Vítimas de violência doméstica já podem pedir ajuda em farmácias

“As mulheres vítimas de violência doméstica e familiar estão inseridas em um contexto de subjugação e humilhação, um verdadeiro ciclo que permanece em funcionamento enquanto a mulher não se empodera e não reconhece seu valor. É difícil buscar ajuda porque não estamos falando de simples questões patrimoniais. Estamos falando de relacionamentos, de sonhos, de amor próprio, de amor pelo outro, de filhos. E mais, estamos falando de dependência emocional, de medo, de vidas marcadas pela violência física e psicológica”. 

Essa é a realidade das vítimas de violência doméstica, de acordo com a delegada Deise Ruschel, da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) de Bento Gonçalves. A dificuldade em denunciar e romper o relacionamento com o agressor tem sido a principal barreira para lidar com esse tipo de ocorrência, principalmente em meio à pandemia. Diante desse cenário, instituições judiciais, policiais e de assistência social têm buscado novas ferramentas para auxiliar essas vítimas. Neste mês de junho, foi lançada a campanha “Sinal vermelho contra a violência doméstica”, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A iniciativa coloca as farmácias como agentes de comunicação. 


Coordenadora do Revivi, Regina Zanetti  Foto: Eduarda Bucco

Dessa forma, as mulheres podem se dirigir às farmácias que aderirem à campanha (as quais terão um cartaz visível no estabelecimento), escrever um “X” na palma da mão e mostrar a algum atendente. Os profissionais que atuam nessas farmácias receberão um treinamento para saber como agir. A ideia é que eles acionem a Brigada Militar e conduzam a vítima a um espaço reservado. “A farmácia é o local onde elas mais acessam. Então é uma maneira delas se identificarem como vítimas e, ao mesmo tempo, serem socorridas. Se a farmácia não quiser chamar a polícia, o atendente pode apenas anotar os dados que nós vamos atrás [da vítima]”, explica a coordenadora do Centro Revivi e da Coordenadoria da Mulher, Regina Zanetti. 

Em Bento Gonçalves, a divulgação sobre a campanha teve início na quarta-feira, 24/06, quando uma equipe do Centro Revivi e da Coordenadoria começou a visitar as farmácias do município. Até o momento, duas já aderiram. 

Para participar, a farmácia deve entrar no site da Associação dos Magistrados Brasileiros www.amb.com.br, assinar digitalmente o termo de adesão e enviar em formato de foto para o e-mail sinalvermelho@amb.com.br. Mais informações podem ser obtidas pelo Whatsapp (061) 98165-4974 ou pelo site www.amb.com.br/sinalvermelho.


Foto: Divulgação
 

Pandemia agravou a situação em Bento

Diante da necessidade do isolamento social e das demissões em massa que ocorreram em virtude da pandemia, muitos casais passaram a conviver mais tempo um com o outro. Para a coordenadora do Revivi, Regina Zanetti, esse foi um dos motivos que levou ao aumento de 18% no número de atendimentos pelo órgão. “O isolamento permitiu conhecer as qualidades e os defeitos de cada um. Também trouxe à tona a questão da saúde mental. Então aquela mulher que tinha depressão, a doença pode ter se agravado. E o homem alcóolatra, teve tempo de beber mais”, explica. “Há mulheres que passaram 20 anos nessa situação e apenas agora denunciaram. Porque esse foi o momento que elas estouraram”, continua. 

Semanalmente, o Revivi e a Coordenadoria recebem uma média de 20 medidas protetivas, entre deferidas e indeferidas. A equipe acompanha mesmo aquelas que não foram julgadas procedentes pela justiça. “O juiz tem meia dúzia de frases as quais ele tem que analisar (no registro da violência doméstica). Mas tem que conhecer a história das vítimas para saber até onde está certo o indeferimento ou não. Isso porque pode ter algo que elas não tiveram coragem ou tiveram vergonha de contar. Porque muitas vezes, quando elas chegam para fazer o registro policial, elas estão com muito medo. E quando nós conversamos com elas, aí sim elas relatam sua realidade. Ao conhecer a história delas, temos um argumento maior para conversar com o juiz e pedir uma reanálise”, explica Regina. 

Na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), devido à suspensão do atendimento presencial, o número de ocorrências teve redução no período da pandemia. Entretanto, a delegada Deise Ruschel afirma que as ocorrências que chegam apresentam maior gravidade. “Geralmente lesões corporais. Felizmente não tivemos feminicídios, nem consumados nem tentados”, afirma. Mesmo assim, a delegacia está agindo na verificação das denúncias recebidas. No dia 19/06, foi deflagrada a operação “Fight”, quando foram cumpridos mandados de busca envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher. Na ocasião, foi apreendido um revólver calibre .38 e 11 munições; uma pistola calibre .380 e 29 munições e um revólver calibre .38 e 17 munições. “As diligências externas, em especial a busca por armas de fogo, foram realizadas e, posteriormente, as partes serão ouvidas e os inquéritos concluídos”, revela a delegada. 

O perfil do agressor

“Pelos nossos levantamentos, ele é considerado um bom pai, um bom trabalhador e uma pessoa que é bem vista por terceiros”, relata a coordenadora do Revivi, Regina Zanetti. Segundo Regina e a delegada da DEAM, Deise Ruschel, além das características do próprio agressor, ainda é necessário fazer um resgate sobre sua família e suas tradições culturais e religiosas. “Grande parte dos agressores reproduz o que vivenciou na infância. E as mulheres não são diferentes. Porque sempre viram a mãe ser humilhada, então elas ‘tem que aguentar’. O menino viu o pai bater, então ‘ele vai bater’”, analisa Regina. “A subjugação da mulher pelo homem é milenar. Por isso, tanto em lares ricos como nos pobres, entre jovens ou adultos, encontraremos homens que acreditam que são superiores às mulheres e nisso justificam as violências que praticam”, complementa a delegada Deise. 

Dessa forma, além de prestar apoio às mulheres, o Revivi e a Coordenadoria trabalham com os próprios agressores, para que eles reflitam sobre seus comportamentos. “Nós já realizamos internações (das vítimas e dos agressores), em parceria com o CAPS (Serviço de Atendimento Psicossocial – Álcool e Drogas), encaminhamentos para tratamento e encaminhamento de crianças para o Conselho Tutelar”, comenta Regina. 

O acolhimento à mulher

A campanha nas farmácias é mais um meio de denúncia que as mulheres terão à disposição no município. Hoje, as vítimas podem registrar um boletim de ocorrência de forma online, utilizar o telefone, o WhatsApp, o Twitter e o Facebook para se comunicar, ou ainda, se dirigir diretamente ao Centro Revivi e à Coordenadoria da Mulher (rua 10 de Novembro, 190, bairro Cidade Alta). Além disso, a coordenadora Regina destaca que vizinhos, amigos, familiares ou conhecidos também podem e devem denunciar. “Nós não precisamos de muita coisa. Apenas do telefone, endereço e nome do agressor e/ou da vítima. Não precisa se identificar, a denúncia é totalmente anônima. ‘Em briga de marido e mulher se coloca a colher sim’!”, reforça. 

Ao receber a denúncia, a equipe passa a averiguar a situação, com o apoio da DEAM e da Patrulha Maria da Penha, da Brigada Militar. Se necessário, a mulher é retirada imediatamente do contato com o agressor. “Nós temos um espaço onde essa mulher pode permanecer até cinco dias, ela e seus filhos. Lá elas têm alimentação, banho e teto. Nesses cinco dias a gente trabalha com a família, para saber se ela tem onde ficar em segurança. Se precisar, levamos a vítima para outro município. Ou trabalhamos com o agressor para que ele saia de casa. Esses cinco dias são necessários para conseguirmos o deferimento da medida protetiva e para começarmos a organizar a vida dessa vítima”, garante Regina. “Vale lembrar que cada mulher tem seu tempo para se perceber como vítima e buscar ajuda”, finaliza. 

Contatos em Bento para apoio às mulheres vítimas de violência doméstica:

Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM): (54) 3454.2899 ou 3454.2933
Delegacia de Pronto Atendimento: (54) 3452.3055
Coordenadoria da Mulher/Centro Revivi: (54) 3055.7420/3055.7418/99132.8148 (WhatsApp)
Outros canais: Brigada Militar (190), Guarda Municipal (153)

 

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