Um resgate ao protagonismo da mulher

O nascimento do filho é uma das etapas mais especiais na vida de uma mulher. As famílias que optam por um caminho mais natural e menos intervencionista para o parto muitas vezes têm dificuldade para fazer valer suas decisões. Em Bento Gonçalves, gestantes e casais “grávidos” podem encontrar apoio e tirar dúvidas sobre o parto humanizado nos encontros do Nascer Sorrindo. O nome, adotado por grupos em diversas cidades, faz alusão ao método proposto pelo obstetra francês Frederick Leboyer, que vê o nascimento sob o ponto de vista do bebê, em um parto sem violência. “Pensava muito na ideia de que as crianças de Bento Gonçalves também merecem nascer sorrindo. O primeiro encontro aconteceu na garagem de casa e logo outras pessoas se juntaram à causa”, explica a fundadora do grupo no município, a terapeuta holística Elisandra Radaelli Brandão Oliveira, mãe de Maria Teresa, de seis meses.

O contato com o parto humanizado ocorreu dois meses antes da gravidez por intermédio de uma amiga. Após muitas pesquisas na internet, em documentários e livros, encontrou apoio no grupo de Caxias do Sul e virou ativista do movimento. Em Bento, foram três encontros em 2014 e o retorno das atividades está marcado para o próximo dia 14. “É tudo muito simples, uma roda de conversa com troca de experiências sobre parto e assuntos relacionados ao nascimento com amor e respeito Saímos dos encontros fortalecidos e cheios de ânimo por poder ouvir e falar nossa experiência”, define.

O próximo encontro do Nascer Sorrindo será realizado no dia 14 de março, a partir das 14h, na Divyna Luz Terapias Integradas (rua Minas Gerais, 98, bairro Humaitá, em Bento Gonçalves). A participação na reunião é gratuita. Informações pelos telefones (54) 9624 3104 e (54) 9130 4466, com Michele, ou na página www.fb.com/nascersorrindobentogoncalves.  

Um ato natural

O parto humanizado trata o nascimento como um ato natural e respeita o protagonismo da mulher e suas escolhas em relação ao parto. “As opções vão desde o local de nascimento (domiciliar, hospitalar ou em casa de parto), até os procedimentos realizados em si e no bebê. A gestante tem total liberdade de movimento, pode beber ou comer, ouvir suas músicas preferidas, sentir perfumes que lhe fazem bem, estar próxima a seus familiares, enfim, tudo o que lhe traz conforto, segurança e bem-estar em todas as fases do trabalho de parto. Nada mais aconselhável do que uma mulher se permitir explorar sua feminilidade a pleno, sendo a figura central no evento mais importante da sua vida, que é parir”, explica a obstetra Caroline Chiarelli, de Muçum, que há três anos trabalha somente com o modelo humanizado.

Caroline entrou para o mundo da humanização quando quase desistia da Obstetrícia e viu-se sugada pelo sistema ao perceber que as cesarianas tinham virado rotina. O gancho para se reencontrar e repensar a atuação profissional veio após um câncer de mama, que a afastou do trabalho durante três meses, e ao participar de um seminário com o precursor do parto humanizado no Rio Grande do Sul, Ricardo Jones. “Fiz a escolha mais acertada, tanto profissional como pessoal. A recompensa é enorme. Estar no cenário de um parto tranquilo, respeitoso, ver uma mulher se transformando e se empoderando como mãe, e bebês sendo recebidos com paciência, amor e delicadeza me faz muito feliz”, resume.

Nem todo o parto normal é humanizado. Em alguns, há o excesso de procedimentos que poderiam ser considerados desnecessários e sem consentimento da gestante: anestesia, múltiplos exames vaginais, uso de soro para controlar as contrações e episiotomia (corte do períneo), por exemplo. No parto humanizado, o médico deverá informar as intervenções que achar necessárias, e mesmo que seja indicada a cesariana, por condições fetais ou madeve respeitar a delicadeza do momento. “Evitar conversas paralelas na sala, baixar a luz no momento da retirada do bebê, promover o contato pele a pele do bebê com a mãe, soltando seus braços para poder segurar o bebê logo que nasce. São detalhes que fazem a diferença”, pontua Caroline.

Posição

No parto humanizado, cada mulher instintivamente procura a melhor posição para parir. A de litotomia ou ginecológica é considerada a pior delas, pois o peso uterino comprime a coluna e a circulação, causando menor retorno de oxigênio para o bebê e dificultando a expulsão, já que a mãe não tem onde se apoiar para fazer a força necessária e adequada para ajudar no nascimento.

O parto na água, por exemplo, é uma modalidade bem antiga e escolhida por muitas mulheres. O contato com o líquido durante a fase ativa do trabalho de parto relaxa e ajuda a suportar as contrações mais dolorosas.

Outra posição preferida é a de cócoras, onde a expulsão do bebê conta com a ajuda da gravidade. Os hormônios envolvidos no trabalho de parto espontâneo são produzidos pelo binômio mãe e bebê e trazem benefícios para ambos, fortalecendo o vínculo imediatamente. “O contato imediato pele a pele é ofertado, bem como a amamentação na primeira hora de vida. O bebê saudável jamais é separado de sua mãe”, salienta a obstetra.

Apoio

Em alguns aspectos, o parto humanizado assemelha-se aos partos realizados pelas antigas parteiras, principalmente no apoio oferecido à parturiente. “As parteiras acompanhavam todo o processo sem interferir, apenas assistindo a evolução do parto. Elas transmitiam segurança por serem consideradas mulheres experientes naquelas situações”, observa Caroline.

Os partos domiciliares atuais contam com uma estrutura de atendimento diferente: são assistidos e planejados. Além de todo o aparato de emergência (oxigênio, medicações, material de punção e sutura), é traçado o “plano B”, permitindo a rápida transferência para um hospital se necessário. O parto humanizado domiciliar é permitido para a fatia saudável das gestantes que não apresentaram nenhuma intercorrência durante o pré-natal. Gestantes de alto risco deverão parir em hospital invariavelmente e o parto pode ser humanizado na maioria dos casos.

A epidemia das cesarianas

O número de cesarianas praticado no Brasil é tratado como uma epidemia pelo Ministério da Saúde (MS). Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), o índice aceitável é de 15%. Entretanto, 55% dos partos realizados no Brasil são cesarianas. O percentual – que é de 40% no Sistema Único de Saúde (SUS) – chega a 84% na rede privada. “O alto número de cesarianas precisa ser reduzido para que tenhamos novamente um modelo de assistência obstétrica adequado. Precisamos rever o que está acontecendo, para o bem das nossas gestantes e bebês”, pontua a obstetra Caroline Chiarelli. 

No meio médico, ainda há bastante polarização e polêmica sobre o parto humanizado. “A formação é intervencionista e voltada para a resolução imediata da gestação. Muitos médicos acabam tendo um índice elevadíssimo de cesarianas por várias razões, mas principalmente por não terem disponibilidade de tempo para acompanhar um trabalho de parto, que pode levar horas”, acrescenta.

Para a profissional, esse é um período de transição em que muitas condutas estão sendo revistas. “Alguns hospitais já estão se adequando ao modelo humanizado. Grandes maternidades recebem, inclusive, apoio financeiro do governo para investirem em projetos de salas de partos e capacitação de pessoal a fim de elevarem o número de partos normais. Ainda é uma novidade, que está sendo implantada aos poucos”, finaliza.

“É um renascer para todos”

O desejo de ser mãe sempre esteve presente na vida da terapeuta e professora de ioga para gestantes, Michele Ramos (foto), 36 anos. Dois anos antes de engravidar, ela entrou em contato com o conceito de parto humanizado em uma palestra e teve a certeza de que seria assim que daria à luz. Para aprofundar seus conhecimentos e auxiliar outras gestantes, fez o curso de doula. A vaga veio apenas em agosto de 2014, quando já estava grávida de Antonella. “Foi a melhor época porque me ajudou muito na gestação e a saber o que fazer durante o parto”, observa, ela que é a primeira e, por enquanto, única doula em Bento Gonçalves.

De origem grega, doula significa “mulher que serve” e refere-se à profissional que orienta e assiste a nova mãe no parto e nos cuidados com bebê. A doula não é parteira, nem enfermeira e não se envolve na parte técnica do parto. O acompanhamento inicia ainda na gestação, fornecendo informações e apoio, e segue durante o trabalho de parto, com suporte físico e emocional.

A bolsa de Michele estourou com 37 semanas de gestação durante a aula de ioga no final da tarde. Depois de verificar se tudo estava bem com o bebê, deslocou-se até o Hospital Beneficente Nossa Senhora Aparecida, em Muçum, local escolhido por contar com uma sala de parto humanizado. “Queria ter o parto na água, mas foi tão rápido que não deu tempo de encher a piscina”, conta.

Michele ficou à vontade para gritar bastante nos momentos finais do trabalho de parto, não por sentir dor, mas porque a vocalização ajuda na dilatação. O marido, Edevaldo Reginatto, participou ativamente de todo o processo sentado atrás da mulher, abraçando-a. A cena foi acompanhada de perto pela avó materna, pelos padrinhos e por algumas enfermeiras.

Às 22h57 do dia 27 de novembro de 2014, Antonella veio ao mundo sorrindo. Foi amparada pela obstetra Caroline Chiarelli, recebeu touca e manta aquecidas e foi logo para os braços da mãe. Só então chorou. “Ouvir o primeiro chorinho e ver ela girar a cabeça para procurar onde estava a voz do pai não tem preço”, conta Reginatto, responsável pelo corte do cordão umbilical, quando já havia parado de pulsar, alguns minutos depois – permitindo à recém-nascida a adaptação para respirar fora do útero.

Mãe e filha curtiram as primeiras horas de vida lado a lado. O primeiro banho foi dado apenas no dia seguinte, dando tempo para que a pele do bebê absorvesse todo o vérnix, substância esbranquiçada com propriedades imunológicas que recobre o corpo dos recém-nascidos. Um dos sonhos de Michele é que no futuro Bento Gonçalves possa contar com uma ala hospitalar dedicada exclusivamente aos partos humanizados, onde ela possa atuar como doula. “Com o parto humanizado, a ligação e a forma de amar é diferente. É um renascer para todos”, resume.

Relato

A terapeuta holística, Elisandra Radaelli Brandão Oliveira, se emociona toda vez que lembra do dia 21 de agosto de 2014, quando Maria Teresa nasceu. O relato sobre o parto humanizado realizado em casa você confere aqui.

 

Reportagem: Carina Furlanetto

 

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