Vidas afetadas pela violência
Era uma manhã de sábado, no dia 13 de abril, e Sully Carolina Wille Knob, de 23 anos, preparava-se para mais um dia de trabalho. Chegou cedo, abriu as portas da empresa e iniciou as tarefas do dia. Foi quando o primeiro cliente entrou. Sempre simpática, ela abriu um sorriso, mas ele não durou muito: não era um cliente, mas um jovem portando uma faca e anunciando um assalto. A ação durou poucos minutos, mas o suficiente para transformar a vida da jovem trabalhadora.
De acordo com o subcomandante do 3° Batalhão de Policiamento de Áreas Turísticas (3º BPAT), major Luis Fernando Becker, em Bento Gonçalves as ocorrências de roubo (crime que consiste em subtrair coisa móvel pertencente a outra pessoa por meio de violência ou de grave ameaça) apresentaram uma queda significativa nos índices entre janeiro e setembro deste ano, em comparação ao mesmo período de 2019. “Analisando os crimes de roubo, em todas as suas modalidades – a estabelecimento comercial, de veículo, a pedestre, a coletivo/táxi e a residência), a redução chega a 50% em 2020. Quanto aos furtos, a redução também é significativa, chegando a 50,7% em relação ao mesmo período do ano anterior”, garante o major. Embora o número de assaltos tenha reduzido, quem vive a experiência dificilmente esquece.
Sully lembra com frequência da violência que sofreu, especialmente porque o bandido segue solto e ela o vê circulando pelo centro da cidade. “Passou um mês e não conseguia nem ver uma pessoa me olhando que já pensava que ia ser assaltada”, relata. “Comecei a fazer terapia para tratar meu pânico, mas infelizmente vejo o bandido quase todos os dias no centro. Meu trauma está bem intacto, pois toda vez que o vejo, começo a tremer”, revela ela, que já fez 24 sessões com uma psicóloga.
Ameaças e arma na cabeça
Bruna Ghisleri Borges, de 27 anos, passou momentos de terror em 2009 e as imagens do dia ainda estão presentes na sua vida. Ela estava prestes a fechar a lanchonete que comandava no bairro Ouro Verde quando um bandido entrou e rendeu ela, a mãe, a irmã e um cliente. “O homem mandou nós quatro para a cozinha e nos fez deitar no chão. Ficou o tempo todo ameaçando e pedindo onde estava o ‘dinheiro grande’. Eu me desesperei porque sabia que não tinha muito dinheiro. Ele chegou a colocar a arma na minha cabeça e gritou: ‘cala a boca se não eu estouro os teus miolos’. É muito tenso, o medo é indescritível na hora”, relata. Alguns minutos depois, o homem foi embora deixando um rastro de medo e insegurança.
Bruna Borges teve seu estabelecimento invadido e a arma apontada contra si
O modus operandi dos bandidos geralmente é muito parecido: surpreendem as vítimas que estão distraídas ou vulneráveis, roubam, ameaçam e, poucos minutos depois, vão embora. Juliana Vieira, 34 anos, estava com três amigos dentro do carro, esperando outros dois colegas, quando dois jovens anunciaram o assalto – um estava com uma faca e o outro com uma arma. “Eles pegaram tudo que puderam, um era mais calmo o outro bem nervoso, o que dava ainda mais medo. Foram poucos minutos, mas o sentimento que ficou dura até hoje”, comenta. “A sensação é de impunidade, é de que esses bandidos sabem que podem fazer qualquer coisa e nada acontece com eles”, desabafa. Juliana ficou meses sem conseguir sair de dentro de casa. “Chorei muito, muito mesmo, de tristeza e decepção pelo sistema que a gente vive”, relembra.
Sequestro
Se ter o espaço invadido e seus bens levados com uso de violência e ameaça já é traumático, imagina a experiência de um sequestro. Foi o que aconteceu com Thaize Moresco Peruffo, de 29 anos. Em junho de 2015, em plena luz do dia, às 16h30, ela foi abordada por dois homens. “Quando eu entrei no carro, a dupla entrou comigo. Um deles me jogou para o banco do carona e eu tentei fugir e gritar por socorro, mas o outro que estava no banco de trás me puxou e me manteve imobilizada”, relata. “Eles andaram em direção ao bairro Tamandaré [Garibaldi] e, quando chegamos no entroncamento com a RSC-453, cruzaram em direção a uma comunidade. Naquele momento achei que iriam me matar, mesmo não vendo nenhum tipo de arma, eles me ameaçavam durante todo o percurso. Passaram cerca de 20 minutos entre o horário em que fui rendida e o momento em que me soltaram e fugiram com o meu carro. Esses minutos pareciam horas”, conta.
Thaize Peruffo lembra do dia em que foi sequestrada por 2 bandidos
Depois da libertação, a sensação foi, segundo ela, “de alívio e gratidão” por nada pior ter acontecido, mas o sentimento de impotência “foi gigantesco”. “Eu chorei muito nos primeiros dias, tinha pânico de chegar perto da porta do motorista do carro, parecia que tudo aconteceria novamente. Levei pouco mais de três meses para conseguir voltar a dirigir. E hoje ainda tenho um pouco de medo em estacionar na rua, evito o máximo. Dou preferência por frequentar estabelecimentos com estacionamento próprio, ou utilizar estacionamentos pagos”, conta.
Tratamento
A psicóloga Renata Rigon Cimadon explica que, após uma pessoa ser assaltada, é muito comum que ela apresente um estado de choque ou estresse, podendo ocorrer também um sentimento de perseguição e desconfiança, assim como medo e ódio pela situação vivida. Porém, é esperado que depois de alguns dias ou semanas esses sintomas diminuam ou cessem. “Um assalto pode ser considerado uma situação traumática que tende a ligar-se com outros elementos traumáticos ocorridos na vida do sujeito. Mesmo que tenham sido danos menores, esses passam a ser reativados pela situação presente. É justamente por isso que diferentes pessoas passam por uma mesma situação e são afetadas de formas distintas”, explica a profissional.
A psicóloga Renata aconselha tratamento para quem não supera o trauma
Caso persistam os sintomas e as sensações, o ideal é sempre buscar ajuda psicológica. “Nas sessões ela pode falar e elaborar o ocorrido, gerando maior alívio e tendo uma compreensão maior da situação e do que ela mobilizou internamente no seu psiquismo”, complementa Renata.