Uma história de amor… pelo turismo

Uma história de vida que se confunde com a própria história do turismo em Bento Gonçalves e, mais do que isso, uma história de muito amor pela profissão e pela cidade. Não é à toa que no mês de maio a turismóloga Denise Holleben foi agraciada durante o BNT Mercosul, em Santa Catarina. Mas a atuação dela vai muito além dos feitos reconhecidos através de homenagens desse tipo: já são 18 anos de dedicação.

 


Foto: Arquivo pessoal

Denise nasceu em Bento Gonçalves e aos 13 anos se mudou para Manaus com a família – o pai trabalhava em uma empresa do ramo agropecuário e recebeu a incumbência de ajudar na criação de um Distrito Industrial que desenvolvesse a região além da Zona Franca. A ideia era aumentar o número de empresas, mas, para isso, era necessário levar mão de obra de outros estados e, automaticamente, oferecer condições e infraestrutura para que essa população pudesse trabalhar. “Quando chegamos, existiam basicamente empresas montadoras de relógios. Eram tempos difíceis, não existia produção de alimentos, por exemplo, para consumo em grande escala”, relembra. 

Depois de concluir a 8ª série, Denise ingressou no curso técnico, chamado de “científico” na época. “Após as cadeiras básicas, existiam duas opções: turismo e magistério. Acabei escolhendo a primeira porque diziam que seria a profissão do futuro, já que na época se estudava a reabertura dos cassinos no Brasil, o que seria um grande atrativo, mas acabou não acontecendo. A própria região Norte recebia muitos visitantes, mas a imensa maioria eram estrangeiros, especialmente norte-americanos e europeus”, conta. 


Foto: Arquivo pessoal

 

No final da década de 1970, Denise já atuava como guia e decidiu se especializar. Existiam no país três escolas técnicas em turismo (Manaus, onde ela estudou, Belém e São Paulo) e duas faculdades (em Fortaleza e Porto Alegre). “Cheguei a cogitar cursar Agronomia em função do trabalho desenvolvido pela família. Eu me mudei para a casa de uma tia, em Curitiba, para me concentrar nos estudos. O vestibular era muito difícil naquela época. Acabei optando por seguir na área do turismo e passei na PUC, em Porto Alegre”, relembra. Nas férias, ela voltava para Manaus, onde acompanhava a evolução de um estagiário da agência para quem prestava serviços como freelancer. “Ele começou varrendo a calçada e pouco tempo depois estava fazendo viagens internacionais, sem nenhuma qualificação. Faltava dois semestres para eu me formar em um curso que nem nome direito tinha e aquilo me inquietou: de que valia eu me especializar, fazer faculdade, se somente com dedicação era possível alavancar a carreira? Acabei ‘trancando’ o curso e voltei para Manaus. Alguns anos se passaram, eu casei, tive filhos – Denise é mãe de Tarin e Diogo, já adultos – e seguiu trabalhando como guia. Anos depois de os pais dela, aposentados, retornarem a Bento, ela vislumbrou a possibilidade de oferecer aos filhos novas oportunidades e decidiu voltar também. 

 


Foto: Arquivo pessoal

 

A experiência na área fez com que ela conseguisse um Cargo Comissionado na prefeitura, durante a gestão do então prefeito Darcy Pozza. No final do mandato dele, Denise prestou concurso público e passou. Decidiu terminar a faculdade e, 15 anos depois de ter trancado o curso na PUC, em Porto Alegre, passou no Vestibular da UCS, em Caxias do Sul, em 2º lugar. Hoje, além de técnica em Turismo e Turismóloga, Denise também é Mestre em Turismo.

O turismo em Bento ainda “engatinhava” naquele tempo. “Éramos poucas pessoas na secretaria, que faziam tudo, em todos os setores, desde montar um folder até receber jornalistas ou criar um roteiro turístico. No início foi uma ‘briga’ para que a comunidade entendesse que turismo era sinônimo de desenvolvimento e que poderia gerar ganhos para toda a cidade, não só para os empreendimentos. O Vale dos Vinhedos já estava estruturado, assim como os Caminhos de Pedra, mas faltava uma integração, um esforço para vender a cidade como destino turístico. Era preciso fazer as pessoas entenderem que turismo não era ‘viajar’, que éramos o outro lado, ‘atrás do balcão’”, comenta. 
Um dos momentos decisivos, segundo Denise, foi a criação de um site. “Foi a ferramenta que possibilitou a apresentação de Bento, já que durante algum tempo outros destinos vendiam alguns dos nossos atrativos como complemento deles”, comenta.


A guinada

A consolidação de Bento Gonçalves como uma opção em turismo ganhou grande impulso com a escolha da cidade entre os 65 destinos indutores de turismo no país para serem preparados  para receber as futuras visitas da Copa 2014. Foram alguns anos planejamento, treinamentos, capacitações e  desenvolvimento de novos produtos em todos os segmentos, público e privado. “O futebol era rotina e a Copa transformou o turismo, desde a questão do idioma até a segurança. O evento nos deixou um legado importante em termos de estrutura para receber que foi determinante para alavancar o setor”, analisa. “Importante citar outros marcos, como a criação da marca Bento e do plano me marketing que ordenou todo trabalho de promoção, além do entendimento do enoturismo como um segmento do turismo, assim como saúde, cultura, aventura, entre tantos outros. Estamos em uma grande caminhada que já tem e ainda vai ter muitos outros personagens, cheios de paixão pelo turismo e por Bento”, orgulha-se. “A consolidação de Bento como destino turístico  se deu a partir de todas essas ações, pois, mais que um projeto, foi o reconhecimento da população de Bento de que a cidade também tinha este setor chamado turismo, que era, sim, uma ferramenta de desenvolvimento econômico, e também o reconhecimento do setor em nível nacional de que nós existíamos enquanto destino. Isso mexeu com a autoestima da população. E para o turismo dar certo, é fundamental que a comunidade aceite”, comenta.

Consolidar o turismo exige uma percepção aguçada de oportunidades. E foi o que aconteceu, ainda durante a Copa, quando a secretaria de Turismo, com participação direta de Denise, se mobilizou para tentar fazer com que o vinho oficial do evento fosse brasileiro. “Quando percebi que a primeira opção era por um rótulo importado eu não me conformei. Entramos em contato com vinícolas locais e as que tiveram interesse puderam, por intermédio da secretaria, participar da escolha da Fifa. No fim a escolhida foi a Lídio Carraro, uma das menores vinícolas na época e que hoje é uma referência no setor”, conta. O reconhecimento pela ideia veio em forma de presente: Denise guarda com carinho a garrafa número 1 do Faces, vinho oficial da Copa.

“A Copa foi o primeiro passo, dado com sucesso. O segundo, em andamento, é crescer como destino, especialmente para a América Latina. E estamos no caminho. O fato de o Peru ter convidado Bento para participar de uma feira – e não a iniciativa ter sido nossa – mostra isso”, destaca. 


A muitas mãos

Questionada sobre o cenário do turismo hoje, Denise diz que há muito que comemorar, mas que é preciso manter o foco para seguir crescendo: “Percebemos uma maturidade dos empreendedores e ganhos como um todo. Ainda há muito trabalho, mas, hoje, 20 anos depois de plantarmos a semente, começamos a colher os frutos e podemos afirmar que Bento tem muito mais do que móveis e vinhos: é uma opção completa”, diz, orgulhosa. “O turismo só é feito por muitas mãos. Muita gente antes de mim se dispôs a fazer o turismo acontecer em épocas muito mais difíceis. Embora corra o risco de esquecer alguém, quero agradecer a pessoas como a Márcia Ferronato, a Beatriz Paulus e aos secretários que me permitiram sonhar e construir este sonho – e quase enlouqueceram comigo [risos]: Ivo Da Rold, Ivane Fávero, Emira Dendena, Talise Valduga e Gilberto Durante, além do atual secretário, Rodrigo Parisotto, que é um grande realizador e sonhador obstinado, como eu”, reconhece Denise.


Perrengues

Muita gente acha gratificante viajar a trabalho o tempo todo, mas essa rotina está longe de ser um “mar de rosas”. “Estive em Fortaleza recentemente e não consegui sequer ver o mar. É o que geralmente acontece: a gente viaja um monte, mas raramente consegue visitar o lugar ou aproveitar os atrativos, é ida e volta e, no meio-tempo, muito trabalho”, esclarece. Os perrengues também são rotina. “Em uma feira recente tive que improvisar: eu viajei, mas o material de divulgação ficou retido em Porto Alegre por 72h após um roubo de celulares no depósito. Lá estava eu, sem absolutamente nada para divulgar a região. Fui até o mercado, comprei algumas garrafas de vinho de vinícolas locais e umas taças e fiz acontecer do jeito que deu”, diverte-se. 

As viagens ocorrem semanalmente, conforme um cronograma definido no início do ano. “Entre abril e maio foi uma loucura. Foram 5 eventos em um mês e meio. Passei em casa só para trocar de roupa, basicamente”. Na maioria das vezes, Denise fica fora da cidade entre quarta-feira e domingo – na volta, se reveza nos cuidados com a mãe, Lourdes, de 87 anos, que ainda mora no bairro Caminhos da Eulália. “Somos empregados do empreendedor. Nossa função, enquanto secretaria, é prestar serviço e fazer a frente para atrair cada vez mais visitantes”, comenta.


Série Vida de…

Esta é a 127ª reportagem da Série “Vida de…”, uma das ações de comemoração aos 10 anos do SERRANOSSA e que tem como objetivo contar histórias de pessoas comuns, mostrando suas alegrias, dificuldades, desafios e superações e, através de seus relatos, incentivar o respeito.