Após conquista histórica de lei, bombeiros voluntários do RS enfrentam reviravolta judicial

Lei complementar que regulamenta atuação das 64 corporações no Estado havia sido sancionada em outubro pelo governador Eduardo Leite, mas foi suspensa na sexta-feira, 10/12, por liminar concedida pelo Tribunal de Justiça do RS

Foto: Reprodução/Facebook Bombeiros Voluntários de Garibaldi

Na última sexta-feira, 10/12, o Tribunal de Justiça do RS concedeu uma liminar suspendendo, de maneira provisória e cautelar, a eficácia da Lei nº 15.726/2021. A medida aprovada pela Assembleia Legislativa do RS e sancionada pelo governador Eduardo Leite em outubro regulamenta a atuação dos bombeiros voluntários no estado, que hoje somam 64 corporações. O pedido de liminar tem sido visto como uma afronta à luta das corporações voluntárias, que há anos pedem a regularização de sua atuação perante o Estado.

Em nota oficial, a Associação dos Bombeiros Voluntários do Rio Grande do Sul (Voluntersul) manifestou sua “perplexidade” e relembrou que o projeto de lei foi subscrito por 38 deputados “e ainda teve seu texto final construído com a participação da Casa Civil do Piratini e do próprio Comando dos Bombeiros Militares do Estado”. “Além disso, o então Projeto de Lei Complementar (PLC) 143/2020 foi aprovado por unanimidade e representou um marco para o Rio Grande do Sul, encerrando décadas de incertezas de idas e vindas na interpretação da Constituição do Estado”, escreveu a associação.

Conforme o comandante do Corpo de Bombeiros Voluntários de Garibaldi, Márcio Dalbosco Saldanha, desde seu ingresso na corporação há 20 anos, o Corpo de Bombeiros Militar do RS (CBMRS) já teria investido “ao menos 50 vezes contra os bombeiros voluntários”. “Eles não querem que a gente se regularize por puro corporativismo. Por diversas vezes já encaminhados papeladas para conquistar a regulamentação, mas nenhum pedido foi atendido”, conta.

Diante dessa negativa, as corporações se reuniram para lutar por uma legislação que garantisse um reconhecimento estadual. Atualmente, os Bombeiros Voluntários estão amparados apenas em legislações municipais das cidades onde atuam. “Nas nossas corporações há menos cargos de chefia e não tem funcionalismo público. Em Garibaldi somos em 11 funcionários, seis cedidos pela prefeitura e cinco contratados pelos bombeiros, além de 53 voluntários que trabalham sem remuneração alguma”, relata o comandante.

Ainda conforme Saldanha, o modelo que o Corpo de Bombeiros Militar do RS propõe é aquele em que as corporações voluntárias tenham um tenente dos Bombeiros atuando em sua sede. “Ele vai mandar e a gente vai executar. Mas temos autonomia suficiente, não precisamos de alguém controlando”, argumenta.

Em nota oficial, a Voluntersul relembrou o momento de 2020 em que as corporações de Igrejinha, Rolante e Três Coroas ficaram sem o serviço de 193 “depois de um comunicado à Oi para que os serviços do número de Emergência dessas comunidades fossem desativados e desviados para as unidades regionais dos bombeiros militares do Estado. O mesmo ocorrendo em seguida com as corporações voluntárias de outros municípios”. Na época, o comando dos Bombeiros Militares teria alegado que tais unidades voluntárias estariam operando irregularmente porque não se enquadrariam em “Serviços Civis Auxiliares de Bombeiros” utilizada pelo Estado para as unidades subordinadas aos militares, “às quais não é permitido nem usar a denominação ‘bombeiros'”, ressaltou a associação.

“Curiosamente, nessa situação, ao receber os chamados de cada cidade, as unidades militares regionais tiveram que repassá-los às unidades voluntárias então consideradas “irregulares”. Tendo como único efeito prático atrasar em mais do dobro do tempo o atendimento às vítimas de desastres (houve um vendaval no Vale do Paranhana) e outras ocorrências. Situação que foi revertida após a Oi ser interpelada judicialmente pela Voluntersul”, continuou a associação em nota.

A Voluntersul ainda frisou que, em 2020, as corporações de bombeiros voluntários do RS foram responsáveis por mais de 28 mil atendimentos a chamados diversos em suas comunidades. “Com uma estrutura de mais de 300 viaturas, entre caminhões de combate a incêndio, ambulâncias, veículos de resgate e outros. Todas totalmente equipadas e com 1,5 mil homens e mulheres que garantem os plantões 24 horas em suas sedes”, informou.

Agora, as corporações se mostram confiantes sobre a reversão da medida liminar para que a lei complementar que regulamenta o serviço das corporações voluntárias volte a vigorar. “Enquanto o Estado gasta energia nessa discussão sobre quem pode operar as unidades instaladas, o Rio Grande do Sul ainda tem cerca de 350 municípios desprovidos de serviços próprios de bombeiros. O que tem como principal consequência retardar o atendimento de quem está em risco”, encerrou a associação na nota, assinada pelo presidente Anderson Jociel da Rosa.

O que diz o Corpo de Bombeiros Militar

De acordo com comandante do 5º Batalhão de Bombeiros Militar da Serra Gaúcha, coronel Julimar Fortes Pinheiro, a discussão é “meramente legal” e incide sobre a inconstitucionalidade da lei complementar. “A constituição do Estado diz que os serviços pertinentes a essas atividades de combate a incêndio, busca, salvamento e resgate são obrigação estadual. Mesmo nos lugares onde o Estado não alcança, a atribuição continua sendo dele. E o Estado, por entender que não consegue atender todas as cidades, permite a atuação desses ‘bombeiros voluntários’ como serviços civis auxiliares”, explica. Entretanto, a partir da lei aprovada, haveria uma “invasão de competência privativa do Poder Executivo Estadual e uma violação de atribuições constitucionais e legais em relação ao corpo de Bombeiros Militar”.

Em resumo, o coronel afirma que o CBMRS é contra a prestação de serviços de competência estadual por órgãos privados que “não estejam devidamente regulamentados no sistema público”. “Nós somos incentivadores desse serviço de forma correta e regular. Estamos nos colocando contra a irregularidade da questão legal. Única coisa que queremos é que os municípios regularizem esses serviços diante do sistema estatal”, explica.

Segundo o coronel, o melhor caminho no momento é seguir a legislação da forma como estava anteriormente, sem a lei complementar 15.726. Ainda, Fortes ressalta que a contestação da lei não foi um pedido do CBMRS, e sim um entendimento do Ministério Público. “Ao longo do processo, os bombeiros militares vêm apenas subsidiando as questões legais. Quem entendeu esse conflito e entrou com uma ação contra a lei complementar foi o MP”, afirma.

Atualmente, 93 municípios gaúchos contam com um quartel do Corpo de Bombeiros Militar, o que representa, segundo o coronel, uma cobertura de 76,6% da população.