Uma nova chance para Charles Fantin

Baleado em um assalto em julho de 2002, Charles Fantin, 30 anos, está tetraplégico e necessita de um respirador artificial para manter-se vivo. A visita de uma equipe médica de São Paulo, coordenada pelo cirurgião torácico Rodrigo Afonso da Silva Sardenberg, reacendeu a esperança de uma melhora na qualidade de vida de Charles e de toda família. Isso porque a implantação de um marca-passo diafragmático, possibilitaria que o rapaz respirasse sozinho. 

O procedimento chega a custar R$ 520 mil (valores praticados em Brasília no início do mês), e ainda não é realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A família de Fantin já solicitou autorização para a 5ª Coordenadoria Regional de Saúde (5ª CRS), que por sua vez encaminhou o documento para a Secretaria Estadual da Saúde, mas ainda não obteve uma resposta. Enquanto o aval do Estado não vem, e desesperançosos em função da burocracia, os familiares buscam na comunidade de Bento Gonçalves apoio para, caso a intervenção não seja autorizada, possa haver a aquisição do equipamento, que custa em torno de R$ 400 mil.

Segundo o médico, a operação é delicada, mas de baixo risco. “Posso avaliar o Charles como um bom paciente. Ele tem grandes chances de poder sair de casa, passear e, com a implantação do marca-passo diafragmático, diminuir as chances de ele ter pneumonia. Enfim, isso significa uma melhora importante na qualidade de vida”, explica. Sardenberg atendeu o SERRANOSSA por telefone durante visita a um menino de Brasília, que no início do mês de dezembro realizou a mesma cirurgia e está, aos poucos, tendo o aparelho de respiração desligado.

O especialista ficou sabendo da situação do bento-gonçalvense através de familiares de um garoto de Caxias do Sul, com o mesmo problema. “O médico veio até a nossa casa no mês de março, examinou o Charles e nos explicou como seria a cirurgia. É nosso maior desejo. O aparelho de respiração precisa estar ligado na tomada o tempo todo, o que faz com que uma simples queda ou falta de luz nos traga grande preocupação e um risco enorme para a saúde dele. Além disso, é sempre complicado sair de casa em função da bateria”, explica a mãe, Iraci Fantin. 

Ela ainda conta que a conexão do aparelho constantemente solta em função de espasmos, o que interrompe o envio de ar e pode sufocá-lo. “A colocação do marca-passo diminuiria os riscos de infecções nos pulmões e de outras doenças ocasionadas pelo acesso direto a bactérias, devido à traqueostomia. Será uma melhora na qualidade de vida do Charles. Ele só perdeu o movimento do corpo, mas a cabeça continua funcionando”, emociona-se.

Melhorias

A família conta que, segundo o especialista, o jovem passaria também a se alimentar melhor e que não haveria mais custo com a manutenção dos equipamentos hoje necessários – máquina de respiração e miniaspirador para retirar as secreções dos pulmões, ambos emprestados pela prefeitura. “Cada canula utilizada na traqueostomia custa em média de R$ 280, mas já paguei até R$ 530 cada. Os aparelhos também passam por revisão todo ano e isso tem um custo elevado”, destaca Iraci. O pai do rapaz, Ivalino, ainda fala em custo-benefício. “Sabemos que é muito caro, mas se formos avaliar o custo que a prefeitura tem com os equipamentos todo ano, em pouco tempo a cirurgia se pagaria”, calcula. Os familiares ainda destacam que caso a intervenção fosse realizada, o aparelho poderia ser utilizado por outra pessoa que necessitar. 

Ao saber da possibilidade da operação, Charles se mostrou bastante empolgado, pois assim poderia estar junto com os antigos colegas de quartel com mais frequência. “Ele gosta de ir a churrascos que os amigos organizam. Neste ano, ele não pôde ficar porque começou a passar mal e logo teve que voltar para casa. Nossa intenção é também, após a colocação do marca-passo, voltar ao Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, para que ele realize uma nova avaliação. Até os médicos estão solicitando que ele vá”, conta a mãe. 

Primeira no RS

Se a operação de Charles for feita, será a primeira no Rio Grande do Sul. O cirurgião torácico Rodrigo Sardenberg viria ao Estado com sua equipe médica e o procedimento poderia ser realizado tanto em Bento Gonçalves, quanto em Caxias do Sul ou Porto Alegre. Segundo Sardenberg, existem outras duas pessoas à espera para realizar a mesma intervenção na região da Serra.

O caso

Em 26 de julho de 2002, por volta das 20h20, a vida de Charles Fantin, então com 20 anos, mudou para sempre. Naquela noite de sexta-feira, o rapaz estava no interior de seu automóvel, junto com a namorada, no Parque de Eventos da Fundaparque, quando foi baleado em um assalto. Ele se assustou ao ser abordado por um homem armado e ligou o carro, mas acabou engatando a marcha à ré e bateu em uma árvore. O assaltante atirou, acertando o pescoço e deixando o jovem tetraplégico. Foram nove meses internado no hospital antes de poder ir para casa, mas conectado em um respirador artificial. 

Hoje Fantin passa boa parte do dia assistindo a filmes e a programas na televisão junto com a cachorrinha de estimação da família. Também utiliza o computador mexendo o mouse com o queixo, técnica que aprendeu em uma das idas ao Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília. Ele pronuncia com dificuldade algumas palavras e o som sai baixinho, além de tomar 14 medicamentos diariamente. “Charles não reclama de nada. Eu e meu marido acabamos nos revezando para cuidar dele durante o dia e a noite. Qualquer movimento e as conexões do respirador se soltam, provocando um apito. Faz dez anos que já não dormimos direito”, desabafa Iraci. 

Autor do crime

Poucos dias após a tentativa de assalto que deixou Charles tetraplégico, o acusado foi detido no município de Rodeio Bonito, distante 400 quilômetros de Bento Gonçalves. Na época, o homem possuía 18 anos e era foragido da Justiça. Ele afirmou estar armado porque sabia que Bento era uma cidade perigosa. Outro homem que participou do crime também foi preso. O autor confesso do disparo foi julgado e condenado a sete anos de reclusão, mas permaneceu na prisão apenas dois anos e hoje vive em liberdade.

Para ajudar

Quem quiser ajudar a família pode entrar em contato através do telefone (54) 3453 3362. Informações sobre a cirurgia podem ser solicitadas através do e-mail rodafs@uol.com.br, diretamente com o cirurgião torácico Rodrigo Afonso da Silva Sardenberg.

Saiba mais

O marca-passo diafragmático consiste em um dispositivo no qual os eletrodos são implantados diretamente nos nervos frênicos (um dos nervos principais do diafragma, responsável por transmitir impulsos motores). Esses eletrodos possuem receptores que captam ondas de rádio geradas por um aparelho externo e as convertem em estímulos elétricos capazes de gerarem contrações diafragmáticas, que impulsionam o paciente a respirar sozinho.

O aparelho está disponível nos Estados Unidos desde meados de 1970 e no Brasil foi liberado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) somente em 2009. Os procedimentos feitos pelo cirurgião torácico Rodrigo Afonso da Silva Sardenberg vêm sendo realizadas no país desde 2010 e já são sete no total. 

Além da vantagem de menor risco de infecções respiratórias, há também maior facilidade de transporte com o aparelho, pois é leve e de fácil portabilidade, além de não depender de rede elétrica para o funcionamento. Ele pode ser utilizado por pacientes com lesões na medula dorsal, apneia do sono central, entre outras situações neurológicas. 

Em média, os pacientes levam entre quatro e seis meses para deixar de utilizar a máquina de respiração artificial.

Reportagem: Katiane Cardoso


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