Vinho nacional no meio de polêmica
Nos últimos dias, o setor vitivinícola está envolvido em polêmica que ganhou repercussão internacional. Tudo porque o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) deu início a estudo para avaliar a necessidade de implantar ou não políticas para proteger os vinhos brasileiros, as chamadas salvaguardas. A medida mais provável é a criação de cotas para importações. O aumento na tributação dos rótulos estrangeiros, outra alternativa, já foi descartado. Mesmo que ainda não haja uma definição, o anúncio do estudo teve repercussão negativa entre sommeliers, chefs e importadores. Descontentes com o procedimento, os profissionais iniciaram um boicote nas redes sociais que teve como resultado imediato a decisão de alguns chefs do centro do país de retirar rótulos nacionais dos seus restaurantes.
O estudo atende reivindicação de entidades representativas do setor – Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), Federação das Cooperativas do Vinho (Fecovinho) e Sindicato da Indústria do Vinho do Estado do Rio Grande do Sul (Sindivinho) – que veem como desleal a concorrência entre os vinhos finos verde-amarelos e os importados, sobretudo em relação à carga tributária. No caso dos vinhos de mesa, o mercado é dominado amplamente pela produção nacional. Nenhum vinho de mesa estrangeiro entra no país, apesar de não haver restrição. O mercado de espumantes também tem forte presença dos rótulos nacionais, mas representa uma fatia pequena da sustentabilidade do setor vitivinícola do Brasil.
O pedido de salvaguarda divide opiniões e levanta inúmeros questionamentos. Há quem acredite que seja uma atitude radical do setor, entretanto o Ibravin segue com o posicionamento e conclui que houve interpretações erradas sobre os fatos. “Estamos apenas usando um instrumento legal de defesa. E se nos defendemos, é porque estamos sendo atacados. Queremos e pedimos a desoneração da carga tributária do vinho ontem, hoje e sempre”, afirma o diretor-executivo do Ibravin, Carlos Raimundo Paviani.
A salvaguarda não é vista como uma “dádiva”. Caso concedida, o setor terá que implantar medidas de ajuste, principalmente estruturantes, que o torne mais competitivo. “Este será o legado. A melhora da competitividade possibilitará produtos com mais qualidade, custos menores e preços acessíveis ao consumidor”, acredita Paviani. Além disso, o objetivo é permanecer no mercado e, se possível, elevar a participação em alguns pontos percentuais. “Caso contrário, o setor produtivo nacional corre o risco de desaparecer em poucos anos”, lamenta. A meta é crescer em escala e possibilitar que um número ainda maior de empresas, em especial as pequenas, adotem tecnologias e sistemas de qualidade.
Os maiores concorrentes dos vinhos finos nacionais são os chilenos e argentinos. Porém, caso a salvaguarda seja concedida, apenas o Chile será atingido, por não pertencer ao Mercosul, ao contrário da Argentina. “Entretanto, temos formas de controlar a entrada de vinho argentino, como a limitação por valor existente hoje e que pode ser melhorada”, destaca Paviani.
Na visão do Ibravin, o boicote é precipitado, uma vez que o pedido de salvaguarda ainda está em análise. A entidade acredita que a polêmica não irá enfraquecer as campanhas feitas para incentivar o consumo do vinho nacional. “A repercussão tem sido isolada e focada em quem tem outros interesses a defender”, observa. Paviani explica ainda que outros países também adotam medidas para proteger seus vinhos. “O Egito, por exemplo, taxa o vinho em até 1.000%. A Inglaterra, maior importador de vinhos do mundo, tem carga total de impostos de 55% para vinhos importados. Outros restringem a entrada com barreiras sanitárias, como é o caso da União Europeia”, comenta.
Entenda o caso
*No ano passado entidades representativas do setor vitivinícola entraram com pedido de salvaguarda no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) para proteger o vinho brasileiro;
*Em fevereiro deste ano, a presidente Dilma Rousseff, durante sua passagem por Caxias do Sul para participar da abertura da Festa da Uva, acenou com a possibilidade de adotar medidas emergenciais para restringir as importações de vinho;
*O pedido de investigação sobre a aplicação ou não da salvaguarda foi aberto no dia 14 de março. Isso significa que o governo entendeu haver indícios suficientes para estudar a possibilidade de adotar a medida de proteção;
*O fato gerou repercussão negativa nas redes sociais e culminou em boicote por parte de alguns restaurantes que optaram por retirar de suas cartas de vinho rótulos nacionais;
*A medida ganhou repercussão internacional, como é o caso da União Europeia, que manifestou ao Brasil preocupação com a medida, pois poderia afetar as importações a partir da Europa.
Dos 91,9 milhões de litros de vinhos finos comercializados em 2011, apenas 21,3% eram nacionais.
Só no primeiro bimestre deste ano, as importações de vinhos cresceram 34% no país.
Entre 2005 e 2011, a média de comercialização do vinho fino brasileiro está estacionada em torno dos 19 milhões de litros. Em 1997, por exemplo, foi de 46,4 milhões de litros.
Desde 2000 o consumo de vinho fino importado é maior do que o nacional.
O setor vitivinícola luta para equalizar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Nos Estados brasileiros o percentual sobre o vinho vai de 12% a 30%.
Apenas três vinícolas faturam acima de R$ 100 milhões. Cerca de 70% do setor é formado por pequenas empresas.
O setor vitivinícola brasileiro é muito pequeno ainda. Só uma empresa chilena vende cinco vezes mais do que toda a produção brasileira de vinhos finos.
A venda de vinhos finos nacionais cresceu 7% em 2011. Apesar de ter sido um crescimento maior que o PIB, entidades alegam que foi sobre uma base ínfima, de pouco mais de 18 milhões de litros em 2010.
Simplificando
Entenda o que são salvaguardas
Para quem não está familiarizado com o tema, a palavra salvaguarda pode não fazer muito sentido. Com o objetivo de esclarecer a questão, o SERRANOSSA conversou com o professor Fabiano Larentis, graduado em Administração e Comércio Exterior e doutor em Administração. Confira:
Jornal SERRANOSSA: O que são salvaguardas?
Fabiano Larentis: Salvaguarda significa proteção. No comércio internacional, a medida, considerada legítima pela Organização Mundial do Comércio (OMC), é utilizada pelos países para aumentar a proteção à sua indústria em detrimento de produtos importados, desde que ela esteja sofrendo prejuízo ou ameaça grave, em função do aumento da quantidade importada. O setor que se sentir lesado em função das importações deve encaminhar pedido ao Departamento de Defesa Comercial (Decom) da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), que iniciará investigação para avaliar sua pertinência. Essa proteção pode ocorrer com uma tarifa de importação sobre o produto ou então com cotas, ou seja, a definição de um limite de quantidade que pode ser importado em determinado período. Conforme a legislação, o período de aplicação de uma medida de salvaguarda, incluindo prorrogações, não pode ser superior a dez anos. Por outro lado, o setor demandante deverá apresentar no processo de petição um programa de qualificação da indústria nacional, envolvendo itens como produtividade, tecnologia e gastos com pesquisa, técnicas de gestão, redução de custos e treinamento de pessoal.
SERRANOSSA: Salvaguardas são práticas comuns?
Larentis: Apesar de serem previstas pela OMC, não são muito comuns. No Brasil, desde 1995 foram aprovadas duas medidas de salvaguardas, uma para brinquedos, já encerrada, e outra para o coco ralado, que se encerra neste ano. Já no mundo, de 1995 a 2010, foram postas em prática 101 medidas de salvaguarda, em 29 países. No mesmo período houve 39 casos em que países que não concordaram com as medidas entraram com ações na OMC.
SERRANOSSA: De que forma elas auxiliam a economia?
Larentis: O objetivo de uma salvaguarda é possibilitar o ajustamento da indústria nacional ao cenário externo, através de um programa de melhorias. O aumento da competitividade do setor se dá em parte pela aplicação desse programa, já que envolve aspectos de caráter estrutural.
SERRANOSSA: As salvaguardas podem ser prejudiciais?
Larentis: Apesar das salvaguardas preverem a possibilidade do aumento de impostos ligados à importação ou o uso de cotas, o Mdic já declarou que, no caso do vinho, em função de um acordo de tarifas com o Chile, a proteção ocorrerá através de cotas. Mesmo se houvesse aumento de preços pelas tarifas, o produto não desapareceria. Não se pode confundir salvaguarda com importação proibida. Além das empresas estrangeiras, serão mais prejudicadas com essa limitação as empresas importadoras de vinho, os atacadistas e varejistas, assim como o consumidor, caso ocorra a redução na variedade de marcas.
Em termos de países, o maior prejudicado provavelmente seja o Chile, o maior exportador de vinhos ao Brasil, nem tanto pela redução nas vendas, mas pela limitação do crescimento que até então ele vinha apresentando. Por outro lado, um grande beneficiado pela medida de salvaguarda pode ser o vinho argentino, o segundo mais importado pelo Brasil. Por integrar o Mercosul, a Argentina não será atingida pela salvaguarda. Ou seja, a medida não é garantia de que a produção nacional aumente consideravelmente sua participação nas vendas totais de vinho, uma vez que os vinhos argentinos não serão limitados por cotas. Claro que isso depende também da capacidade argentina de fornecimento e do desempenho dos seus vinhos no mercado nacional. Esse cenário, no entanto, é dependente do aumento de consumo per capita do brasileiro, que em sua maioria ainda é bastante influenciado pelo preço do vinho no momento da compra.
SERRANOSSA: Países que se sentirem prejudicados podem adotar medidas de retaliação a outros produtos brasileiros que não apenas ao vinho?
Larentis: Como algo que envolve diplomacia e soberania, o país que se sentir lesado pode tomar determinadas medidas, a partir principalmente da pressão de determinados setores. O simples fato do Mdic ter aberto investigação para avaliar se a salvaguarda é devida ou não já gerou pressão de produtores do Chile junto aos seus representantes legais.
SERRANOSSA: A competição na tributação entre vinhos nacionais e importados é de fato desleal?
Larentis: A tributação é um dos problemas. No caso brasileiro, com um dos sistemas tributários mais complexos do mundo, que apresenta muitas diferenças entre Estados, a carga tributária sobre o produto nacional reduz a competitividade, mesmo que sobre o importado incidam impostos na entrada ao país. Colocar somente a carga tributária como fator nas discussões é, no mínimo, uma atitude ingênua, já que a competitividade do vinho brasileiro não se resume tão somente à carga tributária. É inegável que a qualidade do vinho brasileiro melhorou de forma significativa nos últimos anos, mas apenas isso não é suficiente para aumentar sua competitividade. As salvaguardas, por outro lado, por sua natureza, têm um caráter de proteção provisório. Em longo prazo, outras medidas devem ser consideradas, tais como as que o setor vinícola se comprometeu com sua petição ao Mdic, assim como outras de caráter mais amplo, como, mudanças no sistema tributário. Isso depende do trabalho principalmente de entidades do setor, que geram pressão junto aos governantes, o que inclui as esferas municipais, estaduais e federal.Mexer no sistema tributário nacional é um tema delicado. É só ver há quanto tempo se fala na reforma tributária e o que já foi resolvido.
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