Trabalhadores em condições análogas à escravidão são resgatados na Serra Gaúcha
Os 18 trabalhadores, com idades entre 16 e 61 anos, eram oriundos da Argentina e trabalhavam na colheita da uva em São Marcos e região
Dezoito trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em uma propriedade rural de São Marcos, na Serra Gaúcha, na noite de quarta-feira, 31/01, dentre eles um adolescente de 16 anos de idade, em atividade proibida, segundo a legislação. O resgate decorre de força-tarefa coordenada pelos auditores-fiscais do trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), acompanhada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) no Rio Grande do Sul e com apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Os trabalhadores resgatados são homens, com idades entre 16 e 61 anos, provenientes da província de Misiones, na Argentina. O ‘arregimentador’ dos trabalhadores, também argentino, foi conduzido à delegacia da Polícia Federal (PF) de Caxias do Sul e preso em flagrante pelos crimes de redução à condição análoga a de escravo e de tráfico de pessoas (arts. 149 e 149-A do Código Penal). Eles foram trazidos ao Estado para trabalhar na colheita da uva em propriedades de São Marcos e região. A produção local era comprada por empresas de Santa Catarina e Paraná e destinada ao consumo in natura e à produção de geleias.
O ingresso dos trabalhadores no Brasil ocorreu em Dionísio Cerqueira (SC). Eles foram aliciados mediante falsas propostas de trabalho, moradia e alimentação. Chegando ao Brasil, a remuneração prometida não correspondia ao efetivamente ajustado, assim como a promessa de moradia. A fiscalização flagrou os trabalhadores vivendo em alojamentos em condições precárias, superlotados, sem camas suficientes, dormindo em colchões, não havendo também o fornecimento de água encanada para banho e necessidades básicas em uma das casas, além de frestas nas paredes e risco de incêndio pela precariedade das instalações elétricas. Os resgatados estavam no local há cerca de uma semana. Quando os homens foram encontrados, a colheita em propriedades locais já havia sido concluída.
Segundo a procuradora do MPT em Caxias do Sul e coordenadora regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), Franciele D’Ambros, que acompanhou a força-tarefa, os trabalhadores ingressaram no país em busca de melhores condições de trabalho e de remuneração, diante da grave crise econômica no país vizinho.
O procurador do MPT Lucas Fernandes, que também integra a força-tarefa, ressaltou que o caso sinaliza a necessidade de constante monitoramento da cadeia produtiva da uva, para evitar que situações de violação de direitos humanos, se repitam. O chefe de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho no RS, Gerson Soares Pinto, explica que o resgate acontece no curso de um operativo de fiscalização na colheita da uva, cujo objetivo é garantir o direito dos trabalhadores safristas.
A coordenadora da fiscalização para combate ao trabalho escravo no RS, auditora-Fiscal do Trabalho Lucilene Pacini, que participou da operação, explica que o resgate aconteceu em decorrência da caracterização do trabalho em condições análogas às de escravo nas modalidades trabalho forçado condições degradantes, além de tráfico de pessoas.
Pós-resgate
O MTE, com apoio do MPT, já adota os procedimentos de pós-resgate: a hospedagem dos empregados em outro local; o cálculo e a cobrança de verbas rescisórias e valores devidos; o encaminhamento do seguro-desemprego para os resgatados e o custeio do retorno do adolescente à sua cidade de origem. As investigações seguem em curso. Como prestaram serviços a propriedades rurais por cerca de 3 a 4 dias, terão direito ao pagamento de três parcelas do seguro-desemprego.
Operação
O resgate foi realizado em decorrência da operação In Vino Veritas, coordenada pelo MTE, acompanhada pelo MPT e com apoio da PRF, para a apuração de eventuais irregularidades trabalhistas no setor vitivinicultor da Serra. São inspecionados estabelecimentos rurais e vinícolas da região, que concentra a maior parte da produção nacional de uva e vinhos.
O objetivo da operação é garantir o respeito aos direitos dos trabalhadores safristas, tendo em vista a colheita 2024, e verificar as mudanças feitas em toda a cadeia produtiva como resultado de operação realizada há um ano na região, quando foram resgatados 207 empregados do grupo empresarial Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda., responsável pela colheita de três grandes vinícolas de Bento Gonçalves.
A operação também verifica o cumprimento de termo de ajuste de conduta (TAC), que empregadores firmaram com o MPT em março do ano passado, e apura as mudanças realizadas no setor vitivinicultor após uma série de medidas adotadas pelo poder público, a exemplo de encontros, reuniões e palestras realizadas pelo MTE com entidades e produtores rurais ao longo do ano de 2023; e do pacto, proposto pelo MTE e firmado entre representantes das vinícolas, dos sindicatos dos trabalhadores e do poder público, em maio do ano passado.