Um quebra-cabeça difícil de montar

Aos poucos, o quebra-cabeça em que a secretaria de Finanças de Bento Gonçalves se transformou começa a ser montado. Há quase três meses, o caso vem sendo investigado por diversas frentes de atuação – Ministério Público (MP), Tribunal de Contas do Estado (TCE),  Câmara de Vereadores e a própria prefeitura. O tempo que ainda transcorrerá até o encaixe das últimas peças e se o quebra-cabeça poderá de fato ser montado seguem sendo incógnitas. A bagunça contábil é tão grande que sequer é possível afirmar quanto dinheiro há em caixa, quanto foi desviado e qual será o prejuízo herdado pela futura administração. 

Um dos exemplos que retrata a dificuldade desse encaixe de peças é a série de depoimentos iniciada nesta semana pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de Vereadores que investiga o desvio de recursos. A previsão era de que as oitivas pudessem ser finalizadas na última quinta-feira, dia 22.  Entretanto, à medida que novos fatos surgiram, mais testemunhas foram sendo intimadas. Desde a segunda-feira, dia 21, a comissão já ouviu 11 depoimentos. Nesta sexta, dia 23, mais duas pessoas prestarão esclarecimentos.

Para a próxima semana, a expectativa paira sobre o comparecimento dos principais suspeitos no esquema de desvios: o ex-secretário de Finanças, Olívio Barcelos de Menezes, e a contadora exonerada, Luana Della Valle Marcon. Eles serão convocados para depôr e para participar de uma acareação (confronto de depoimentos) na terça-feira, dia 27. O processo deve contar também com a presença de funcionários da Delta – empresa responsável pelo novo sistema informatizado da prefeitura que teria permitido a fraude – e de funcionários da secretaria de Finanças. O comparecimento na acareação não é obrigatório e os trabalhos acontecem mesmo com ausência de algum convocado. 

Por enquanto, os dois são os únicos apontados pelas testemunhas como mentores ou executores do golpe. Apesar disso, muitos acreditam que eles não agiram sozinhos. A identidade e a origem de outros supostos envolvidos continua sendo um grande ponto de interrogação. O que sabe até agora é que uma das empresas para a qual Luana emitia empenhos pertencia à sua cunhada. 

Pelo que foi apurado nos depoimentos, Lunelli, não foi o único personagem da administração municipal que disse ter sua confiança traída. A palavra “surpresa” foi uma das mais proferidas pelas testemunhas ao falar sobre o envolvimento de Menezes e Luana nos supostos desvios. Ao que tudo indica, o esquema foi bem articulado e mantido em relativo sigilo. Quase todas as testemunhas disseram que jamais desconfiaram de atitudes suspeitas, mesmo que desde o ano passado houvesse boatos na cidade que indicavam possíveis irregularidades no caixa município. A única que revelou ao contrário – não em depoimento à CPI, mas em conversa posterior com o SERRANOSSA – foi a contadora Michele Piletti, que após retornar de licença-maternidade foi afastada das Finanças e substituída por Luana.

Luana foi apontada como culpada por unanimidade. Já em relação a Menezes, não se pode dizer o mesmo. Ele foi acusado pela maioria, com exceção do vice-prefeito Gentil Santalúcia e da coordenadora da Ctec, Rita de Cássia dos Santos, que acreditam em sua inocência. Santalucia não apontou motivos concretos para confiar no ex-secretário, apenas acredita que ele tenha sido coagido por Luana. 

A colocação de Rita está baseada no estado de desolação em que Menezes ficou ao saber das irregularidades cometidas pela ex-contadora. O fato foi descoberto pela Ctec após suspeitas de irregularidades no sistema (leia mais na página 12). Questionada sobre por que Menezes estava sendo apontado por todos como principal suspeito, incluindo o prefeito, Rita disparou: “talvez ninguém tenha parado para me ouvir”. Ela acredita que Luana também seria a responsável por maquiar o orçamento, enganando o próprio titular da pasta.

Novos detalhes

Embora aberta somente à imprensa, a série de depoimentos tem se mostrado oportuna para desvendar detalhes da história até então restritos às investigações do MP, que correm em sigilo. Os membros da CPI tiveram acesso ao teor dos depoimentos prestados por Luana e Menezes à promotoria. Entre uma pergunta e outra, surgem pequenas revelações. As informações confidenciadas pela ex-contadora não ficaram limitadas apenas à sua atuação. Entre suas denúncias, por exemplo, está a de que funcionários terceirizados através da empresa CCS, pagos pela prefeitura, prestariam serviços na casa de pessoas que ocupavam Cargos em Comissão (CCs) na administração. 

No seu depoimento, Rita contou sua versão de como Luana chegou ao município. Segundo ela, em 2010 a secretaria de Finanças tinha duas contadoras grávidas no mesmo período e havia a preocupação de encontrar um substituto para exercer a função no período da licença-maternidade. A indicação de Luana foi feita por meio da empresa Delta, que na época entrou em contato com o município para oferecer seus serviços na área de software. Ela assumiu o cargo de coordenadora de compras em maio de 2011. Mesmo com tão pouco tempo de casa, tinha uma cópia da chave da secretaria e ela, por diversas vezes, trabalhava sozinha, à noite. A informação foi revelada pela agora tesoureira Elisete Rech. As horas extras não chegaram a levantar suspeita na época, pois Luana alegava que não conseguia realizar o volume de tarefas durante o dia e que sozinha, o trabalho rendia mais. Outra revelação importante é que nesses momentos ela tinha companhia de funcionários da Delta, sob a justificativa de que o sistema informatizado ainda precisava de ajustes. 

Até agora já foi confirmado o desvio de R$ 421 mil por meio de empenhos para empresas e pessoas que não necessariamente prestaram serviços ao município. Porém, estima-se que a insuficiência financeira ultrapasse R$ 30 milhões. Não é um valor que necessariamente foi roubado dos cofres públicos. Segundo as declarações do prefeito, Menezes maquiava o orçamento, colocando no papel números que não condiziam com a realidade. “As obras estão terminadas ou em andamento, mas não existia o recurso previsto para a contrapartida. Se jogou dinheiro de papel na LDO. Gastamos mais do que tínhamos. Obras foram feitas sem que houvesse dinheiro”, revelou Lunelli. 

Golpe aperfeiçoado

A procuradora-geral do município e secretária interina de Finanças, Simone Azevedo Dias, conta que o golpe supostamente aplicado por Luana em Bento Gonçalves teve algumas semelhanças com aplicado em Jaguari.  Entretanto, o esquema teria sido aperfeiçoado. “Ela inovou em muita coisa. Nada de semelhante aconteceu no Estado”, acusou.

Reportagem: Carina Furlanetto


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