Série especial: vida de tradicionalista

Aos 58 anos, Adiles Rodrigues de Freitas faz questão vestir a bombacha e usar lenço vermelho no pescoço e guaiaca na cintura – no seu guarda-roupa são mais de 20 bombachas e apenas três calças. Ele evita o traje somente quando sabe que pode não ter boa receptividade em determinado ambiente. Nas próximas semanas, até o dia 20 de setembro, Freitas prestigiará praticamente todas as atrações realizadas no Parque Municipal de Rodeios General Bento Gonçalves da Silva, no bairro Cruzeiro – local que, com muito orgulho, ele ajudou a construir. Adiles é, inclusive, o homenageado dos Festejos Farroupilhas deste ano.

Ele foi o primeiro presidente da Associação Bento-gonçalvense da Cultura Tradicionalista Gaúcha (ABCTG), fundada em 1996, cargo que permaneceu até 2011. Atualmente é vice-presidente da entidade. De 1998 a 2001, foi coordenador regional da 11ª Região Tradicionalista do Movimento Tradicional Gaúcho (MTG) e de 2008 a 2016 exerceu o cargo de conselheiro-diretor. É sócio jubilado do CTG Laço Velho e ostenta o título de sócio benemérito dos CTGs Gaudério Serrano, Laço da Amizade e Alvorada Gaúcha. Além disso, presidiu a comissão executiva do 64º Congresso do MTG, realizado em Bento Gonçalves em 2016, e foi um dos principais responsáveis pela organização da edição seguinte – em 50 anos foi a primeira vez que um município sediou dois congressos consecutivos. 

Apesar das amizades feitas em todo o Rio Grande do Sul por conta do envolvimento com o MTG, Adiles comenta que teve que abdicar de muitas questões pessoais por conta das diversas viagens para participar dos eventos, além de alguns pequenos atritos por conta do seu temperamento. “Arrumei muita encrenca por ser um cara muito franco, eu não tenho papas na língua para falar o que eu quero. Sou bocudo, mas se perceber que estou errado sou humilde de me desculpar”, argumenta. Ele até já tentou se afastar do tradicionalismo, mas não conseguiu. “Está no sangue”, garante. O amor veio de berço: o pai era tropeiro, natural de Soledade, e depois de uma tropeada passou a morar em Fazenda Fialho, distrito do município de Guaporé, onde Adiles nasceu. Quando ele tinha seis meses, a família mudou-se para Bento Gonçalves e começou a frequentar o CTG Laço Velho – na época ainda sediado na praça Centenário, no Centro. 

Herança para a vida

Além disso, na casa da família havia um galpão onde criavam cavalos e recebiam visitas de jovens da vizinhança para ver os animais e tomar chimarrão. “Meu pai, enquanto vivo, formou muitas pessoas que hoje gostam de tradicionalismo. A gente herdou isso”, relata. Mas, ao invés de apenas participar do movimento, como o pai, ainda na juventude Adiles envolveu-se com cargos de diretoria. Conforme sua avaliação, o seu pai lhe ensinou a parte bruta e Álvaro Machado de Mesquita – homenageado na programação de 2015 – o “poliu”. “Eu era muito bravinho, muito espoletinha e ele me dizia que não era assim, que era preciso ir com calma. Fui escutando muito ele, consegui me reciclar e estou aí, vamos continuar trabalhando”, explica.
Adiles foi fundador e patrão por vários anos do CTG Herança de Bravos (hoje extinto), envolvendo-se na realização do Primeiro Encontro de Invernadas, realizado no Parque da Fenavinho. No local onde hoje existe o Pavilhão E, como não existia cancha, foi cercada uma área para realização de uma gineteada, única atração na parte campeira, sendo que a parte artística foi completa. 

Devido ao sucesso do evento, que seguiu se repetindo, uma cancha foi construída no local e o primeiro rodeio crioulo em campo aberto foi realizado, na época um acontecimento para a cidade. Nos preparativos para a oitava edição, Adiles foi o único dos cinco patrões ali presentes que contrariou a tradição de escolha de políticos para presidir a atração. “Eu era jovem e metido”, lembra, contando que acabou sendo escolhido para o cargo e promoveu melhorias na infraestrutura especialmente por conta da programação. “Entraram 62 mil pessoas pagando ingresso”, recorda. 

A necessidade de modernizar o Parque da Fenavinho para a realização das feiras obrigou que eles deixassem o espaço na década de 1990. A ABCTG começou então a busca por uma nova área. “Conheci lugares que eu nem sabia que existiam em Bento”, relata. O local onde hoje é o Parque Municipal de Rodeios foi adquirido com recursos da prefeitura e da Movergs. “Todo mundo nos cobrava porque tínhamos entregado o parque lá na Fenavinho e nos culpavam por não ter outro local para fazer”, conta. A construção do espaço iniciou em 2001, com inauguração em 2004. A estrutura é administrada pela ABCTG. 

Reconhecimento

Embora acredite que haja outras pessoas que mereceriam mais a homenagem do que ele, Adiles reconhece os frutos do seu envolvimento com o tradicionalismo. “Duvido que hoje teria gente que tivesse coragem de fazer o que a gente fez no passado”, avalia, citando e destacando também o envolvimento de nomes como Álvaro Machado de Mesquita, Iraci Dalla Valle, Grimar de Jesus de Freitas, Beatriz Cusin, Lourenço Cusin Neto, Arduino Reginato, Ivete Dalla Valle, Renato Gabana, Ivo Da Rold, Nelto Scarton e Darcy Pozza.
Antes de estourar os ligamentos do joelho jogando futebol, Adiles gostava de participar de cavalgadas para São Gabriel, André da Rocha e até Santa Catarina. “Era bem bom. Tirava dez dias de folga e saía, dormindo nos galpões”, recorda. Além do envolvimento com o tradicionalismo, ele faz móveis rústicos e é empresário do grupo Tropilha Gaviona, do qual o filho Luciano, de 35 anos, faz parte – ele também tem outra filha, Luciana, de 30 anos. “Trabalho que nem boi emprestado”, brinca. Antes disso, durante 32 anos trabalhou em uma transportadora – sendo carreteiro por 16 anos e posteriormente atuando na parte comercial. 

Adiles é um ferrenho defensor da manutenção das tradições e é contra alguns modernismos que alguns mais jovens tentam implantar – seja nas vestimentas ou na questão musical. “Nós estamos falando de tradicionalismo. Enquanto os mais velhos conseguirem manter a chama acesa da tradição, dificilmente alguém vai mudar”, avalia. 

Esta é a 43ª reportagem da Série “Vida de…”, uma das ações de comemoração aos 10 anos do SERRANOSSA e que tem como objetivo contar histórias de pessoas comuns, mostrando suas alegrias, dificuldades, desafios e superações e, através de seus relatos, incentivar o respeito.