Vôlei: ingleses importam mão de obra brasileira

A Inglaterra está para o vôlei como o Brasil está para o futebol americano, beisebol ou pelota basca: os esportes são praticados, mas por uma minoria da população e com resultados irrisórios em competições internacionais. Uma força-tarefa iniciada em 2010, no entanto, tem como meta colocar o voleibol da terra da rainha no cenário mundial, com a ajuda de um brasileiro. 

Rogério Ponticelli é personagem conhecido no esporte bento-gonçalvense. Foi o último técnico do Bento Vôlei na Superliga e, como coordenador das categorias de base do clube, ajudou a implantar uma metodologia de formação de atletas que virou referência nacional e internacional. Em 2009, veio o primeiro convite para exportar o modelo brasileiro. Mas a proposta de Gâmbia, na África, não agradou 100% e o técnico permaneceu em Bento. No ano seguinte, surgiu uma nova oferta, essa bem mais atrativa. Ponticelli foi convidado para morar em Loughborough – a 150km de Londres – por um período mínimo de dois anos para assumir o cargo de treinador da seleção inglesa masculina Sub-18 e da Academia Nacional de Voleibol Sub-18.

O contrato encerra em março deste ano, mas o visível crescimento da modalidade no país já indicou, por parte da confederação inglesa, o interesse em manter o brasileiro. “Alguns treinadores que no início estavam muito desconfiados com o sistema que adotamos na Academia hoje já trabalham juntos e seguem a mesma linha de pensamento. Temos que, aos poucos, aumentar a carga e a qualidade dos treinamentos. Os técnicos estão começando a trabalhar para produzir atletas para o futuro e não apenas para vencer torneios em curto prazo. Dos primeiros jogadores do ano passado, quatro foram para os Estados Unidos com bolsas universitárias, fato que não acontecia anteriormente. Alguns atletas fazem parte de equipes da Europa e em agosto mais alguns já estarão estudando e jogando fora”, conta o treinador, salientando que a metodologia de formação de atletas é a mesma do Bento Vôlei, mas com outra estrutura. “É um trabalho bastante parecido com o realizado nos últimos anos no Bento Vôlei. Formar atletas é o grande objetivo aqui. A diferença é que na Inglaterra temos as melhores instalações possíveis, tenho total apoio da Federação Inglesa. Mas o que nos falta é a quantidade de interessados que temos aí no Brasil. O voleibol ainda não é um esporte de ponta aqui, com isso temos que mudar um pouco a cultura para que consigamos um número maior de praticantes”, revela.

Através de amigos e sites de notícias locais, Ponticelli procura manter-se informado sobre a situação do clube que o revelou como atleta e técnico e que continua sendo um importante formador de atletas para o voleibol nacional, mas cada vez mais distante de retomar sua trajetória na Superliga. Bento-gonçalvenses e ex-jogadores do clube, Ricardo Frá e Dentinho chegaram a ensaiar uma volta da equipe adulta em 2012, mas acabaram esbarrando, novamente, na falta de apoio. “Para a retomada do voleibol adulto em Bento, na minha opinião, não adianta apenas os ex-atletas tentarem alguma coisa. É necessário um ‘mutirão’ de toda a comunidade, Poder Público e empresários. Os valores hoje são muito maiores do que antes e a tendência, com a aproximação das Olimpíadas 2016, é que aumentem ainda mais”, ressalta o treinador. 

Lições de Londres

Ponticelli viveu de perto as Olimpíadas 2012. Acompanhou jogos de vôlei e futebol das arquibancadas e testemunhou a transformação de Londres para o maior evento esportivo do planeta. Tudo, segundo ele, funcionou perfeitamente e os ingleses já começam a usufruir do legado olímpico. “Londres é o exemplo a ser seguido pelos organizadores das Olimpíadas 2016. Foi uma das poucas edições dos Jogos que deu lucro para a cidade-sede e deixou um legado para o país. Antes do início da competição, a Vila Olímpica já tinha mais de 70% de seus apartamentos vendidos e hoje esse número está muito próximo dos 100%. Os locais das modalidades coletivas, como vôlei, basquete e outras, foram arenas multiuso antigas que receberam todas as reformas de modernização e segurança possíveis e, logo após os Jogos, já estavam em pleno funcionamento, recebendo grandes eventos. O Parque Olímpico reabrirá em julho deste ano e poderá ser utilizado por qualquer pessoa que queira praticar esportes por preços acessíveis”, conta.

O treinador espera que o Brasil tenha Londres como referência e consiga tirar o máximo proveito possível dos Jogos. Para isso, no entanto, ele ressalta que é necessária uma administração transparente por parte do governo brasileiro, cujo histórico contrasta com o europeu. “O maior problema é a corrupção no Brasil. Londres teve um orçamento inicial para a realização dos Jogos que seguiu à risca todos os passos em uma matemática simples. No Brasil, essa matemática não funciona e esse é o grande problema. Os Jogos Pan-Americanos do Rio foram um mau exemplo. A corrupção andou solta e o orçamento inicial foi extremamente inflacionado. A Copa do Mundo já está no mesmo caminho. Os orçamentos iniciais já foram ultrapassados e superfaturados. As licitações iniciais são muito bonitas, mas nunca realizadas. No meio das obras, os trabalhadores fazem greve, os materiais não são entregues e os trabalhos param. Depois, na reta final, realizam as obras em caráter emergencial, sem licitação. Aí a gente sabe o resultado, uma pena”, salienta o treinador. Ele também acredita que uma boa impressão do país durante a Copa do Mundo e Olimpíadas passa, necessariamente, pela reeducação da população. “Como mudar a cultura de um povo que só quer levar vantagem? Tive a oportunidade de participar em outubro de 2012 das Olimpíadas Escolares em Cuiabá com a seleção da Inglaterra. Antes disso, passamos três dias no Rio de Janeiro. Fomos a uma barraquinha na praia para comprar uma água de coco. O valor na tabela era R$ 3 e o vendedor, quando viu que os meninos eram estrangeiros, cobrou R$ 10. O guia que nos recebeu disse que não poderíamos pegar táxi. Ele sempre chamava o táxi e nos prestava o serviço. No último dia, o motorista, sem saber que eu falava português, virou para o guia e disse: ’Depois eu acerto contigo…’. Essas são as mudanças que devem ocorrer para que o Brasil não faça parte apenas de mídias internacionais negativas. Nas últimas três semanas, tivemos, aqui na Inglaterra duas aparições: uma sobre a tragédia em Santa Maria e a outra uma quase tragédia na Arena do Grêmio. Nos próximos anos todos os eventos esportivos que acontecerem no Brasil terão repercussão no mundo inteiro. Afinal, agora somos o país da Copa e das Olimpíadas”, conclui.

Reportagem: João Paulo Mileski


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