura que continua viva em Bento, na Serra Gaúcha, no Rio Grande do Sul e onde qualquer gaúcho esteja.