Esquema pode ter movimentado mais de R$ 1,2 milhão
Entregue à Justiça no início deste mês, a denúncia do Ministério Público (MP) de que quatro vereadores bento-gonçalvenses estariam, desde 2010, se apropriando de parte dos salários de assessores aponta desvios que poderiam chegar a R$ 1.250.000. A investigação conduzida pelos promotores Alécio Silveira Nogueira e Eduardo Só dos Santos Lumertz iniciou em 2010, mas coletou informações que remontam a prática da conduta ilegal ainda no ano de 2007 – como resultado, acusa Adelino Cainelli (PP), Marcos Barbosa (PRB), Marlen Pelicioli (PPS), Vanderlei Santos (PP) e outras quatro pessoas de fora da Casa por concussão e improbidade administrativa.
Os valores, de até dois terços da remuneração, seriam sacados dos vencimentos mensais diretamente em caixas bancários ou retirados por empréstimos, que tinham prestações assumidas pelas vítimas. Entre as provas obtidas pelo MP, estão a quebra judicial de sigilos bancários de vários assessores e investigados, além de depoimentos de servidores que estão na ativa, gravações ambientais, documentos e mensagens trocadas via Facebook. “Houve um vasto rol de provas, imprescindível em casos como esses, em que elas são muito difíceis de obter. Por conta dessa necessidade, o Inquérito Civil teve a duração de quatro anos, sendo preferível a demora na sua conclusão a uma ação apressada”, explica Nogueira.
Na última terça-feira, dia 13, a juíza Romani Terezinha Bortolas Dalcin, da 3ª Vara Cível, acatou o pedido da promotoria de bloquear bens dos quatro vereadores denunciados. Nos casos de Cainelli, Barbosa e Santos, a interdição vai até o limite de R$ 270 mil para cada um. Para Marlen, fica em R$ 200 mil. Também foi determinada a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Ari Pelicioli, Sérgio Panizzi e Iraci Manfroi, três das quatro pessoas que podem estar ligadas ao esquema. A decisão da magistrada, entretanto, não contemplou o afastamento dos políticos de seus cargos, e estabeleceu que o processo passa a tramitar em segredo de Justiça.
Para o promotor Nogueira, há indícios de que a prática ainda continue ocorrendo no Legislativo municipal. “Há casos mais antigos e casos bem mais recentes. Por isso, não temos razão para crer que os fatos ocorreram apenas num período delimitado, até porque o próprio tipo de esquema pressupõe a sua continuidade”, argumenta o representante do MP.
“Era coisa de R$ 30 mil, R$ 40 mil”, diz ex-assessora
Uma das testemunhas ouvidas pelo MP, em pelo menos duas ocasiões, relatou ao SERRANOSSA como funcionava o esquema em um dos gabinetes. Segundo a vítima, assim que foi contratada, com salário superior a R$ 3,7 mil, ela foi informada que teria duas opções: receber apenas R$ 1 mil e mais R$ 200 em vale-refeição ou receber diretamente o total de R$ 1,2 mil – nas duas alternativas, ela ficaria somente com um terço dos seus vencimentos. A justificativa apresentada na ocasião era a necessidade de pagar outros funcionários, inclusive da bancada do partido.
Como acreditou na suposta destinação do montante, a mulher aceitou o combinado. Entretanto, alguns dias depois, ao saber que os servidores eram efetivados – e, portanto, já pagos pela Câmara de Vereadores –, ela se negou, já no primeiro salário recebido, a repassar o dinheiro. “Eu fiquei sabendo que o dinheiro não seria para esses funcionários. Então, não quis pagar e me mandaram embora. Disseram que eu não cumpri o acordo”, conta a informante, que em função da negativa trabalhou menos de um mês na Casa.
Mesmo assim, ela garante que a cobrança era conhecida por todos no gabinete e tinha, como indicado pela promotoria, participação de pessoas de fora. “Sempre tinha um terceiro que recolhia o dinheiro, mas na hora em que falaram sobre isso comigo estavam todos na sala”. Além disso, a testemunha confirma que também era oferecida a possibilidade de que os assessores fizessem um empréstimo, que seria pago por eles em parcelas mensais de valor elevado. “Não era empréstimo pequeno, era coisa de R$ 30 mil, R$ 40 mil. Era uma forma de garantir que eles iam receber e também chamaria menos atenção”, completa.
O que dizem os vereadores
Adelino Cainelli (PP): em nota repassada à imprensa, Cainelli diz estar “do lado da justiça e à disposição para contribuir com o que for necessário”. “Estou tranquilo e, no decorrer do processo, a inocência vira à tona”, destaca um trecho do comunicado.
Marcos Barbosa (PRB): também em nota, o advogado do vereador afirma que o parlamentar está sendo “vítima de uma injustiça cortante, áspera e cruel”. “O bom trabalho realizado pelo vereador junto à comunidade local, com duas votações recordes, tem contrariado interesses políticos que desejam frear à sua notável ascensão”, diz uma parte do texto enviado por e-mail.
Marlen Pelicioli (PPS): “Ainda não vou me manifestar porque não recebi citação nenhuma. O que eu soube até agora foi somente pela imprensa”.
Vanderlei Santos (PP): afirma não ter conhecimento do processo. “Dessa forma, ao não saber quais são as acusações, se torna prematuro falar agora”, justifica Santos, que garante estar “aguardando receber a intimação e bem tranquilo” quanto à defesa. Ele aponta ainda que, no mês de abril, esteve na promotoria para responder alguns questionamentos.
Como funcionava o esquema
Ao assumirem os cargos em gabinetes onde o esquema funcionava, os assessores tinham duas alternativas, segundo o MP:
Ao receber o salário, o funcionário entregaria, geralmente a alguém ligado ao vereador, até dois terços dos vencimentos a que teria direito.
A outra opção apresentada ao servidor seria contrair um empréstimo em seu nome, que depois teria descontos mensais. As quantias, entregues integralmente aos gerenciadores do esquema, alcançariam valores como R$ 30 mil.
Reportagem: Jorge Bronzato Jr.
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