Trabalho ajuda na reinserção social de apenados

A falta de espaço para o desenvolvimento de atividades específicas de ressocialização no Presídio Estadual de Bento Gonçalves tem sido amenizada pela parceria com duas empresas do município, que oportunizam uma ocupação a detentos do regime fechado. A prática não chega a minimizar diretamente um dos principais problemas enfrentados pela penitenciária – a superlotação – mas garante uma chance de reinserção, salário e redução do tempo de pena aos 84 presos que trabalham dentro do presídio. Os turnos diários são de seis horas e envolvem confecção de cantoneiras e acessórios de papelão para a Bonapel Embalagens e montagem de suportes de lâmpadas para a Lumibras. Quem participa do projeto tem um dia a menos de cumprimento de pena para cada três dias de serviço.

Para fazer parte da equipe, é necessário que o apenado apresente bom comportamento e já tenha sido condenado pelo crime que cometeu. “O detento precisa mostrar interesse e se adequar ao serviço. Antes de ser definido quem irá trabalhar, é de responsabilidade do chefe de segurança analisar como ele se comporta dentro da penitenciária”, explica Volnei Zago, diretor do Presídio Estadual de Bento Gonçalves. Além dos serviços oportunizados pelas duas empresas, que abrangem tanto homens quanto mulheres, 24 apenados estão ligados às chamadas atividades laborais, como cozinha e faxina.

As empresas pagam um salário mensal aos trabalhadores e cerca de 10% é depositado em uma conta da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), como forma de pecúlio, uma espécie de poupança. “Esse valor fica depositado e só pode ser retirado após o término do cumprimento da pena. É uma forma de o apenado ter algum dinheiro para recomeçar a vida”, descreve. Conforme o diretor, os detentos utilizam o salário para comprar materiais durante a chamada cantina, uma espécie de minimercado improvisado e temporário no qual podem adquirir comida e materiais de higiene e de limpeza dentro do próprio presídio. Alguns ainda preferem destinar parcial ou integralmente o dinheiro ganho aos familiares.

Para o presidiário F. S., de 35 anos, a iniciativa das empresas oportuniza uma segunda chance. Ele foi condenado a sete anos de detenção por tráfico de drogas e já cumpriu três. “Comecei a trabalhar depois de ser convidado pela direção e prontamente aceitei. O serviço é capaz de ocupar a mente e ainda gera a possibilidade de ter um dinheiro para comprar materiais durante a cantina. Isso ajuda bastante quem não recebe visita”, conta. O apenado atua há dois anos e onze meses como responsável, dentro da cela, pela produção do material disponibilizado pela empresa Bonapel e ajuda na limpeza das instalações. A atividade também garantiu um novo norte para a vida do condenado. Logo depois de começar a montar cantoneiras, F. voltou a estudar e hoje frequenta o 1º ano do Ensino Médio. “Quando terminar de cumprir minha pena, quero voltar a ter uma profissão e terminar os estudos, retornar à sociedade. O trabalho ajuda a recuperar a pessoa”, finaliza.

Segundo o diretor, as atividades profissionais dentro do presídio e a parceria com as empresas são de suma importância para a recuperação dos detentos. “Podemos perceber que quem desempenha alguma atividade também procura voltar a estudar, por isso sobra menos tempo para pensar em coisas ruins”, ressalta. Ele ainda acrescenta que para a reinserção são necessários três alicerces: trabalho, educação e religião, todos oferecidos em Bento Gonçalves.

Falta de espaço

Enquanto a confecção das cantoneiras de papelão é feita nas próprias celas – duas masculinas e uma feminina –, a montagem dos suportes de lâmpadas acontece em uma cela-pavilhão, com capacidade para 43 presos. A parceria com a empresa Lumibras é mantida há oito anos. Para Zago, a falta de espaço físico prejudica outras iniciativas semelhantes. “Algumas empresas já nos procuraram para disponibilizar material, mas devido à área reduzida, não temos como ampliar o número de trabalhadores. Gostaríamos que outros tivessem essa mesma oportunidade, mas infelizmente hoje não é possível”, lamenta. 

Responsabilidade social

Parceiros do presídio há cerca de dois anos, os irmãos Evandro e Fernando De Bona, diretores da empresa Bonapel Embalagens, descrevem o serviço realizado pelos detentos como de boa qualidade. “O resultado é muito parecido com o que é feito pelos funcionários internos da empresa. Apesar de não termos ingerência sobre a confecção, não temos visto muitos problemas. Eles trabalham de forma correta e mantêm um padrão. Com isso, quem ganha são os próprios detentos, a empresa, a Susepe e a sociedade”, explica Fernando.

A integração aconteceu após a indicação de um cliente e a visita da Susepe ofertando a possibilidade de implantação da parceria. “Eles nos explicaram como poderíamos atuar em conjunto. Como não realizávamos esse tipo de ação, optamos em iniciar os trabalhos, por acreditamos que temos uma responsabilidade social enquanto empresa”, explica Fernando. Evandro enfatiza que a questão social deveria ser preocupação também de outras companhias. “Temos somente que agradecer a oportunidade. Sentimo-nos muito bem em oportunizar uma melhoria de vida aos presos”, destaca.

Os diretores contam que o volume de material destinado ao presídio semanalmente só não é maior em função da falta de espaço. “O governo deveria pensar em construir pavilhões dentro das penitenciárias para possibilitar que todos trabalhem e mantenham a cabeça ocupada”, destaca Evandro. Segundo ele, a parceria entre a empresa e o Presídio Estadual de Bento Gonçalves poderá se estender e oportunizar que apenados do regime semiaberto passem a fazer parte do quadro de funcionários fixos. “Estamos conversando com a direção e, devido à falta de mão de obra, estamos estudando a melhor forma de realizar essas contratações. Sabemos que os detentos sofrem preconceito no momento em que procuram um novo emprego depois de cumprir a pena e queremos oferecer uma oportunidade a eles”, finaliza Evandro.

Reportagem: Katiane Cardoso

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