Vida de quem teve coragem de largar tudo e mudar de país

Muita gente está vendendo tudo, fazendo as malas e indo para o aeroporto só com passagem de ida. De acordo com a Receita Federal, pouco mais de 18,5 mil brasileiros deixaram o país em definitivo no último ano, mais do que o dobro dos quase 8 mil que foram viver no exterior em 2011. Na região, não são raras as histórias de pessoas que foram embora em busca de novas oportunidades e de uma vida melhor. Em entrevista ao SERRANOSSA, três bento-gonçalvenses e uma garibaldense que moram em outros países relataram como é viver tão longe de casa e os motivos que as fizeram partir.

“A qualidade de vida na Alemanha impressiona”

O porto-alegrense Vinícius Junges da Costa e a esposa, Alexandra Costi, de Garibaldi, tomaram uma decisão drástica: deixar o Brasil. Era fevereiro de 2015, três meses depois do casamento deles. Alexandra conta que a vontade de mudança foi o que motivou a decisão: “eu e meu marido trabalhávamos em um banco e estávamos descontentes, querendo mudar de emprego, de ramo ou até mesmo de vida. Pensamos por um longo tempo sobre o que iríamos fazer e decidimos por largar tudo e ir morar em outro país. Como meu marido tem cidadania alemã, optamos pela Alemanha, além, é claro, pelo fato de ser um país superdesenvolvido, com muitas possibilidades de emprego, qualidade de vida e segurança”. 

Alexandra conta que a principal dificuldade, mesmo passados três anos, é o idioma. “O alemão é uma língua muito complicada e, para mim, descendente de imigrantes italianos, muito mais. E essa história de que você consegue se virar apenas com o inglês só funciona se você for turista. Quem vive em um país com outra língua tem que aprendê-la, caso contrário, não consegue se integrar nunca”, comenta. O único arrependimento, conta Alexandra, é de não ter se mudado já sabendo falar alemão. “No início foi muito difícil e ter aprendido a língua no Brasil teria ajudado muito”, diz. 
Entre as vantagens, Alexandra cita segurança e qualidade de vida como as maiores. “Aqui uma mulher pode andar sozinha à noite sem se preocupar, pode pegar ônibus, andar com a bolsa sem ter que se agarrar a ela. Claro que existem cidades que são exceções, mas a maioria delas é muito segura. A qualidade de vida também é algo que impressiona, assim como a educação das pessoas. Reaprendi a utilizar o ‘por favor’ e o ‘obrigada’, pois no Brasil se perdeu esse costume”, conta.
Além do tempo necessário para se adaptar e se integrar, Alexandra conta que uma das principais diferenças para o Brasil é a frieza do povo. “Fazer amizade com um alemão leva muito tempo. Eles precisam confiar muito em você para se abrirem a um relacionamento mais profundo. Sinto falta desse calor humano e dessa alegria que temos no Brasil”, detalha. 
Se Alexandra e Vinícius pretendem voltar a morar no Brasil um dia? “Essa pergunta ainda é muito cedo para responder. Sentimos muita falta das pessoas que deixamos no Brasil: família e amigos. Mas, sabendo como está a situação no Brasil, não temos vontade de voltar. Se as coisas melhorarem, aí sim, podemos pensar. Senão ficamos por aqui ou também podemos ir para outro país. Dizem que o primeiro movimento é o mais difícil e isso já fizemos. Agora para mudar para outro lugar não precisa muito esforço”, garante.

 

“Encontramos tudo o que vínhamos buscando”

Há dois meses, Eliane Zanluchi, o marido, Marcos Sandrin, e a filhinha deles, Isadora, de três anos, trocaram Bento Gonçalves por Dublin, na Irlanda. Uma vida em outro país, outra cultura e uma nova realidade sempre foram tentadoras. Mas, de acordo com Eliane, uma decisão definitiva foi tomada, especialmente, “devido aos limites impostos pelo Brasil, nos últimos anos, em relação à nossa liberdade/segurança, oportunidades práticas de aplicação do nosso conhecimento e crescimento e também para ficarmos mais próximos como família”, explica.
Até o momento, o lugar e a escolha de ir embora de Bento têm se mostrado assertivos. “Estamos felizes. Moramos em um bairro muito bom, em uma casa incrível para as nossas necessidades e com comércio próximo. Além do centro, que é pertinho e oferece tudo que uma capital europeia pode ter de bom”, comenta.

Ela conta que o maior “problema” que eles enfrentaram até agora é o atraso dos ônibus, que pode chegar a 10 minutos. “Juro que tem pessoas que reclamam disso. Eu não, claro. Ainda estou na fase da paixão e está tudo certo na minha relação com a cidade”, brinca. “Apesar disso, é o transporte público que nos dá liberdade e contato com a rua e com diferentes pessoas todos os dias. Talvez quando começar a chover e a nevar, a gente mude de ideia. Por enquanto é verão, e não pegamos nem uma chuvinha sequer em dois meses”, complementa.
Embora ainda estejam encantados com o padrão de vida europeu, Eliane comenta que nem tudo é perfeito. “O custo de vida em Dublin é altíssimo. É a cidade considerada a mais cara da Europa para expatriados. Eu diria até que aqui não é para amadores”, alerta ela, que elenca algumas dicas importantes para quem quer mudar de país: “O mais óbvio: ter um bom inglês para se comunicar e vir muito preparado profissionalmente, com indicação ou com um emprego garantido. Caso contrário, a chance de não conseguir se manter é altíssima, pois a maioria das vagas abertas para quem não tem preparo pagam pouco e garantir um salário bom para a família viver bem é muito importante. O aluguel é muito mais caro do que no Brasil, mercado, luz e impostos são muito altos também, mas esses são segmentados, então são mais justos e você vê o retorno do que paga”, afirma a nova moradora de Dublin. 
Os planos da família é ficar por muitos anos na Europa, embora tenham que driblar a saudade de quem ficou no Brasil. “A saudade é algo bem presente. Mas quando lembro do porquê estamos aqui e o quanto esse caminho foi único para nós, vai passando”, garante. “E, caso não for mais suficiente o que tivermos aqui, seguiremos em busca da nossa felicidade sempre, onde e como for! O importante será acreditarmos no que estamos vivendo”, afirma.

“Embarcamos com o propósito de viver intensamente cada momento dessa experiência”

Morar em outro país nunca esteve nos planos de Silvana e Thiago Garbin. Mas viver uma vida mais simples e leve mostrava-se algo cada dia mais necessário para o casal. Há um ano, eles deixaram suas vidas em Bento para trás e partiram para a Itália. 
Na prática, a Itália surgiu através do irmão de Silvana e seus estudos da árvore genealógica da família objetivando o reconhecimento da cidadania italiana. “Acabei me envolvendo bastante na interminável busca de documentos e toda a parte burocrática que compreende um processo de cidadania. Enquanto isso, eu e o Thiago resolvemos negociar o apartamento porque a ideia era aumentar a família em breve e precisaríamos de um lugar maior. Foi nesse meio tempo, entre acertar a documentação e a venda do imóvel, que cogitamos a possibilidade de encaminhar os papéis da própria Itália, com duas grandes vantagens: um processo de reconhecimento mais rápido e uma temporada vivenciando o país”, conta Silvana.

Thiago é cozinheiro, um apaixonado por temperos, crescido em meio às panelas e muita massa fresca que seus pais produzem há mais de 12 anos em Bento. E essa oportunidade de experiência foi o que fez o coração bater mais forte e mudar o rumo dos planos do casal. “Essa jornada exigiu tempo (leia-se paciência), organização (que nunca tinha fim) e um punhado enorme de decisões difíceis (mais conhecido como ‘vida adulta’). E mesmo assim, tudo ainda era muito surreal para nós dois. Tivemos um fim de semana bem especial junto das nossas famílias antes de partir, mas fazer as malas com a nossa afilhada Giulia (que consideramos uma filha) dizendo que sentiria muita falta da gente, com uma lágrima caindo daquele par de olhos que eu amo além da vida foi o grande estalo”, comenta Silvana.  “Embarcamos apenas com o propósito de nos permitir viver intensamente cada momento dessa experiência, independente do tempo que ela durasse”, garante a bento-gonçalvense.
Para ela, o bom de viver em outro país é entender que todo lugar tem seus problemas. Ela conta que os grandes impactos da chegada foram o fuso horário – são cinco horas de diferença nessa época do ano –, o idioma, a moeda e os costumes. Embora o choque inicial, o “dolce far niente” e o tanto que o italiano preza pela qualidade de vida ganhou o coração do casal. “Os parques e praças são sempre muito movimentados até altas horas. Aqui, o pessoal também adora se reunir no bar e, independente do horário e temperatura, spritz, vinho e café são os queridinhos. Enfim, a Itália vai muito além da pizza e gelato. Cada uma das 20 regiões tem suas particularidades, seja na gastronomia, na beleza ou nos costumes”, comenta Silvana, que mora em Piemonte, região norte do país.
O casal, que coleciona bons momentos e divulga nas redes sociais, afirma que a possibilidade de voltar ao Brasil não é descartada. “Apesar da situação crítica no Brasil, a nossa decisão não teve relação direta com isso, aliás, a gente segue na torcida para que esse cenário melhore. Mas antes de pensar na volta, eu e Thiago ainda temos alguns planos aqui pela Europa. Além dessa experiência profissional dele trabalhando em um restaurante e dos estudos nos quais estou tendo a oportunidade de mergulhar, ainda temos um projeto pessoal nosso que, assim como uma boa pizza, sairá do forno no tempo certo”, comenta.

“Aqui as oportunidades são melhores que no Brasil”

Apegada à família, estudiosa e dedicada, Gabriela Bertol apaixonou-se pela Europa quando foi passar as férias com o namorado, Felipe Durli, que morava em Milão, na Itália. Só 40 dias foram suficientes para ver quantas oportunidades ela poderia viver no país. “Logo quando voltei para o Brasil, soube que alguma coisa iria mudar e resolvi fazer aulas particulares de italiano. Eu queria muito ir morar na Itália, mas não queria deixar, em primeiro lugar, a minha família, porque nós sempre fomos muito unidos e apegados, e também não queria largar a faculdade. Na verdade, é que eu não tinha muita coragem para mudar tudo assim, por mais que eu quisesse”, confessa.
Mas quando as coisas têm de acontecer, elas simplesmente acontecem. Dois meses depois de voltar das férias da Itália e ficar no dilema de se mudar ou não, a PUCRS, onde ela estuda, lançou um programa de duplo título entre Brasil e Itália, e ela correu para se inscrever. “Na verdade, quis desistir no meio, porque tinha muita gente interessada e eles avaliavam notas, currículo e ainda tivemos que falar em Italiano, porque é claro, era um pré-requisito. Para a minha surpresa, eu passei. E em primeiro lugar! Foi aí que percebi que não precisava mais ter dúvidas”, conta Gabriela, que ganhou um ano de faculdade em Parma. 

Há mais de um ano vivendo na Itália, Gabriela destaca a segurança como a principal vantagem de morar no país. “Aqui eu saio sempre a pé ou de bicicleta, a qualquer hora do dia, e sei que dificilmente vai acontecer alguma coisa, e, se acontecer, certamente não vai envolver nem mesmo arma de fogo. Serão pequenos furtos”, afirma. Sobre a qualidade e o custo de vida, a diferença, para ela, é “gritante”. “Os mercados são muito mais baratos. Toda semana tem promoções de tudo. Consegue-se vinhos bons, por exemplo, por 1,90 ou 2 euros. Para quem quiser comprar um carro, existem usados e bons  por menos de mil euros, e, se a ideia for um novo, por 8.000 euros. Que carro a gente compra com R$ 8 mil no Brasil?”, questiona.
Outro ponto positivo para Gabriela é o sistema público de transporte. “De uma cidade a outra se vai de trem, com preços bons e com uma variedade grande de horários. Dentro das cidades dá para usar metrô ou ônibus. Porém, a maioria das pessoas aqui, mesmo que usem transporte público, têm bicicleta e vão de um lado a outro assim. Eu, por exemplo, vou para a faculdade, para o trabalho, por tudo, sempre de bicicleta, só uso ônibus se for muito longe”, conta. 
Sobre a faculdade, Gabriela comenta que a maioria de seus colegas italianos já fez intercâmbio e inclusive teve a possibilidade de realizar estágio em outros países. “Eu mesma recebi e-mail da faculdade daqui falando sobre vagas para estágio na França. Acho que por se tratar de Europa, as oportunidades são muito mais amplas”, acredita Gabriela.
Outro detalhe curioso sobre a faculdade é que os alunos não são obrigados a frequentar as aulas e fazer as provas escritas com base nelas. “Aqui as provas são todas orais e os estudos são com base nas indicações dos livros dos professores. No início foi bastante difícil, mas depois eu me acostumei e vejo que é um modo através do qual aprendo muito”, conta. 
Gabriela agora se prepara para voltar para o Brasil. “Como eu optei por fazer esse programa de duplo título, tenho que voltar para terminar mais um ano e meio da faculdade no Brasil. É uma regra. Quando terminar, recebo os diplomas dos dois países”, explica.
Depois disso, Gabriela estará livre para decidir onde escolherá morar. “O que vai ser do futuro irá depender das oportunidades da vida. Mas confesso: ainda nem voltei ao Brasil e já estou com saudades da Itália”.