Tombamento expõe disputas sobre futuro da cidade

O desentendimento sobre o futuro da região dos Caminhos de Pedra está por trás da grande polêmica dos últimos dias em Bento Gonçalves, quando o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) anunciou o tombamento provisório da paisagem cultural das Linhas Palmeiro e Pedro Salgado, que ficam no limite entre Bento e Farroupilha. Para as pessoas ouvidas pelo SERRANOSSA, esteve em jogo não apenas a preservação da cultura e da história, mas também o desenvolvimento e o crescimento da cidade. O tombamento provisório foi anunciado no dia 21 de maio e, depois das reações, foi arquivado no dia 18 de junho. 

A Associação Caminhos de Pedra, autora do pedido de tombamento, explica que a atitude foi tomada para preservar o modo de vida dos moradores e trabalhadores locais. “Esse foi um pedido feito três anos atrás, em vista dos projetos de condomínios fechados. Nossa área de abrangência está sendo pressionada por loteamentos por todos os lados”, explica um representante da entidade que prefere não ser identificado. “Com o tombamento, esses projetos teriam que passar por análise não só de instâncias municipais, como Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb) e Câmara de Vereadores, mas também pelo governo do Estado, onde os especuladores não têm o poder que têm aqui”, argumenta.

A reação das lideranças do município, no entanto, foi de contrariedade à medida, justamente por representar entraves ao crescimento da cidade. O diretor do Ipurb, Luís Filipe Pires Trevisan, e a procuradora-geral do município, Simone Azevedo Dias, reuniram-se na segunda-feira, dia 18, com o diretor do Iphae, Eduardo Hahn, para pedir a interrupção do processo. Na avaliação da prefeitura, a área do tombamento era grande demais e incluía zonas com características urbanas já consolidadas e com perspectivas de instalação de indústrias. O cálculo é de que o tombamento “engessaria” 30% da área do município. Além disso, a prefeitura protesta contra a falta de diálogo com a comunidade e com o Poder Público antes do encaminhamento do pedido.


Presídio seria construído na Linha Palmeiro

O caso do novo presídio de Bento Gonçalves também foi lembrado em meio à polêmica. Há na cidade quem considere que o pedido de tombamento foi feito apenas para impedir a construção. O tombamento provisório, no entanto, foi anunciado muito depois de o Estado ter perdido a verba de R$ 8,8 milhões para a construção da casa prisional na Linha Palmeiro. O que resta é o terreno de 143,7 mil metros quadrados comprado para esse fim.

Para o presidente da Câmara de Vereadores, Valdecir Rubbo, o pedido de tombamento tem relação com a construção do presídio. O vereador diz que um abaixo-assinado contra a casa prisional foi incluído entre a documentação entregue ao Estado quando do pedido, e acusa: não estava claro que as pessoas incluídas no abaixo-assinado eram a favor do tombamento – assinaram por serem contra a construção do presídio. “Essa não é a forma ideal para a associação tentar  impedir que o presídio seja instalado”, afirma Rubbo.

“O que mais nos preocupa hoje não é o presídio”, garante o representante da Associação Caminhos de Pedra. Segundo ele, o presídio foi uma preocupação, mas o principal motivo foi mesmo a especulação imobiliária. A associação não falou sobre o abaixo-assinado.

Em audiência sobre o tombamento na Câmara de Vereadores na noite da última terça-feira, dia 19, a juíza Fernanda Ghiringhelli de Azevedo, titular da 1ª Vara Criminal da Comarca de Bento, aproveitou para criticar a perda da verba pelo governo do Estado e as mobilizações contrárias ao presídio na localidade. “Foi afastada pelo Judiciário a hipótese de prejuízo ao patrimônio histórico e cultural no caso da construção do presídio naquele local”, disse.

Secretaria de Turismo

A secretária municipal do Turismo de Bento Gonçalves, Ivane Fávero, também foi contrária ao tombamento provisório. Ela não concorda com a forma como foi tomada a medida, sem discussão com a comunidade. Ivane disse ainda que a área tombada era muito extensa. A reação não ocorreu somente em Bento. Na segunda-feira, o prefeito de Farroupilha, Ademir Baretta, anunciou que iria ao Iphae pedir a interrupção do processo, sob o mesmo argumento bento-gonçalvense: o tombamento seria uma ameaça ao crescimento da cidade

 
Associação lamenta recuo do Iphae

Na Associação Caminhos de Pedra, o sentimento é de surpresa com o arquivamento do processo. Para o representante da entidade, o fato de o pedido ter sido feito sem consultas públicas não foi um desrespeito à população, mas uma decisão preventiva e que privilegia aspectos técnicos. “Não houve desrespeito à opinião pública. O problema é que, no momento em que se começa a falar em tombamento, os especuladores se mexem. Enquanto se discute, as coisas acontecem, e aí podem não ter mais volta”, justificou.

 
Câmara aprovou moção de repúdio

A Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves também entrou na briga contra o tombamento provisório dos Caminhos de Pedra. Na sessão de segunda-feira, dia 18, o Legislativo bento-gonçalvense aprovou uma moção de repúdio contra a medida, a ser enviada à secretaria Estadual da Cultura. E na terça-feira, promoveu uma audiência pública para tratar do tombamento.

A audiência foi marcada antes do arquivamento, mas mantida mesmo assim. Na reunião, os protestos foram todos contra a falta de discussão do pedido de tombamento antes que ele ocorresse. Vereadores e moradores das áreas abrangidas pela medida temporária afirmaram ainda, durante suas manifestações, que não sabiam que efeitos teria o tombamento sobre o cotidiano das famílias que vivem nas localidades.

 
Vale dos Vinhedos torna-se patrimônio

A Assembleia Legislativa aprovou na terça-feira, 19 de junho, o projeto de lei do deputado estadual Marlon Santos que inclui o Vale dos Vinhedos no patrimônio histórico e cultural do Rio Grande do Sul. Marlon Santos deve vir a Bento Gonçalves no dia 27 de junho para apresentar a nova lei, a convite da Cooperativa Vinícola Aurora.

Justificativa do Iphae

Em nota que comunica o arquivamento da medida, o diretor do Iphae, Eduardo Hahn, explica que decidiu arquivar o tombamento “devido a solicitações das prefeituras, que alegaram a necessidade de maior envolvimento de órgãos municipais competentes nas tratativas para a delimitação de áreas de proteção, de forma a compatibilizar a legislação local à proteção estadual, considerando a complexidade de usos e ocupação da área proposta”. O diretor também admite que a área proposta para o tombamento abrange regiões “de ocupação industrial, urbana e rural” e que são necessários novos estudos e análises da área e também a discussão de novas alternativas de gestão e proteção.

 
Reportagem: Eduardo Kopp

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