Unidos pelo amor às letras

A sala à meia luz ambienta o clima de mistério. Com ouvidos atentos, os alunos se deixam envolver pela voz da professora, que não mede esforços para dar vida e dramaticidade ao conto sobrenatural. Quando o capítulo chega ao fim, a reação é unânime. “Profe, conta mais”, reptem em uníssono. É com estratégias como esta – ler “A hora do lobisomem”, de Stephen King, por puro entretenimento – que Fabiane Sassi Caio, de 38 anos, tenta despertar e incentivar o amor pela leitura. 

Ela e o marido, Gilmar Caio, 44 anos, também professor, transformaram em profissão a paixão pelo mundo das letras: além das aulas, os dois têm diversos livros infantis e infantojuvenis publicados. A filha, Isabelle, de 15 anos, também herdou dos pais o mesmo amor. Aos finais de semana, passeios por livrarias são programas frequentes para a família; à noite, um momento de leitura precede a ida para a cama. “Isso é o que mais nos aproxima, o amor pelos livros, pela literatura, pelas histórias. É o que dá sentido à nossa vida, à nossa caminhada”, garante Fabiane.  

Foram os gostos em comum que uniram o casal há 22 anos. Ela cursava magistério, ele já estava na faculdade de Letras – caminho que mais tarde Fabiane também seguiu. O universo das histórias infantis surgiu por acaso, com um projeto de faculdade que Gilmar precisou desenvolver e resultou no livro “Em/cantos da Floresta”. Fabiane ajudou nos bastidores e se empenhou em procurar ferramentas que auxiliassem a contar a história como fantoches, marionetes e elementos para o cenário. 

A experiência despertou o interesse em continuar trilhando esse caminho. Os livros do casal – escritos de forma individual ou em parceria – não se restringem a passar uma moral para os leitores. “Queremos mais do que isso, queremos levar cultura. A leitura tem que ser fruição, prazer,  deleite”, pontua Fabiane, que também encontrou na contação de histórias uma paixão – até para ler em aniversários ela já foi convidada.  

Além do público infantil, eles também têm obras para os mais crescidos, como é o caso de “Qual o mistério?”, que traz contos com essa temática. A inspiração vem de diferentes fontes, seja de leituras que fazem ou das experiências que vivem dentro e fora de sala de aula. Para o desenvolvimento da escrita, eles participaram de diversos concursos literários tanto em Bento Gonçalves quanto em municípios como Veranópolis, Caxias do Sul e Porto Alegre. Eles também se envolveram na elaboração e execução de oficinas literárias de incentivo à leitura e à produção textual. Em 2014, como reconhecimento da trajetória, os dois foram escolhidos patronos da 29ª Feira do Livro de Bento Gonçalves – foi a primeira vez em que o posto foi assumido por um casal. 

Embora os dois ainda sonhem em um dia viver apenas da escrita de livros, admitem que essa ainda é uma realidade difícil no país. Além disso, a profissão tomou conta da rotina – recentemente os dois assumiram nomeações no município e, com isso, o tempo para se dedicar a novas histórias ficou restrito. Fabiane é professora alfabetizadora há 20 anos no Colégio Marista Aparecida e agora também dá aula de Português, Inglês e Ensino Religioso para turmas de 6º e 7º ano na Escola Municipal Professora Vânia Medeiros Mincarone. Gilmar é vice-diretor do Colégio Landell de Moura, onde está há 18 anos e já foi professor de Literatura e diretor, e também leciona na Escola Alfredo Aveline. 

Com a facilidade de ter contato com os livros – seja nas promoções pelas livrarias, pelas bibliotecas, ou até mesmo em ferramentas digitais – o maior desafio é conscientizar sobre a importância da leitura, de criar um hábito, o que é essencial para desenvolver também a escrita e até a oratória. “Eu digo para os alunos: o Neymar é bom porque ele treina todos os dias”, lembra Fabiane, que sempre os aconselha a aproveitar as datas comemorativas para também pedir livros como presente. A literatura é importante ainda para desenvolver a imaginação. “Quando a gente lê, pode se transportar para lugares bem melhores. As crianças que conseguem imaginar se tornam adultos mais desenvolvidos. Quem lê está trabalhando também questões emocionais e psicológicas”, destaca.

Gilmar explica que ainda encontra resistência dos alunos mais velhos quando propõe ler dois livros durante o ano. Ciente da importância de uma leitura de qualidade, para capturar a atenção do aluno, ele aposta em outras ferramentas. Para os meninos que gostam de futebol, por exemplo, as crônicas esportivas podem ser uma boa alternativa. Um de seus livros, “Gooool de Letras”, foi pensado justamente para esse público, com poesias que têm como temática o universo da bola. 

Para os que adoram filmes e séries, Fabiane mostra que a escrita também está presente, seja no roteiro ou nos livros que inspiraram a história. “Tem que começar lendo o que gosta, tem gibis, histórias de terror”, comenta. Ela complementa que a relação com a leitura pode ser pensada como o gosto musical. “Você pode não ir a um show de sertanejo ou de funk por não gostar, mas não quer dizer que não goste de música”, compara. 

Escutar de um aluno que aprendeu a gostar de ler a partir das suas aulas é o que dá motivação para continuar o trabalho. “A gente faz o que gosta, o que acredita que faça a diferença”, garante Fabiane. Apesar dos percalços da profissão, a esperança de ajudar a construir um futuro melhor também  move o casal. “Ao mesmo tempo em que encontramos muitos desafios, a saída é através da educação. Se vemos que está difícil e abandonamos o barco, o que estamos fazendo para melhorar?”, questiona. 


 

Publicações

Entre os livros publicados em conjunto pelo casal estão “Andorinha Dorinha”, “Geovanella e Bartoldo em Terra à Vista”, “Qual o mistério?” e “Peteleco”. Fabiane ainda é autora de “Quem está aí?”, “A menina que sabia voar” e “Álbum de figurinhas”, e Gilmar publicou “Gooool de Letras”, “Menino sem tempo” e “O Consultor de Bento”. 

 

Esta é a 74ª reportagem da Série “Vida de…”, uma das ações de comemoração aos 10 anos do SERRANOSSA e que tem como objetivo contar histórias de pessoas comuns, mostrando suas alegrias, dificuldades, desafios e superações e, através de seus relatos, incentivar o respeito.