Uma conversa com Zack Magiezi, patrono da 37ª Feira do Livro de Bento Gonçalves

Arquivo pessoal

“Passamos boa parte da vida fugindo de nós mesmos. E outra parte, tentando voltar.” Essa é apenas uma das frases poéticas e inspiradoras de Zack Magiezi, escritor paulista – também meio baiano, meio mineiro – que é o patrono da 37ª edição da Feira do Livro de Bento Gonçalves. Não é exagero nenhum dizer que Zack é um fenômeno. No Instagram, ele tem mais de um milhão de seguidores que curtem, compartilham e comentam em seus posts de mensagens às vezes doces, às vezes amargas de se ler, mas sempre poéticas. Além de atuar nas redes sociais, Zack tem livros físicos lançados: “Estranherismo”, “Notas Sobre Ela”, “Timeline 2020” e “Timeline 2021”. Para conhecer mais sobre o artista e o que de tão belo (ou cruel) há na poesia, o SERRANOSSA conversou com Zack sobre vida, obra e Feira do Livro.

SERRANOSSA – Para começar nosso bate-papo sobre o seu universo da leitura e escrita, assim como na poesia há diversas faces, com relação ao poeta, quem é o Zack escritor, quem é o Zack pessoa e como eles se encontram no dia a dia?

ZACK MAGIEZI – Eu não consigo me desligar do escritor. Então os dois estão sempre, durante o dia, anotando coisas, pensando em coisas, lavando a louça, fazendo as coisas da casa. E também, como eu faço a montagem dos livros e tudo mais, então não tem como estar fora desse universo. De dia eu trabalho com isso e à noite, realmente, paro para escrever e tudo mais. Mas eu acho que a gente não tem uma divisão, uma separação. Eu acho que escritor é escritor em tempo integral.

SN – Qual foi o primeiro passo para começar a escrever e quando você se viu, de fato, como escritor?

ZM – Eu acho que comecei como quase todo mundo começa: depois de uma ruptura amorosa (risos). Esse é, de repente, um dos grandes incentivos dos escritores ao longo do tempo para começarem a escrever. É falar de si mesmo, falar dos sentimentos, falar das sensações. Na verdade, é aquilo que eu sempre tenho falado aqui na feira que o escritor é o inverso do leitor e como eu sempre li, sempre gostei bastante de ler, os livros sempre me acompanharam em todos os lugares. Foi muito natural, quando eu precisei me expressar de uma forma artística, que eu procurasse a escrita para fazer esse papel. Então, eu comecei a escrever ali, depois comecei a colocar as coisas na rede social para ter tudo como se fosse um grande arquivo. E o engraçado é que essa ficha continua caindo. Em alguns momentos eu tenho esses cliques: eu sou escritor, né? Por exemplo, quando eu vou na livraria e eu vejo um livro meu, quando estou em alguma feira literária, como em Bento Gonçalves, quando vou a alguma escola igual fui hoje [11/10] e os alunos fizeram trabalhos maravilhosos sobre minha vida, minha curta carreira. Nesses momentos, sim, isso se reacende, eu penso “poxa, sou escritor mesmo”.

SN – Os seus textos são delicados e muitos deles falam com/sobre o amor, com/sobre a paixão pelo outro, com/sobre estar longe do outro. O que te inspira a passar esses (e outros) sentimentos para as pessoas?

ZM – Uma das coisas que eu notei como, ou aquilo que eu gosto de fazer, ou que eu quero fazer, é escrever sobre essas universalidades do ser humano, sobre aqueles grandes temas que atravessam a nossa vida. Sejam o amor, a tristeza, a morte, a solidão, a memória, a saudade, a felicidade. Eu gosto de escrever sobre eles porque são temas riquíssimos e inesgotáveis, e eu posso conversar com todo mundo nessa forma também, porque são coisas que todos nós vamos sentir ao longo da vida, por várias vezes, por isso eu acho que acabei tendo o alcance que tive.

SN – Zack, algumas pessoas têm “dificuldade” em entender a linguagem poética. Às vezes ela é complexa mesmo, mas também, às vezes, ela é tão dilacerante que o leitor prefere não entendê-la. O que a poesia tem de difícil e dilacerante para você?

ZM – Dentro da literatura, a poesia sempre teve uma fama de ser mais difícil, ser mais complicada e as pessoas acabam evitando, sem ao menos conhecer. Isso ocorre muito por causa da linguagem, muito por causa de às vezes as pessoas entrarem na poesia pelos poetas mais intrincados, de outras épocas passadas e tudo mais. Mas eu defendo sempre a bandeira que a poesia é algo muito simples. Temos poetas muito simples. Temos Manoel de Barros, no sentido simples em relação à linguagem. E o que eu mais gosto dela, e eu achei muito legal você colocar na pergunta, essa coisa de dilacerante, é porque ela nos obriga a olhar para si mesmo e isso nunca é muito fácil se a gente for parar para pensar. A gente é muito acostumado a sempre estar olhando ao nosso redor, mas a gente mal se encara no espelho. A gente vê se está tudo bem, se a roupa está boa, se estamos arrumados, mas a gente não se encara, a gente não se conhece muito. E a poesia, ela pega a gente de surpresa, porque você vai estar lendo e de repente algo falou sobre ti, sobre alguma verdade que está dentro de você e  você não estava esperando, como se ela tivesse te golpeado de alguma forma. E eu acho melhor e tento escrever pensando nisso, tento colocar coisas que eu sinto ali de maneira quebrada para me mostrar as coisas que estão quebradas em mim, para que os outros se reconheçam quebrados também e a gente avance juntos e de uma forma muito humana. Eu acredito muito nisso.

SN – O que o Zack gosta de ler e o que não atrai sua leitura? 

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ZN – Eu gosto muito de ler livros de poemas. Gosto muito de ler em geral, mas eu gosto muito de ler poesia, bastante. Também gosto muito de ler contos, é um gênero que eu curto muito. Ainda quero me aventurar nesse lugar do contista. Dentro da literatura, não tem algo que eu falo que não leio. Eu leio tudo. Leio os romances, leio os clássicos. Eu fico por fases, então às vezes eu fico “ah quero ler russos”, daí um tempo depois os argentinos, depois brasileiros, portugueses, e tudo mais. Na verdade, hoje eu não tenho esse problema, mas antigamente eu tinha, que eu tinha que ler os livros até o fim, todos, mesmo aqueles que eu estava detestando. E hoje eu aprendi a superar isso, então é mais aquilo que eu não leio é se eu não estiver gostando de um livro eu paro, não tenho o menor problema de parar. E aí esse comportamento vai com tudo, com os filmes, com as séries, tudo que eu não estou gostando eu não sinto mais essa necessidade de ir até o fim. Mas dentro da literatura eu leio todos os gêneros, eu sou um entusiasta muito apaixonado por todos eles.

SN – O escritor de poesia automaticamente vai gostar mais de ler poesia ou é algo mais “profissional” e o lazer da leitura vem de outras fontes?

ZN – Pelo menos no meu caso, eu acredito nisso. A gente acaba lendo muito daquilo que tem a tendência natural de produzir. Então eu sempre vou primeiro na poesia e também porque o livro de poesia tem características diferentes. Eu acho muito injusto sentar e ler um livro de poesia de uma vez só. Porque dá, é muito curto. Então eu prefiro, às vezes, bem aleatoriamente ler até certo ponto, parar, voltar e começar em um outro dia e depois reler também. A releitura é muito importante porque às vezes alguns poemas que não te pegaram de jeito na primeira vez que você  leu, eles vão, na segunda vez, fazer sentido porque você já é outra pessoa, já passou um tempo e tal. Então, os livros de poesias, eles são os únicos que eu mantenho na estante e alguns clássicos meus que eu gosto muito. O restante, geralmente, eu troco e faço alguma doação também.

SN – Você tem mais de um milhão de seguidores no Instagram, número muito expressivo. E lá e em outras redes sociais você compartilha textos e pensamentos. Porém, muitos críticos defendem que a internet tem ajudado a “matar” a literatura, mas acredito que você e outros escritores ajudam a mudar essa ideia. Para você, como é a relação da internet com a literatura hoje em dia. Ajuda ou atrapalha?

ZM – No comecinho [da carreira] teve muitas críticas, principalmente, de alguns acadêmicos, e eu acredito que, às vezes, nem por mal, mais pelo zelo exacerbado. Mas hoje em dia eu acho que isso diminuiu muito, porque até escritores considerados de um caminho mais clássico já estão nas redes sociais, colocando sua poesia ali. A gente pode pegar ali o Augusto de Campos, Arnaldo Antunes, o Chacal está ali também, que não necessariamente eram críticos, mas eles enxergaram a possibilidade e também a irreversibilidade das redes sociais e da internet como um meio. E eu garanto que se tivessem outros poetas que já partiram, que estivessem vivendo hoje, eles estariam ali também utilizando dessas ferramentas. E até os escritores que não usam para mostrar o que fazem, eles também usam para divulgar seus trabalhos, agendas, seus projetos. Então assim, não há como escapar disso. Eu nunca fiquei muito abatido por isso, mas, evidente que a minha ideia é sempre levar as pessoas para o livro. Eu brinco que ali, a rede social, é o raso – não raso no sentido pejorativo, de maneira alguma, porque todo mar começa no raso e a gente conhece o mar pelo raso – e depois o livro é a profundidade, a possibilidade de passar mais tempo com o leitor. Mas tudo faz parte do mesmo conjunto. É o que eu tento fazer, é chamar, convidar as pessoas para o livro, sempre. 

SN – Para terminar, Zack, como é ser patrono de uma Feira do Livro como a de Bento Gonçalves? O que isso significa para você? 

ZM – Volto na pergunta que você fez aí sobre aqueles momentos que você se sente escritor. Tem sido um desses momentos. Geralmente, quando eu vivo – isso é um hábito meu – algo muito bom, algo muito marcante na minha vida, a primeira noite em que eu vou dormir em casa, que eu penso muito sobre isso, sobre tudo que foi vivido, e eu tenho certeza que vai ser um desses momentos. Tem sido inacreditável ser patrono da feira, andar por aí com esse título, com essa honraria. Estar ao lado do senhor Firmino [Firmino Splendor, autor homenageado da edição] aprendendo, porque a gente fez bastante coisa juntos nesses últimos dias e tem sido maravilhoso. Inesquecível, definitivamente um marco na minha vida, que eu vou guardar por gerações e gerações (risos) dessas vidas que a gente vive numa vida só. É um dos momentos marcantes da minha vida e com certeza voltarei a Bento, voltarei pra cá para participar, rever os amigos que fiz e sempre nesse meio que é maravilhoso, que é o meio das pessoas que amam os livros. Então isso é o que traz sentido a tudo. Quando você vai numa escola e vê alunos falando sobre livros, falando sobre escrita, tendo esse ‘fogo’ aceso pelos professores, pelos bibliotecários e os outros profissionais da educação. Eu acho que aí ganha tudo mais sentido, fica mais reforçado ainda e tem sido um sonho bom no meio de tantas coisas.