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Urgência climática: aumento das temperaturas e chuvas irregulares já são percebidas na região

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Assim como em todo o mundo, as sutis mudanças climáticas na Serra Gaúcha começam a evidenciar a urgência do Poder Público e da sociedade em geral assumir um compromisso verdadeiro com a redução de gases do efeito estufa e com o combate do desmatamento

Pouca chuva deve afetar o calibre dos pêssegos. Conforme o INMET, até o momento choveu apenas 11,6 mm em novembro. Foto: Divulgação/Emater

Nas últimas semanas, a temática ambiental tem tido destaque nos noticiários de todo o mundo devido à realização da 26ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre o Clima (COP26). O evento, que aconteceu de 1º a 12 de novembro, era a esperança de muitos ambientalistas de firmar compromissos eficazes entre as nações para limitar o aquecimento do Planeta Terra em 1,5°C nos próximos anos. Mas assim como demais especialistas da área, o professor de Geografia e coordenador dos cursos técnicos de Meio Ambiente do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), Siclério Ahlert, afirma que, novamente, uma COP não trouxe soluções para o aquecimento global. “Aliás, muito pouco do compromisso assumido em Kyoto [COP3] na década de 1990 foi cumprido até hoje. No Brasil, até hoje não há uma legislação clara sobre créditos de carbono, que foi uma das decorrências de Kyoto. Pouco se resolveu, pois a concentração de gases de efeito estufa continua aumentando”, comenta o professor.

Entretanto, Ahlert avalia que, mesmo que fossem firmados acordos sérios para frear o aumento da temperatura global, não seria possível evitar a previsão de aquecimento em 1,5°C até 2030, conforme previsão da ONU. “Nenhum processo feito hoje, seja de redução do desmatamento ou diminuição das emissões de metano ou outros gases de efeito estufa, terá impacto nessa tendência de aumento da temperatura. Esse 1,5 °C é resultado de tudo que se fez nas últimas décadas”, analisa. “Aguarde 2030 e verá que nada do que foi dito na COP26 foi cumprido”, lamenta o professor.
E os impactos da ação do homem já começam a ser sentidos em todas as partes do mundo. Aqui na Serra Gaúcha, por exemplo, o professor cita que já é possível perceber o aumento nas temperaturas médias e uma maior irregularidade na precipitação, com eventos de secas e de chuva intensa. “Neste ano, esse quadro está sendo influenciado pela La Niña, que causa menos precipitação no Sul do Brasil como um todo”, complementa. Ainda, Ahlert cita a alteração das temperaturas mínimas. “Não faz mais tanto frio durante as madrugadas, inclusive no inverno”, comenta.

Há soluções?

Conforme o professor do IFRS, a solução para frear o aquecimento global envolve uma série de fatores. Entre eles, abandonar o combustível fóssil e agilizar o processo de implantação de matrizes energéticas renováveis em todo o mundo. “O compromisso com uma matriz energética mais limpa deveria ser o primeiro dessa COP”, opina. “Além disso, o modelo econômico de consumo está esgotando os recursos naturais e energéticos. Isso é totalmente insustentável, mas demora para ser revisto e trará impacto social intenso”, complementa.

Ahlert acredita que o primeiro passo seja “não ampliar o problema”, firmando um compromisso com o não desmatamento da Amazônia e do Pantanal e parando de utilizar combustíveis fósseis. “Depois, sim, pode-se pensar na recuperação e reflorestamento de áreas degradadas”, comenta.

E todas essas medidas, em sua visão, devem passar por um engajamento do Poder Público e dos setores produtivos. “E se a gente parasse de subsidiar a indústria petroleira? E desse amplo incentivo à produção de energia limpa?”, reflete.

Impactos no dia a dia

Apesar de as mudanças climáticas serem lentas, já é possível notar os impactos no dia a dia. Na agricultura, a diminuição do frio durante a madrugada “reduz a quantidade de horas de frio necessária para uma boa hibernação de videiras e macieiras”, exemplifica o professor Siclério Ahlert. “Além disso, a escassez de chuva tem impactado muito a produtividade de safras de milho e soja. A menor oferta desses grãos escalou os preços destes nos últimos meses”, recorda.

Outra alteração está na fauna e na flora. Com a mudança climática, os ciclos ecossistêmicos são alterados. “O período de desenvolvimento de um determinado inseto, que é o alimento de uma espécie de aves, é antecipado. Logo, quando aquela ave se reproduz, não encontra aquele inseto que servia de alimento para os filhotes”, cita.
Para o homem, além da escassez de alimentos e do desconforto térmico, o aquecimento do planeta pode ocasionar falta d’água e diminuição da qualidade ambiental.

Perspectivas para o verão

O verão nem chegou e os agricultores da região já estão sentindo os primeiros impactos da pouca chuva. Em meio à colheita do pêssego, os consumidores deverão encontrar nas prateleiras frutas com menor calibre, apesar de apresentarem maior durabilidade, coloração e concentração de açúcar. Outras plantações que deverão sofrer com a pouca chuva são as horelículas. “Evidentemente que, quando se trata de consumo familiar, ainda dá para irrigar. E a grande maioria dos agricultores possuem sistema de irrigação. Mas deverá haver uma pequena redução de produção. Nada alarmante até o momento”, revela o chefe da Emater/Ascar de Bento Gonçalves, Thompson Didoné.
Nos parreirais, Didoné comenta que ainda é cedo para se pensar em prejuízos. A colheita deve iniciar em dezembro, com as espécies superprecoces. “Com certeza a uva está sentindo, assim como todas as frutíferas, mas nada que algumas chuvas mais para a frente não resolvam. É uma planta que se adapta fácil, então se recupera sem problemas”, afirma.

Mesmo assim, o chefe da Emater destaca a importância dos agricultores se planejarem para as mudanças climáticas que se anunciam, alterações que “não terão volta”. “Hoje o agricultor tem acesso a informações sobre o tempo e consegue se planejar melhor dentro da sua propriedade”, comenta. “Além de conseguir evitar situações como ausência ou excesso de chuvas, ele consegue fazer um manejo adequado na questão de pragas e doenças”, continua.
Conforme Didoné, atualmente é possível citar três tendências para o campo que deverão ser seguidas pelos produtores nos próximos anos: o monitoramento da ocorrência de doenças; a rastreabilidade e o manejo integrado de pragas e doenças. Em relação ao primeiro item, o chefe da Emater comenta que já existem no mercado tecnologias capazes de monitorar o ataque, ou não, de doenças e pragas em tempo real. “Isso otimiza a aplicação, ou não, do controle, seja ele químico ou biológico”, explica.

Em relação à rastreabilidade, Didoné cita a exigência do consumidor atual em saber de onde vem a produção, quem produziu e de que forma, “se houve exploração de mão de obra e se utilizou agroquímicos”, exemplifica. “E temos ainda a questão do manejo integrado de pragas e doenças utilizando produtos biológicos, que agridem menos o meio ambiente, os trabalhadores e o consumidor”, complementa.

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