Vida de cake designer

Tomar a decisão de pedir demissão geralmente é algo complicado e que demanda pesar na balança os prós e contras. Mais ainda se você estiver há bastante tempo na mesma empresa e tenha alcançado um cargo de gerência. O que começou meio que por acaso provocou uma reviravolta na vida de Renata Somacal. Cozinheira “fajuta”, como ela mesma se intitula, a Administradora de Empresas pós-graduada em Gestão de Pessoas virou cake designer – ou designer de bolos, em bom português.  

Até abril deste ano, Renata era supervisora do setor de atendimento comercial da Italínea, onde trabalhava havia 16 anos. Há cerca de dois anos, ela começou a decorar bolos “de brincadeira”, para ajudar o marido, Ginei Chesini, que por sua vez havia largado as carreiras de instrutor de autoescola e de supervisor comercial para se dedicar a um ofício que aprendeu com a empresária Maria Helena Valenti: fazer tortas. “Foi tudo meio que por acaso. Quando vagou um espaço na casa da minha sogra, surgiu a ideia de fazer doces como algo extra, para incrementar a renda. O Ginei começou fazendo tortas com ajuda da irmã, Janaíne, e eu comecei a decorar, primeiro bolos que ele fazia para a nossa própria família, em comemorações especiais, depois para amigos e conhecidos. Em um Natal, um dos bolos fez sucesso e as encomendas começaram a chegar”, conta Renata, que tem na pasta americana uma de suas técnicas favoritas e também o maior volume de encomendas.

Autodidata, ela diz que no início procurou inspiração e dicas on-line, em canais como o YouTube. “Hoje mal tenho tempo de acessar a internet, mas ainda assim a rotina está menos corrida”, comenta. Isso porque enquanto tentou conciliar a carreira de gestora com a de decoradora de bolos, chegava a dormir apenas três horas por noite. “A ideia era ficar na empresa até o final deste ano, mas chegou em um ponto em que não deu mais. Eu trabalhava até as 17h, depois emendava o expediente em casa até de madrugada”, relembra Renata. A ansiedade de alguns clientes também tornou inviável manter os dois ofícios. “As pessoas chamavam via WhatsApp e eu não respondia porque estava trabalhando. Aí mandavam mensagem via Facebook, SMS, ligavam no celular e até na empresa. Eu era responsável pela gestão de seis colaboradores e precisava dar o exemplo. Por isso, achei mais justo tanto para a empresa quanto para mim tomar a decisão de sair”, argumenta.

E não é para menos: hoje ela faz entre 40 e 50 bolos decorados com pasta americana por semana. “Isso dizendo muitos ‘nãos’ e sem contar todas as outras demandas, como cupcakes, popcakes e doces especiais”, garante. O segredo? A união do sabor, garantido pelo marido e pela cunhada – “não sei cozinhar nada”, admite Renata – com o capricho da decoração. “Eles usam a mesma técnica para fazer um bolo com cobertura comum e eu cubro com pasta americana, por isso a massa fica úmida e gostosa, não ressecada como os bolos tradicionalmente decorados com essa técnica”, ensina. O principal desafio é lidar com a umidade típica da Serra. “Em épocas muito úmidas é bem complicado trabalhar com a pasta americana. O trabalho leva o dobro do tempo porque a massa não seca como deveria. Fora isso, é bem tranquilo. Ultimamente foram tantos desafios que superamos que não tem mais nada que consideremos difícil”, garante Renata. Outro aspecto típico da região é algo bem perceptível no trabalho da designer de bolos. “O pessoal daqui tem o hábito de não valorizar a mão de obra e de reclamar do preço, mas faz parte”, comenta.

Expedientes de 22h

Embora a demanda exija expedientes diários de 12h – que chegam a 22h entre sexta e domingo – a ideia é manter a pequena fábrica familiar. “Até temos intenção de contratar alguém porque vai chegar uma hora em que não daremos mais conta, mas tem que ser uma pessoa que realmente tenha a paciência e a dedicação que o trabalho com pasta americana exige”, diz Renata, ao mesmo tempo em que concorda com Ginei em relação ao receio de que a empresa perca seu caráter artesanal. “Somos muito metódicos e dedicados. Se o bolo ficou um pouco torto, desmanchamos tudo. Precisa estar excelente”, comenta Ginei.

Outra preocupação do casal é o bem-estar da filha Isadora, de quatro anos. Por se tratar de um produto perecível, são poucas as etapas que podem ser adiantadas durante a semana, por isso o acúmulo de trabalho às sextas-feiras e sábados. A solução foi improvisar um colchão para pequenos períodos de descanso e criar um ambiente para que Isadora pudesse ficar aos cuidados da avó paterna enquanto os pais trabalham. “Se tivesse que deixá-la em algum lugar distante ou com algum estranho não daria certo. Assim, estamos trabalhando, mas perto dela”, diz Renata.

Clientes de todos os tipos

O grande volume de encomendas fez com que Renata se acostumasse a diferentes perfis de clientes. “No caso das festas de 15 anos, a principal dificuldade é a divergência de gostos entre as mães e as aniversariantes. As noivas são as mais ansiosas e as que encomendam com maior antecedência [ela já tem pedidos até agosto do ano que vem]. Já os bolos infantis são aqueles nos quais eu mais me divirto, em que é possível dar asas à imaginação”, conta. Entre os mais inusitados que ela já decorou está uma Maria Fumaça comestível, feita para o aniversário da Giordani Turismo. “Em duas pessoas, levamos mais de 12 horas para decorar o bolo. Na hora da entrega, quase não entrou no carro, de tão grande”, relembra, orgulhosa. Além das tortas comestíveis, Renata produz os chamados “bolos fakes”, que são alugados para o dia da festa e depois devolvidos. “Tudo com pasta americana mesmo, nada de E.V.A. ou tecido”, garante.

Divulgação

A divulgação do trabalho por enquanto é feita em duas frentes: no “boca a boca” e nas redes sociais. “Temos recebido pedidos de outras cidades, como Caxias e Farroupilha. Acabamos fechando parceria também com algumas casas de festas, entretanto nunca estivemos pessoalmente em nenhuma delas, foi tudo por indicação de pessoas que conheceram nosso trabalho e aprovaram.

De festa em festa, Ginei e Renata seguem se dedicando à arte de fazer as pessoas felizes por meio da confeitaria. “Se ganharmos na Mega Sena, ainda assim seguiremos trabalhando”, diverte-se Ginei, garantindo que fez sua aposta pouco antes da entrevista.

Esta é a 37ª reportagem da Série “Vida de…”, uma das ações de comemoração aos 10 anos do SERRANOSSA e que tem como objetivo contar histórias de pessoas comuns, mostrando suas alegrias, dificuldades, desafios e superações e, através de seus relatos, incentivar o respeito. 

Enviar pelo WhatsApp:
Você pode gostar também