Vitivinicultura: do lazer ao progresso

Não é à toa que Bento Gonçalves é conhecida como a Capital Nacional do Vinho. O Vale dos Vinhedos – região que abrange também parte dos municípios de Garibaldi e Monte Belo do Sul – é o principal destino enoturístico do país, atraindo a cada ano cerca de 300 mil visitantes. Mas há outras rotas que também encantam os enófilos. Para os que só conseguem diferir tintos e brancos por causa da cor, um passeio pelas vinícolas pode ser a chance de aprender sobre as diferenças nos processos de elaboração e treinar o paladar para identificar as nuances da cada varietal.

Embora a época da vindima, quando os parreirais estão carregados, seja mais propícia à visitação, o inverno também tem seu charme. Se por um lado ficam de fora atividades tradicionais, como a colheita e a pisa das uvas, as temperaturas mais baixas são um convite à degustação: em quatro dias, provamos 45 rótulos diferentes de tintos, brancos e espumantes – alguns ainda em processo de elaboração, retirados diretamente dos tanques de inox ou barricas de carvalho. Nosso roteiro incluiu as vinícolas Cainelli e Salton, em Tuiuty, Cristofoli Vinhedos e Vinhos Finos e Dal Pizzol Vinhos Finos, em Faria Lemos, Casa Valduga, no Vale dos Vinhedos, e Aurora, com visita à matriz e à unidade em Pinto Bandeira. Uma pequena amostra, levando em conta que são 74 vinícolas em atividade no município – sendo quase 30 apenas no Vale dos Vinhedos, produzindo exclusivamente vinhos finos.

A cultura da produção e consumo de vinhos foi trazida pelos imigrantes na bagagem. Foi assim que muitas empresas iniciaram sua trajetória. De vinícolas familiares, com elaboração limitada e venda exclusiva no varejo, a companhias com presença internacional, a variedade de sabores, aromas e histórias impressiona. Bento Gonçalves pode se orgulhar de ser berço da mais antiga vinícola familiar em atividade no Brasil, a Salton, com mais de 100 anos de história, e também da maior produtora do país, a Aurora, atualmente com 1.100 associados e 50 milhões de litros de vinhos, sucos e derivados engarrafados em 2015.

A qualidade, entretanto, é um aspecto comum tanto a grandes como pequenas empresas – caso da Cainelli que produz apenas 30 mil garrafas por ano e teve o seu Marselan 2011 como o mais pontuado da Grande Prova de Vinhos do Brasil 2014. Uma das vocações da região, segundo especialistas, é a elaboração de espumantes, que vêm ganhando cada vez mais espaço nas taças dos brasileiros. Na Casa Valduga, por exemplo, em 2014 a produção de espumantes pela primeira vez foi maior que a de vinhos, chegando a 52%.

Da família ao comércio

No início do século 20, o vinho era um produto destinado ao consumo familiar. Todo o processo de vinificação era feito pela própria família. A uva era colhida em balaios de cipó e esmagada com os pés. A fermentação se processava em pipas de madeira instaladas no porão da casa e a produção deveria durar até a colheita do ano seguinte. A comercialização da bebida iniciou como forma de dar destino ao excedente da produção.

Com o passar dos anos, o vinho se tornou o principal produto e força da economia de Bento Gonçalves. Foi mais precisamente a 1ª Festa Nacional do Vinho (Fenavinho), em 1967, que divulgou o município para o restante do país. “A Fenavinho colocou Bento Gonçalves no mapa político do Brasil”, conta o presidente da primeira edição, Moysés Michelon. Pela primeira vez um presidente da república esteve aqui, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. A partir de então, Bento descobriu sua vocação para o turismo de negócios e iniciou a valorização do patrimônio cultural local. “A aproximação do turismo com o vinho foi muito boa. Ampliou muito a rede de gastronomia e comércio”, avalia o secretário de Turismo, Gilberto Durante.

Um produto cultural

Percebendo a nova oportunidade de mercado, as vinícolas passaram a explorar também a atividade turística. Mas as opções disponíveis aos visitantes não se resumem apenas a degustações e tours pela fábrica. Para quem gosta de história, vale a visita ao Memorial do Vinho, situado dentro do complexo turístico do Hotel Villa Michelon, no Vale dos Vinhedos. São 48 painéis temáticos, com fotos, textos e mapas que ajudam a preservar e fortalecer a bebida símbolo da cidade. É possível viajar no tempo, vivendo a evolução das técnicas na produção de uvas e dos vinhos, desde o início da colonização. No local, também estão expostas peças ligadas à agricultura, aos primeiros moinhos, artesanato, móveis e utensílios.

A visita à Dal Pizzol Vinhos Finos, em Faria Lemos, também não pode ficar fora do roteiro. O Ecomuseu da Cultura do Vinho reúne fotos, documentos e centenas de garrafas do Brasil e do exterior. Um rico espaço, resultado de décadas de preservação e guarda de muitos objetos de uso pessoal das famílias, bem como utensílios e equipamentos de trabalho e outras utilidades. O acervo quer mostrar que o vinho não é só um produto agroalimentar, mas principalmente um produto cultural, de características universais e componentes de um estilo de vida de uma civilização.

No mesmo complexo, há também o Vinhedo do Mundo, uma das três maiores coleções de uvas privadas do planeta e a maior da América Latina. São cerca de 400 variedades de uvas de 30 países. Desde 2011, a vinícola realiza a colheita simbólica. Com as variedades de maturação semelhante, é elaborado o chamado “Vinho da paz”, de cunho cultural, não comercializável.

Os vinhos produzidos pela Dal Pizzol desde a sua fundação, em 1974, estão armazenados na Enoteca, instalada em um antigo forno da olaria que funcionava na propriedade. Um dos diferenciais é que os vinhos não passam por envelhecimento em madeira. “Esta é uma ideologia nossa. O vinho é uma essência de uma fruta e queremos que cada vinho tenha as características do seu varietal. É um desafio para o enólogo, pois a madeira ajuda a disfarçar algum problema”, observa Antônio Dal Pizzol.

Bento Gonçalves respira a cultura do vinho inclusive na área urbana – e não apenas na época da safra, quando o aroma de uva toma conta das ruas. Os elementos que remetem à vitivinicultura já são parte integrante da paisagem, como o pórtico de entrada e a igreja São Bento, ambos em forma de pipa, e os cachos de uva estilizados que enfeitam as calçadas no centro da cidade. O vinho faz parte da nossa identidade cultural, está ligado às nossas origens e ajuda a contar a nossa história. Se, no início, era uma forma de manter o elo dos imigrantes com a antiga pátria, ao longo dos anos a bebida se consolidou como uma das responsáveis pela prosperidade do município. Uma história a ser brindada.

A série completa

07/08 – Comer, beber e recordar

14/08 – Gosto de saudade

21/08 – Do lazer ao progresso

28/08 – Paixão por história(s)

04/09 – Turismo para quem é daqui

*O SERRANOSSA foi um dos veículos convidados para a Press Trip de Inverno, promovida pela secretaria municipal de Turismo, em parceria com o Bento Convention Bureau e o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Região Uva e Vinho (SHBRS), com suporte do Laghetto Viverone Bento e operacionalização da Conceitocom Brasil.

Reportagem: Carina Furlanetto


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