Violência doméstica: como grupos reflexivos têm mudado o comportamento dos agressores?

Como quebrar um ciclo de violência? Como mudar uma sociedade machista? A resposta pode ser mais simples do que parece: reeducação cultural. Em Bento Gonçalves, o cenário da violência doméstica tem mudado positivamente desde a implantação dos grupos reflexivos. A iniciativa consiste na realização de oito encontros com agressores, a partir de uma parceria entre a prefeitura, por meio da Coordenadoria da Mulher e do Centro Revivi, e do Poder Judiciário. “São abordadas questões da saúde do homem, da dependência de álcool e drogas, direitos e deveres e, principalmente, questões psicológicas, que visam à reeducação cultural”, revela a coordenadora do Centro Revivi e da Coordenadoria da Mulher, Regina Zanetti. 

Quatro dos encontros são ministrados pela psicóloga que coordena os grupos, Débora Simionatto Fin, e os outros quatro são comandados por representantes de parceiros como a Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a secretaria municipal de Saúde, a Defensoria Pública e grupos como Alcóolicos Anônimos (AA). Após esses encontros, a psicóloga realiza debate sobre o assunto tratado. “A Lei Maria da Penha fala sobre a importância do apoio também aos homens, para uma mudança de comportamento. Mas como não temos um centro de atendimento ao homem, esses grupos reflexivos têm servido justamente para isso, para que eles possam refletir sobre seu comportamento perante a mulher”, detalha Regina. 

Em abril deste ano, uma nova lei que altera um artigo da Maria da Penha foi sancionada, tornando obrigatória a participação de agressores em serviços de educação, reabilitação e acompanhamento psicossocial. Com isso, mais do que uma recomendação, a participação desses homens nos grupos reflexivos de Bento Gonçalves se tornou obrigatória. Desde 2013, cerca de 250 agressores já participaram dos encontros no município. No ano passado, de 30 participantes, apenas um foi reincidente (voltou a cometer a agressão). 

Ao final dos encontros, é elaborada uma avaliação psicológica dos agressores para encaminhar à Justiça. A partir da evolução do comportamento do acusado, é decidido entre o prosseguimento ou o arquivamento do processo. 

“Agora, com a pandemia, estamos chamando os homens aqui, independentemente de grupo. Porque esse é o tipo de trabalho que precisa ser presencial, não há como fazer on-line”, explica Regina. Dessa forma, a Coordenadoria aguarda a decisão do Tribunal de Justiça sobre como será essa nova fase de grupos, a partir da obrigatoriedade de participação, além da decisão do Fórum sobre quando os trabalhos em grupos poderão ser retomados – devido à pandemia. 


Foto: TJ/AC

“Ninguém nasce agressor”

No início de cada ciclo de encontros, Regina revela que costuma introduzir a conversa com a seguinte pergunta: “Se sua filha ou neta estivesse namorando um rapaz que a chamasse de palavrões, a humilhasse e até a agredisse, como você reagiria?”. “A maioria fica surpreso e já responde defensivamente, afirmando que não deixaria isso acontecer com a filha deles. Então vem a primeira reflexão: se você não quer que façam com a sua filha, você não pode fazer com a mãe dela. E é aí que a transformação começa”, conta. 

Na visão da coordenadora, os agressores costumam iniciar os encontros sentindo-se injustiçados e negando qualquer tipo de violência. “Mas no final, eles já têm outra visão. Eles realmente admitem que precisam mudar”, afirma. 

Desde que o trabalho com os agressores teve início no município, Regina afirma que dois casos em particular chamaram a sua atenção. Em um deles, as filhas e a companheira de um agressor participaram de audiências após cerca de dois meses do encerramento dos encontros.  “As filhas disseram que agora sim elas tinham um pai. Que ele tinha mudado muito e que estava mais carinhoso com elas. A companheira também garantiu que ele havia se transformado em outra pessoa, que agora conseguiam conversar e não havia mais ocorrido violência”, recorda Regina. O depoimento do acusado também foi marcante. Segundo ele, durante toda sua vida, foi ensinado que homem não chora e que deve ser o chefe da casa. “Ele afirmou que no grupo havia aprendido coisas que nunca havia sido ensinado antes”, continua. 

Em outro caso, um homem estava separado da companheira, mas continuava obcecado por ela. “Logo nos primeiros encontros ele admitiu que tinha errado e falou que havia conhecido uma nova pessoa. Mas depois de aproximadamente 15 dias ele terminou o relacionamento porque percebeu que continuava tendo comportamentos agressivos. Ele se deu conta de que ainda não estava preparado para um novo relacionamento”, relata Regina. 

Na opinião da coordenadora, exemplos como esses mostram como é possível quebrar o ciclo de violência doméstica a partir da atenção e do atendimento personalizado aos homens. “Ninguém nasce agressor. A convivência com a violência e as situações a que foram expostos quando crianças os tornam agressores. Então a gente espera que a juventude de hoje e as futuras gerações possam quebrar esse ciclo. Por meio do fortalecimento da menina, da educação vinda dos pais e da igualdade entre filho e filha, entre menino e menina”, analisa. 

Projetos de ampliação

Atualmente, o município conta com os grupos reflexivos, coordenados pela Coordenadoria da Mulher, em parceria com o Judiciário, e o grupo “Despertar”, da Delegacia da Mulher, um encontro único com agressores considerados réus primários. A partir da avaliação positiva dessas iniciativas, a Coordenadoria tem pensado em formas de ampliar o atendimento na cidade. 

“Criamos um projeto para enviar às universidades, no qual elas cederiam um espaço e colocariam os próprios acadêmicos de psicologia para trabalhar com esses grupos. A ideia é fazer com que os encontros sejam constantes e voluntários”, explica Regina. O projeto já foi apresentado e aprovado pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), mas ainda não foi posto em prática por conta da pandemia. 

Para a coordenadora, é importante ressaltar que a iniciativa não se trata de uma penalidade, mas, sim, de uma reeducação. “A Lei Maria da Penha não veio para separar os casais, mas para eliminar a violência. O que a gente mais quer são casais felizes, filhos felizes e famílias sem violência”, conclui.

 

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